Para
entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol.
ago., Série 20/08, 2012, p.01-16.
O
artigo faz parte da Monografia de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em
Docência do Ensino Superior pelo INEC/Universidade Cruzeiro do Sul, orientada
pelo Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Trata-se de pesquisa de campo que visa estabelecer
uma conexão entre a formação acadêmica e as competências para a prática da
docência e gestora a partir do cotidiano de uma Instituição Educacional, da
Rede Pública, no Município de São Paulo.
Esta pesquisa tem o propósito de traçar o perfil
profissional de dois gestores e suas trajetórias desde a formação acadêmica, a
atuação enquanto professor e os percalços na constituição de gestor, na
tentativa de elucidar, após análise de dados, a verossimilhança entre ser
professor e ser gestor.
INTRODUÇÃO.
Ao adentrar uma instituição educativa, um olhar mais
atento aos fazeres do professor e aos fazeres do gestor será revelador de quão
distintas são suas funções e ao mesmo tempo tão próximas e interdependentes.
Cabe ressaltar que em muitos casos o curso superior que dá o título de
‘Professor’, também dá o título de ‘Gestor’(Diretor, Coordenador Pedagógico,
Supervisor), neste caso refiro-me ao Curso de Pedagogia.
No entanto, ser professor e ser gestor, requer
competências e habilidades diferenciadas que no cotidiano da ação pedagógica
serão evidenciadas as exigências de cada função e a postura profissional de
cada um será posta em xeque.
Uma reflexão
mais profunda faz-se necessário no sentido de observar em que momento o
professor se transforma em gestor, como qualificar essa transição e a articulação
do conhecimento acadêmico com a prática pedagógica.
Para tanto foram entrevistados dois gestores e as
informações obtidas analisadas sob a luz de alguns referenciais teóricos, entre
os quais, destaca-se Philippe Perrenoud e Heloísa Luck, objetivando constatar
se as competências e saberes necessários
ao professor no exercício da docência são suficientes quando este professor
assume a função de gestor, e o quanto esses saberes se articulam e verificar se
procede a afirmação de que todo gestor é na sua essência um professor, mas nem
todo professor é na sua essência um gestor, e quais as dificuldades encontradas
na transição da docência para gestão.
A FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR/GESTOR.
Tratar da formação inicial do
professor, hoje, é remeter a uma discussão sobre os cursos de Pedagogia e defrontar-se
com a diversidade de contextos de cursos superiores que assolam o país.
Atualmente o país passa por uma crise de qualidade
que é resultado de uma inconstância
permanente que marca a formação de professores no Brasil. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional em 1996, surge o desafio de superar
uma histórica contradição: professores polivalentes da Educação Infantil
e dos anos iniciais do Ensino Fundamental (formados sobretudo nas habilitações
de Magistério de nível Médio) com conhecimento razoável do "como",
mas pouco conhecimento do "que" ensinar, enquanto os especialistas
das séries finais (egressos das Licenciaturas) dominam o "que" e se
perdem no "como".
Os Institutos Superiores de Educação (ISEs), concebidos
com a intenção de ser centros de formação de docentes, que integrariam os fundamentos da Educação, os
conteúdos específicos e a prática, contudo as mudanças não surtiram o efeito desejado.
Em 2006, os ISEs e o Normal Superior começaram a
desaparecer, com a determinação do Conselho Nacional de Educação (CNE) de que a
formação de professores polivalentes ocorresse na Pedagogia, bem como associado
ainda a formação do gestor (diretor de escola, coordenador pedagógico,
supervisor escolar).
A migração para o nível superior, por sua vez, pouco
contribuiu para melhorar a situação.
Em 2008, uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas
(FCC) encomendada pela Fundação Victor Civita (FVC) revelou que as disciplinas
com conhecimentos específicos sobre a docência (voltadas à prática e às
didáticas específicas) representam, no máximo, 30% da carga horária dessas
graduações.
Uma vez desvelada à situação
histórica dos cursos de Pedagogia, é preciso resgatar também como se constrói a
identidade desse profissional, problematizando como se dá a preparação desses profissionais
para atuarem nos diferentes níveis de ensino.
Sendo ampla a discussão sobre a
complexidade do ensinar e da formação inicial e em serviço, torna-se relevante
a discussão sobre as competências necessárias.
Para melhor compreensão das
dimensões de atuação entre o professor e o gestor faz-se necessário definir as
competências de cada profissional, ou seja, o que compete a cada um no processo
educativo.
Como nos ensina Terezinha Azeredo
Rios, (1999:46):
Falar em competência significa falar em saber fazer
bem. Apesar das diferenças entre as diversas concepções de educação e de escola
presentes entre nós, elas sem dúvida concordam em definir desse modo a
competência. (...) Afirmo que o saber fazer bem tem uma dimensão técnica, a do
saber e do saber fazer, isto é, do domínio dos conteúdos de que o sujeito
necessita para desempenhar o seu papel, aquilo que se requer dele socialmente,
articulado com o domínio das técnicas, das estratégias que permitam que ele,
digamos, “dê conta de seu recado”, em seu trabalho. Mas é preciso saber bem, saber
fazer bem, e o que me parece nuclear nesta expressão é esse pequeno termo –
“bem”(...)
Trazendo este assunto para a prática pedagógica dentro da
instituição escolar, ressalta-se que é importante levantar as questões
envolvidas neste processo, como por exemplo: a rotina escolar, o trabalho
coletivo, as relações interpessoais, processo de ensino e aprendizagem, para
ampliar a compreensão dos mesmos.
Nessa perspectiva os fazeres dos
gestores na organização da rotina escolar, na garantia de condições de um
trabalho coletivo, na promoção de relações interpessoais proativa e no
acompanhamento e intervenções do processo ensino e aprendizagem, abarcam
competências e habilidades diferenciadas
das dos professores, que ora se complementam ora se contrapõem, visto
que os fazeres dos professores diz respeito especificamente à gestão em sala de
aula sem perder de vista as diretrizes pedagógicas definidas na unidade e
órgãos superiores, como por exemplo secretarias de educação pelas quais as
instituições são regidas.
AS COMPETENCIAS PARA ENSINAR.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB 9394/96) - 1996, no artigo 13, aponta:
Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:
I - participar da elaboração da proposta pedagógica
do estabelecimento de ensino;
II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a
proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
III - zelar pela aprendizagem dos alunos;
IV - estabelecer estratégias de recuperação para os
alunos de menor rendimento;
V - ministrar os dias letivos e horas-aula
estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao
planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;
VI - colaborar com as atividades de articulação da
escola com as famílias e a comunidade.
Quando se visualiza a dimensão dos fazeres dos
professores, que não diz respeito apenas ao ato de lecionar, uma questão de
imediato torna-se bastante intrigante, quanto às competências necessárias para
ser um bom professor.
Acredita-se que as competências profissionais
constroem-se em formação, mas também no dia a dia de um professor, de uma
situação de trabalho à outra.
Portanto, alguns questionamentos estão implícitos no
cotidiano da ação-reflexão – ação do professor.
Terezinha Azeredo Rios, levanta alguns
questionamentos (1999:45):
O que significa ser professor na sociedade
brasileira hoje? O que é necessário para desempenhar o papel de educador? O que
compete ao educador na construção de nossa sociedade?
Para responder estas questões, buscamos em Philippe
Perrenoud (2000), quais seriam as competências necessárias ao professor na
garantia de um processo educativo de qualidade que atendesse as demandas dos
alunos, numa relação articulada com a realidade seja em âmbito local como em
âmbito macro.
São dez as competências para ensinar que Philippe
Perrenoud aponta (2000):
- Organizar e
dirigir situações de aprendizagem;
- Administrar a
progressão das aprendizagens;
- Conceber e fazer
evoluir os dispositivos de diferenciação;
- Envolver os
alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho;
- Trabalhar em
equipe;
- Participar da
Administração da Escola;
- Informar e
Envolver os pais;
- Utilizar Novas
Tecnologias;
- Enfrentar os
Deveres e os Dilemas Éticos da Profissão;
- Administrar sua
própria formação contínua.
Em seguida serão explicitados os itens acima para
melhor entendimento de quais competências estamos a nos referir:
1 - Organizar e dirigir situações de aprendizagem.
Ser conhecedor de sua disciplina, para planejar as
atividades de acordo com conteúdos e objetivos definidos no plano de trabalho e
articular seus saberes com os saberes dos alunos a partir da problematização
dos temas abordados de maneira envolvente e estimulante.
2 - Administrar a progressão das aprendizagens.
Saber diagnosticar em que momento cognitivo
encontra-se o aluno e desafiá-lo com atividades compatíveis para o seu
crescimento intelectual, com possibilidades ao professor de fazer boas escolhas
a partir de um repertório teórico-prático.
Saber também observar e avaliar os alunos em
variadas situações de aprendizagens a fim de reconduzir o processo de ensino
aprendizagem na garantia da aprendizagem do aluno.
3 - Conceber e fazer evoluir os dispositivos de
diferenciação.
Compreender o motivo das dificuldades de
aprendizagem do aluno e saber como superá-las, tanto no atendimento individual quanto
coletivo, desenvolvendo à cooperação entre os mesmos.
Fundamental também poder contar com o apoio de seus
pares com vistas a intervenções ao combate do fracasso escolar.
4 - Envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu
trabalho.
Trabalhar com a motivação dos alunos para aprender o
que significa que o professor deve respeitar seus direitos, inclusive o direito
de não gostar da escola e o de fazer escolhas, para que os vínculos entre
professor e aluno sejam criados em prol da aprendizagem.
5 - Trabalhar em equipe.
Elaborar projetos coletivos o que implica estar
aberto para críticas, saber se autoavaliar e acima de tudo trabalhar em grupo
respeitando e assumindo diferentes ideias e decisões. Importante neste aspecto
é a habilidade em mediar os conflitos interpessoais.
6 - Participar da Administração da Escola.
Sentir-se pertencente no espaço em que leciona,
participante nas decisões que devem sempre ser coletivas e posicionar-se como
autor de sua prática tendo seus pares e alunos com coautores.
7 - Informar e Envolver os pais.
A competência dos professores consiste em informar e
envolver os pais e aceitá-los em sua
diversidade, ouvir e compreender o que eles tem a dizer, a fim de envolvê-los na construção de saberes
em prol da confiança e aprendizagem de seus filhos.
8 - Utilizar Novas Tecnologias.
Apropriar-se das novas tecnologias e usuá-las na
construção de conhecimento junto aos alunos, ou seja, utilizar as ferramentas
multimídia para o ensino.
9 - Enfrentar os Deveres e os Dilemas Éticos da
Profissão.
Faz parte do ofício do professor saber negociar,
saber como prevenir a violência na escola e fora dela.
A aprendizagem escolar está intrinsicamente ligada
ao desenvolvimento dos alunos quanto ao senso de responsabilidade,
solidariedade e o sentimento de justiça o que abrange a luta contra os
preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais.
10 - Administrar sua própria formação contínua.
Cabe ao professor investir em sua formação pessoal e
profissional ao mesmo tempo em que a formação em serviço, atualmente, passou a ser condição para melhoria do
desempenho profissional.
Cabe aqui uma reflexão quanto as
competências necessárias ao gestor.
Obviamente que as ações
específica de ensino e aprendizagem remetem apenas ao professor, no entanto, o
gestor é o responsável por propiciar, acompanhar e favorecer um ambiente
educativo, de aprendizagens.
Neste sentido, o gestor, tem como papel principal
facilitar a cooperação dos diversos profissionais, apesar das diferenças de
atribuições, na ação pedagógica do cotidiano escolar.
O que vale ressaltar, também é um papel formativo.
AS DIMENSÕES DA GESTÃO ESCOLAR.
A utilização do termo gestão escolar neste texto,
diz respeito a concepções sobre educação e atuação do gestor, seja do diretor
ou do coordenador pedagógico, que atuam diretamente na liderança de suas
equipes de trabalho dentro da unidade escolar.
Como bem define Heloísa Luck (2009:17):
Na escola, o diretor é o profissional a quem compete
a liderança e organização do trabalho de todos os que nela atuam, de modo a
orientá-los no desenvolvimento de ambiente educacional capaz de promover
aprendizagens e formação dos alunos, no nível mais elevado possível, de modo
estejam capacitados a enfrentar os novos desafios que são apresentados.
E através do referencial teórico desta autora que
levantamos quais seriam as competências necessárias ao gestor na garantia de um
processo educativo de qualidade que atendesse as demandas dos alunos, numa
relação articulada com a realidade seja em âmbito local como em âmbito macro.
São dez as dimensões da gestão escolar e suas
competências apontadas por Heloísa Luck (2009):
Competências de
fundamentação da educação e da gestão escolar;
Competências de
Planejamento e organização do trabalho escolar;
Competências de
monitoramento de processos educacionais e avaliação institucional;
Competências de
gestão de resultados educacionais;
Competências de
gestão democrática e participativa;
Competências de
gestão de pessoas na escola;
Competências de
gestão pedagógica;
Competências de
gestão administrativa na escola;
Competências da
gestão da cultura organizacional da escola;
Competências da
gestão do cotidiano escolar.
Novamente, serão explicitados, agora os itens da
gestão escolar do ponto de vista do gestor para melhor entendimento de quais
competências estamos a nos referir:
1 - Competências de fundamentação da educação e da
gestão escolar.
Adota em sua atuação de gestão escolar as
determinações legais, princípios e diretrizes educacionais que tem como foco a
aprendizagem de um aluno crítico, autônomo e participativo.
2 - Competências de Planejamento e organização do
trabalho escolar.
Estabelece na escola a prática do planejamento que
direciona as ações de todos os segmentos de forma processual a partir de um
diagnóstico, elaboração de planos de trabalho e a garantia de sua execução.
3 - Competências de monitoramento de processos
educacionais e avaliação institucional.
Promove estratégias de monitoramento para todos os
segmentos na escola bem como acompanhamento das aprendizagens dos alunos e
demais processos educacionais que
sujeitos a avaliação contínua visam a melhora dos resultados educacionais e
desempenho de todos os envolvidos.
4 - Competências de gestão de resultados
educacionais.
A partir de indicadores de qualidade referentes ao
âmbito nacional e local assume o compromisso de informar a comunidade
educativa, formar e estabelece metas para a sua melhoria.
5 - Competências de gestão democrática e
participativa.
Lidera, incentiva e garante a atuação democrática e
articulada de todos os órgãos colegiados escolares, compartilhando
responsabilidades.
6 - Competências de gestão de pessoas na escola.
Motiva e mobiliza os diferentes atores na escola
para um relacionamento interpessoal propositivo, voltado para o coletivo cujo
objetivo é a aprendizagem dos alunos e a
melhoria contínua do desempenho profissional.
7 - Competências de gestão pedagógica.
Acompanha e orienta o processo de ensino e
aprendizagem a partir de uma constante reflexão e atualização do currículo
escolar norteando a ação educativa para a
promoção da aprendizagem dos alunos.
8 - Competências de gestão administrativa na escola.
Gerencia e orienta a utilização dos recursos
financeiros, materiais e humanos com vistas a efetivação dos objetivos
educacionais a que se propõem.
9 - Competências da gestão da cultura organizacional
da escola.
Identifica e compreende os pontos fortes e fracos
das práticas cotidianas na escola e promove a convergência para um ambiente
favorável à aprendizagem dos alunos e fortalecimento das relações interpessoais
de todos os envolvidos no processo educativo.
10 - Competências da gestão do cotidiano escolar.
Assegura o cumprimento das rotinas educacionais e
promove condições para bom aproveitamento do tempo escolar nas diferentes
escalas, seja diária ou anual, visando o favorecimento da aprendizagem dos
alunos.
Portanto, a referência à competência profissional
implica na responsabilidade e no desempenho favorável das atribuições
desenvolvidas pelo gestor ou professor.
DO OFÍCIO DE PROFESSOR AO
OFÍCIO DE GESTOR.
Não restam dúvidas sobre o papel do professor e do
gestor no contexto escolar, para além de suas atribuições legais.
Ao diretor compete zelar pela escola como um todo
com foco na formação dos professores e aprendizagem dos alunos e ao professor,
compete a formação dos alunos quanto à construção de conhecimentos, habilidades
e atitudes. Porém tanto para um cargo quanto para o outro o que embasa a
atuação profissional de ambos é o percurso pessoal, cultural.
Contudo uma inquietação ronda os espaços escolares a
medida que adentramos nas especificidades da rotina escolar.
Quais seriam então os saberes necessários ao
professor quando o mesmo assume um cargo de gestor?
Quais as dificuldades encontradas?
O curso de Pedagogia o habilita de fato, para as
duas funções?
Para tanto, foram realizadas entrevistas com dois gestores,
com dezoito questões abertas, conforme questionário abaixo:
Questionário
1)Nome:
2)Idade:
3)Cargo que ocupa:
4)Há quanto tempo está neste cargo (ou ocupou este
cargo):
5)Trajetória de formação inicial:
6)Trajetória profissional até chegar neste cargo:
7)Quais foram suas dificuldades iniciais como
professor?
8)Quais foram suas dificuldades iniciais como
gestor?
9)Porque resolveu assumir o cargo de gestor?
10)Você acredita que um gestor de uma unidade de
educação infantil deva ter habilidades diferentes de um gestor de ensino
fundamental? Porque? Se, sim, quais habilidades?
11)Na sua opinião qual cargo tem maior relevância para as ações educativas, o de
professor ou de gestor? Porque?
12)Na sua opinião qual cargo é mais respeitado pela
comunidade (dirijo-me aqui aos
pais/responsáveis/familiares)? Porque?
13)Qual(is) sua melhor lembrança como professor?
14)Qual(is) sua melhor lembrança como gestor?
15)Você acredita que as experiências em sala de aula
dão suporte para o professor assumir o cargo de gestor?
16)Com a experiência que tem atualmente, o que você
faria de diferente ao assumir o cargo de
gestor?
17)Quanto tempo você acredita ser necessário para se
sentir seguro no cargo de gestor?
18)Você acredita que os cursos de pedagogia deveriam
oferecer algo (a mais ou diferente) para favorecer essa transição de professor
para gestor?
O PERFIL DOS ENTREVISTADOS.
As entrevistadas estão na faixa de 44 a 54 anos,
ambas do sexo feminino, exercendo o cargo de gestor em média a quinze anos, com
vasta experiência na docência, gestão e como formadoras.
Foi feita a opção de entrevistar uma pessoa que
ocupou vários cargos dentro da carreira de especialista, em especial para esta
entrevista, o cargo de Diretor de Escola a qual chamaremos de D. e outra no cargo de Coordenador Pedagógico, a
qual chamaremos de C.
FORMAÇÃO INICIAL.
Os cursos superiores foram cursados em universidades
privadas; para D, o curso de pedagogia foi o segundo curso superior e para C o
primeiro de nível superior.
Ambas iniciam na década de 90 como professoras
concursadas no Município de São Paulo, D, no fundamental II, área de geografia
e C como professora de educação infantil.
O PROFESSOR.
Aparecem as mesmas dificuldades: relação teoria e
pratica e como ensinar e o trabalho solitário do professor.
D: “(...)me
lembro de que não via conexão entre o que estudava e o que vivenciava
diariamente nas aulas(...)”
D: DIFICULDADES “(...)
tentar tornar significativo para os alunos o que deveria ser trabalhado em
aula. Lembro de me sentir solitária e com muito medo(...)”
C: “As
dificuldades relacionadas ao como ensinar eram desafiadoras, pois na maioria
das vezes há uma dificuldade em transpor a teoria para a prática.”
C: “ Outro
aspecto que considero relevante era o trabalho isolado do professor tanto em
relação aos seus pares, quanto em relação a equipe gestora ou técnica(...)”
As lembranças que mais tocaram D e C enquanto
professoras foi o sentimento de satisfação diante da aprendizagem das crianças
e alunos, em torno do esforço de terem alcançado seus objetivos de
ensino/aprendizagem.
O GESTOR.
Para o cargo de gestor a
dificuldade é desconhecer o assunto ou rotina que fará parte do novo cotidiano
devido à inexperiência do momento e também a articulação dos segmentos para os
objetivos comuns.
Como os dois entrevistados
apontam:
D: “(...)a
equipe administrativa (agentes, secretária, aux. de secretaria, vigias, etc.)
se relacionavam com o trabalho e entre si e com a comunidade, de uma forma
pouco profissional e isso foi o maior desafio.”
C: “Vejo o
papel do gestor como articular do processo pedagógico e nesse sentido ter um
olhar amplo para as questões e mobilizar a equipe na consecução dos objetivos
não é uma tarefa fácil.”
Enquanto D optou ser gestor pelo desafio e por querer
viver novas experiências, C fez esta opção com foco na formação, ou seja, por
saber que seu interesse no cargo era o trabalho com a formação de professores,
o que implica em dizer que para C havia um direcionamento mais claro.
D e C, colocam que há diferenças entre ser gestor de
uma escola de ensino fundamental e de educação infantil, porém o foco está na aprendizagem das
crianças, e as necessidades e características de desenvolvimento de cada faixa
etária, independentes dos cargos diretor ou coordenador pedagógico, que as
mesmas ocupam.
D: “O gestor precisa ser um conhecedor da faixa etária das
crianças de sua unidade porque algumas necessidades são comuns
independentemente da faixa etária mas a grande maioria depende e varia com as
idades delas.”
C: “Acredito que como
gestores, precisamos estar atentos para que as crianças e alunos vivam
experiências que o respeitem e atendam suas necessidades.”
Como melhor lembrança como gestor, dois aspectos são
apontados : a visualização de uma unidade mais organizada (D) e o trabalho em
equipe (C), no entanto as duas descrevem ser a postura
profissional/profissionalismo, a ética,
o grande aliado para vencer os desafios do cotidiano.
D: “(...)
atendimento à comunidade de forma profissional e não como concessão de
favor(...)”
C: “(...)
vencer através do trabalho os desafios do dia a dia.”
Questionadas sobre o que fariam de diferente se
assumissem o cargo de gestor com a experiência que tem atualmente, as duas
priorizariam a atenção aos grupos que se constituem no espaço escolar, as
relações interpessoais que permeiam o trabalho profissional, a participação nos
coletivos.
Contudo D, pontua uma atuação com enfoque mais pedagógico
do que teve à época e C dá relevância ao caráter profissional que acredita que
em momento algum deva ser desprezado.
Quanto ao tempo necessário para que um gestor
sinta-se com domínio em seus afazeres, as duas apontam que o tempo está
relacionado às experiências e deter o conhecimento necessário para poder prever
o que vai acontecer.
Quando sai do estágio da novidade, gera uma zona de
conforto que fortalece a ação gestora diante de seu grupo de trabalho.
A DUALIDADE.
Quando inferimos qual cargo, o de professor ou de
gestor teria maior relevância para o processo educativo, D e C, não negam o papel
do professor, conforme diz C.
“No processo
educativo cada elemento é importante . Vejo o papel do professor imprescindível
na ação educativa, a ausência desse profissional traz sempre prejuízos. Contudo
o gestor tem também um papel importante na formação, construção do projeto pedagógico e nas
intervenções que podem provocar mudanças na prática pedagógica e no atendimento
e aprendizagens das criança e alunos.”
Porém pontuam a ação do gestor como fomentador das
mudanças, intervenções e condições de trabalho.
Quanto ao cargo que é mais respeitado pela
comunidade, as entrevistadas são unanimes em responder que é o cargo de diretor,
devido a ideia construída socialmente em torno da figura do diretor, como bem
explica C,
“Acho que há uma
representação ainda muito forte da figura do Diretor, como alguém capaz de
resolver problemas ou realizar encaminhamentos. Percebo que esta representação
é fruto de uma ideia de hierarquia, em detrimento a um colegiado que discute e
negocia ações.”
Quanto a acreditarem se as experiências em sala de
aula dão suporte para o professor assumir o cargo de gestor, D e C entendem que
a experiência de ser professor não basta, pois conforme aponta D, “As exigências profissionais são muito
específicas e diferentes.”
Muito embora o conhecimento dos aspectos que
envolvem a prática pedagógica tenha sua origem na ação do professor, como bem
revela C, “Vejo que elas colaboram para
que você tenha alguns conhecimentos sobre questões que envolvem a ação
educativa, porém é só um ponto de partida, uma parte da visão.”
C e D apontam os mesmos aspectos quanto aos cursos de
Pedagogia, ou seja, não atendem as
necessidades para cargos que embora afins possuem especificidades diferentes e
questionam a estrutura dos estágios na área de educação, que são em grande
maioria descolados da realidade onde os conhecimentos acadêmicos não dialogam
com a prática
D: “Talvez uma
mudança nos atuais estágios, Talvez o desenvolvimento de um projeto na
unidade,(...)”
C: “Acredito
que os cursos deveriam aproximar mais o cotidiano escolar, a realidade escolar.
Na maioria das vezes os estágios não propiciam essas oportunidades”
Estes dados da entrevista com dois professores que
acessaram seus cargos para especialista, diretor e coordenador pedagógico,
contribuem para desvelar o quanto as funções de professor e gestor estão
atreladas, uma vez que as experiências aqui relatadas abordam a questão de
liderança, histórias pessoais de motivação para o trabalho pedagógico onde
muito do que apresentou ser enquanto professor também será revelado enquanto
gestor.
Talvez um outro trabalho acadêmico possa trazer
novas discussões sobre a atuação do professor que tem a oportunidade de atuar
como gestor e retornar ao cargo de professor e quais as competências adquiridas
nessa passagem.
CONCLUINDO.
Visto que se trata de uma pesquisa na área de
educação cujo tema é de grande amplitude, tentou-se aqui dar visibilidade dos
resultados relevantes aos seus atores, professores e gestores, bem como à
comunidade acadêmica, abrindo a possibilidade de despertar o desejo de ampliar a
discussão e o olhar sobre este tema.
Constatou-se que os fatores que podem auxiliar tanto
o professor quanto o gestor nas suas atribuições são os mesmos.
A formação como condição do profissional em se
manter atualizado; o conhecimento no sentido de construção, possibilidade que
se amplia à medida que o tempo passa e demarca as vivencias e o contexto no
qual se insere suas experiências.
Considerando que uma escola ‘boa’ remete
necessariamente a bons profissionais que lá atuam, pode-se afirmar então que
não é apenas o professor ou o gestor que faz a diferença, mas a atuação
conjunta é que garante o reconhecimento
de uma ‘boa’ escola.
Construir um repertório conceitual próprio em cada
escola é fruto de uma gestão que não se faz só, mas correponsabiliza a todos
que passam a compartilhar, saberes, medos, desejos, portanto também aqui
gestores e professores atuam conjuntamente.
Quando ações e ideias são compartilhadas no ambiente
escolar, professores e gestores influenciam positivamente e com bases solidas
sua atuação.
O que se firma na ação do gestor e fica muito
evidente no decorrer da entrevista é o quanto ainda precisamos avançar em
concepções sobre gestão escolar para que não se divida a gestão em
administrativo e pedagógico, pois nenhuma ação é meramente administrativa ou
pedagógica, mas o entrelaçamento de duas dimensões.
Seria como dizer que o professor ou gestor não tem
imbuído em seu ser a dimensão política, uma vez que todos somos políticos em essência.
Nesta acepção, toda a prática educativa, seja das
atribuições do professor, seja das atribuições do gestor, são ao mesmo tempo
administrativa, pois organiza politicamente uma ação com um fim específico, e pedagógica pois aponta o como
fazer para alcançar um determinado objetivo.
Neste sentido o gestor necessita então de uma
competência para além da sala de aula que é ter a visão do conjunto das
dimensões que influenciam o ambiente escolar sob o qual está a sua liderança.
No entanto, a liderança do gestor é uma característica
fundamental, como o é para o professor na gestão em sala de aula.
Mas uma gestão democrática na escola implica num
perfil de gestor que incentive seu grupo também a exercitar essa característica,
ou seja, a liderança.
Como bem aponta Heloísa Luck (2009):
“(...) não se melhora uma escola simplesmente
melhorando seus planos de ação, seu PPP, suas condições físicas e materiais, suas
normas e regulamentos, a organização do seu espaço, etc.(...). Caso não sejam
promovidas mudanças nas práticas do cotidiano, mantém-se o ‘status quo’ nas
escolas.”
A esta ideia acrescenta-se o quanto de equívocos
existe quando ouvimos professores e gestores afirmarem que dentro da sala de
aula o professor é quem manda!
Ora se a referência para uma atuação compartilhada
do gestor é discutir práticas pedagógicas juntamente com o professor, não cabe
fragmentar áreas de atuação dentro do espaço escolar.
Mas apropriação do gestor de todo conhecimento
acumulado de seu cargo de professor.
Partindo da defesa de que a meta/prioridade que deve
ser estabelecida nas escolas anualmente é a aprendizagem das crianças, jovens e
adolescentes, então o gestor necessita compreender uma série de aspectos que
envolvem a educação como,
Qual o papel da escola e de seus profissionais?
Qual o perfil dos alunos que frequentam as escolas
atualmente e que expectativas têm deste espaço e da sociedade?
Quais os vínculos que podem e devem ser
estabelecidos para que os alunos aprendam?
Entre outras.
Portanto, este trabalho não tem a intenção de
esgotar o assunto, mas sim iniciar um diálogo, e cavar um espaço ainda tímido
de um tema muito importante e com muitos atores na educação brasileira.
PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.
ALMEIDA, Guido. O professor que não ensina. São Paulo: Summus,1986.
BRASIL. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO
NACIONAL- LEI nº 9394/96 de 20 de dezembro de 1996.
GIL, Antonio Carlos. Metodologia do ensino
superior. São Paulo: Atlas, 1997.
LUCK, H. Dimensões da Gestão Escolar e suas
Competências. Curitiba: Editora Positivo, 2009.
PERRENOUD. Práticas pedagógicas, profissão
docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote,1993.
PERRENOUD. Dez Novas Competências para Ensinar.
Porto Alegre: Artmed Editora, 2000.
PERRENOUD. Ensinar : Agir na urgência, decidir na
incerteza. Saberes e competências em uma profissão complexa. Porto Alegre:
Artmed Editora, 2001.
PERRENOUD. Os dez não-ditos ou a face escondida
da profissão docente. Espaço Pedagógico (Universidade de Passo Fundo), vol.
6, n° 2, dezembro, pp. 105-121 [1999_42].
POLITO, Rachel. Superdicas para
um Trabalho de Conclusão de Curso. São Paulo: Saraiva, 2010.
RIOS, T. A. Ética e Competência. São Paulo:
Editora Cortez, 2001.
Texto: Profa. Daisy Vieira de Moraes.
Pós-Graduanda
em Docência do Ensino Superior pelo INEC/UNICSUL.
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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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