Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3,
Vol. mai., Série 01/05, 2012, p.01-35.
Este
artigo complementa os resultados da pesquisa financiada pela FAPESP e publicada
no livro Naufrágios e Obstáculos[i],
abordando o tema de forma mais alargada, aprofundando questões deixadas em
aberto, através da consulta de fontes primária, pertencente ao Arquivo
Histórico Ultramarino e Arquivo Nacional da Torre do Tombo, entre outros
arquivos portugueses; possibilitando o entendimento da viragem econômica e
social lusitana do Oriente para o Ocidente.
As
causas dos naufrágios na Carreira da Índia, a rota que ligava Portugal com as
riquezas da Índia, notadamente com as famosas especiarias Orientais; foram
variadas, sendo cada perda tributária não apenas de um único fator isolado, mas
sim de uma verdadeira somatória de fatores[ii].
Nas
mais diferentes décadas do século XVI e XVII, a principal causa dos naufrágios
constituiu um agrupamento de fatores envolvendo: a adversidade do tempo; o
desconhecimento do território, da profundidade das águas, do regime dos ventos
e das correntes marítimas; a imperícia dos pilotos; o excesso de carga e/ou o
desgaste natural das embarcações; doenças que dizimaram a tripulação
impossibilitando a continuidade da viagem; e ataques de piratas seguidos da
queima da embarcação.
Assim,
a causa de um naufrágio esteve associada a dois ou mais fatores agrupados,
pois, no caso de um naufrágio causado por uma tempestade, por exemplo, este
tanto poderia ter sido causado pelo mau tempo em si e pela incapacidade e
inexperiência do piloto; ou então devido ao desconhecimento do território e da
profundidade das águas.
Reside
justamente neste ponto a primeira dificuldade colocada diante da análise das
causas dos naufrágios, uma vez que os relatos refletem muito mais o ponto de
vista da testemunha do que a real causa da perdição.
Uma
segunda dificuldade está no fato da maior parte das perdas não terem deixado
testemunhas do ocorrido e/ou terem deixado apenas sobreviventes leigos,
portanto, sem gabarito para apontar os fatores ocultos por trás da causa aparente
do desastre.
As fontes.
Embora
os relatos dando conta de naufrágios em detalhes sejam escassos, refletindo
quase sempre apenas descrições calcadas na observação pessoal do narrador, os
fatores que levaram ao fundo a maior parte das naus da Índia foram à época, em
linhas gerais, largamente conhecidos.
Isto
nem tanto devido à compilação da descrição dos sobreviventes e/ou devido à
análise dos destroços de embarcações ao alcance, mas sim pelo constante risco a
espreitar e conviver com os tripulantes da Carreira da Índia que, por sua vez,
geraram protestos comedidos, alertas, e, em determinados períodos, afugentaram
os voluntários dispostos a embarcarem, pois eis que eram conhecidos até mesmo
entre a arraia miúda.
Para
além de cartas breves e relatórios alertando a Coroa sobre os perigos a rondar
a rota, doze relatos detalhados de naufrágios, ocorridos no século XVI e XVII,
foram compilados e publicados em 1735 e 1736 por Bernardo Gomes de Brito na História Trágico-Marítima[iii].
Brito
deu a conhecer a descrição do cotidiano e a maneira como as testemunhas leigas
e especialistas tinham observado o desastre em que estiveram envolvidas.
A
despeito da importância da compilação destes relatos[iv],
a maior parte dos quais teriam se perdido em meio ao terremoto de 1755, não
fosse à iniciativa de Brito; uma análise quantitativa dos naufrágios ocorridos
na Carreira da Índia entre 1500 e 1700, baseando-se no rastreamento de cada
embarcação, através de documentos pertencentes ao Arquivo Nacional da Torre do
Tombo e Arquivo Histórico Ultramarino, permitiu extrair várias conclusões
acerca das causas dos naufrágios na rota da Índia.
Os naufrágios na Carreira da Índia e
algumas conjeturas.
Baseado
nas fontes primárias[v],
chegamos ao número de navios que circularam na rota no século XVI e XVII[vi],
observando que, entre os 205 navios perdidos entre 1500 e 1700, pouco mais da
metade, correspondente a 104 naufrágios, tiveram a causa de seu afundamento
oficialmente desconhecida, já que estas embarcações não deixaram um único
sobrevivente para contar o que teria acontecido.
Ao
mesmo tempo, embora qualquer perda não possa ser atribuída a um fator isolado,
foram classificados pelos sobreviventes resgatados:
31
naufrágios motivados pelo encalhamento da embarcação; 32 afundamentos em meio
ao ataque e pilhagem de piratas;
14
naufrágios em meio a tempestades;
1 como perda
de um navio cuja tripulação foi quase dizimada por doenças, obrigando os
sobreviventes a abandoná-la, passando a outra embarcação que navegava em sua
companhia e colocando fogo a sua própria nau a fim de evitar que caísse nas
mãos de piratas;
15
perdas de navios ancorados em portos do Índico devido à má construção e/ou não
ter sido realizada uma manutenção preventiva, portanto, neste último caso,
ocasionadas pelo desgaste natural da madeira em contato com a água;
8
perdas foram atribuídas ao ataque de nativos, principalmente ao longo do
litoral africano.
Enquanto a margem de naufrágios cuja causa é desconhecida
foi relativamente pequena na rota do Brasil[vii],
não ultrapassando 10%, em exceção de poucos e raros casos isolados; em se
tratando da Carreira da Índia, a porcentagem de perdas, em algumas décadas alcançou
patamares próximos a 50%.
Examinando os naufrágios na rota da Índia, excluindo os
navios que foram a pique em meio a causas desconhecidas, algumas causas principais foram atribuídas pelos sobreviventes.
Dentre estas: 30,69% das embarcações teriam afundado em
meio ao seu encalhamento; 31,69% devido ao ataque de piratas; 13,86% durante
uma tempestade; 0,99% por doenças que teriam dizimado os tripulantes; 14,85%
devido ao desgaste da embarcação e 7,92% durante o ataque de nativos.
O que
permitiria conjeturar que, caso conhecêssemos o motivo principal que teria
levado ao fundo as naus cuja causa do naufrágio é desconhecida, ficasse
evidenciado que mais da metade das perdas teriam sido motivadas pelo
encalhamento.
Um
claro reflexo da imperícia do piloto e/ou o desconhecimento do território,
assim como do assédio de piratas.
Dentro
deste contexto, por exemplo, antes da chegada dos holandeses e ingleses ao
cenário colonial; no inicio da Carreira da Índia, quando os lusos praticamente
não tinham inimigos a sua altura, a maior parte dos naufrágios cuja causa é
ignorada teriam sido motivados pelo desconhecimento da profundidade das águas.
Enquanto,
depois da União Ibérica, o assédio dos inimigos da Espanha teria sido o
principal fator a engrossar o índice de perdas.
-Tabela 1 – Causa principal atribuída aos naufrágios na
Carreira da Índia, entre 1500 e 1700, segundo o número de embarcações perdidas.
Período
|
Desconhecida
|
Encalhamento
|
Ataque de Piratas
|
Desgaste e/ou má
construção
|
1500-1509
|
10
|
02
|
01
|
00
|
1510-1519
|
06
|
03
|
00
|
00
|
1520-1529
|
09
|
03
|
00
|
02
|
1530-1539
|
05
|
01
|
00
|
00
|
1540-1549
|
04
|
01
|
00
|
01
|
1550-1559
|
10
|
01
|
00
|
00
|
1560-1569
|
02
|
01
|
00
|
01
|
1570-1579
|
04
|
01
|
00
|
00
|
1580-1589
|
02
|
03
|
01
|
03
|
1590-1599
|
13
|
02
|
05
|
03
|
1600-1609
|
08
|
06
|
12
|
03
|
1610-1619
|
04
|
03
|
03
|
00
|
1620-1629
|
08
|
01
|
05
|
02
|
1630-1639
|
00
|
01
|
04
|
00
|
1640-1649
|
06
|
02
|
01
|
00
|
1650-1659
|
03
|
00
|
00
|
00
|
1660-1669
|
02
|
00
|
00
|
00
|
1670-1679
|
02
|
00
|
00
|
00
|
1680-1689
|
03
|
00
|
00
|
00
|
1690-1700
|
03
|
00
|
00
|
00
|
Total
|
104
|
31
|
32
|
15
|
Fonte: “Navios da Carreira da
Índia (1497-1653), códice anônimo da British Library” e “Governadores da Índia
pelo Padre Manuel Xavier” In: ALBUQUERQUE, Luís de (Comentários) & PERICÃO,
Maria da Graça (Transcrição). Relações da
Carreira da Índia. Lisboa, Alfa, 1989/Documentos pertencentes ao acervo do
Arquivo Histórico Ultramarino: Papéis Avulsos da Índia, Caixa 1, 2, 3, 3A,
4, 4A, 5, 5A, 6, 7, 8, 8A, 9, 9A,
10, 10A, 11, 11A, 12, 13, 13A, 14, 14A,
15, 16, 16A, 17, 17A, 18, 18A, 19, 19A,
20, 20A, 21, 21A, 22, 22A, 23, 24, 24A,
25, 25A, 26, 26A, 27, 27A, 28, 28A,
29, 29A, 30, 30A, 31, 31A, 32, 32A,
33, 33A, 34, 34A, 35, 35A, 36, 37, 38, 38A,
39, 40, 41, 42.
-Tabela 2 – Causa principal atribuída aos naufrágios na
Carreira da Índia, entre 1500 e 1700, segundo o número de embarcações perdidas.
Período
|
Tempestade
|
Doenças
|
Ataque de nativos
|
Embarcações
avariadas e Não naufragadas
|
1500-1509
|
05
|
01
|
00
|
02
|
1510-1519
|
00
|
00
|
00
|
03
|
1520-1529
|
00
|
00
|
01
|
01
|
1530-1539
|
00
|
00
|
00
|
00
|
1540-1549
|
00
|
00
|
00
|
00
|
1550-1559
|
01
|
00
|
01
|
00
|
1560-1569
|
01
|
00
|
01
|
00
|
1570-1579
|
00
|
00
|
00
|
00
|
1580-1589
|
00
|
00
|
00
|
04
|
1590-1599
|
00
|
00
|
01
|
03
|
1600-1609
|
01
|
00
|
01
|
05
|
1610-1619
|
01
|
00
|
01
|
03
|
1620-1629
|
05
|
00
|
02
|
05
|
1630-1639
|
00
|
00
|
00
|
00
|
1640-1649
|
00
|
00
|
00
|
00
|
1650-1659
|
00
|
00
|
00
|
00
|
1660-1669
|
00
|
00
|
00
|
00
|
1670-1679
|
00
|
00
|
00
|
00
|
1680-1689
|
00
|
00
|
00
|
00
|
1690-1700
|
00
|
00
|
00
|
00
|
Total
|
14
|
01
|
08
|
29
|
Fonte: “Navios da Carreira da
Índia” e “Governadores da Índia”. Op. Cit./Documentos pertencentes ao acervo do
Arquivo Histórico Ultramarino: Papéis Avulsos da Índia, Caixa 1, 2, 3, 3A,
4, 4A, 5, 5A, 6, 7, 8, 8A, 9, 9A,
10, 10A, 11, 11A, 12, 13, 13A, 14, 14A,
15, 16, 16A, 17, 17A, 18, 18A, 19, 19A,
20, 20A, 21, 21A, 22, 22A, 23, 24, 24A,
25, 25A, 26, 26A, 27, 27A, 28, 28A,
29, 29A, 30, 30A, 31, 31A, 32, 32A,
33, 33A, 34, 34A, 35, 35A, 36, 37, 38, 38A,
39, 40, 41, 42.
Assim,
uma análise quantitativa, década a década, das causas de naufrágios tidas como
principais na Carreira da Índia, entre 1500 e 1700, permite chegarmos a uma
conclusão mais acertada.
Até
pelos menos 1519, quando o mapeamento do Índico estava sendo levado a termo, os
16 naufrágios cuja causa é tida como desconhecidas poderiam ter sido motivados
pelo desconhecimento do território, o que, somado aos 5 encalhamentos
verificados até então, perfaria um total de 21 perdas ocorridas em meio ao
desbravamento do Índico.
O que
cobriria 75% dos naufrágios ocorridos nas duas primeiras décadas da Carreira da
Índia, ao passo que o dito desconhecimento da profundidade das águas teria sido
meramente a causa principal que, agrupada a adversidade do tempo e a outros
fatores, teria levado ao fundo 28 embarcações no período.
Igualmente,
podemos supor que, entre 1520 e 1589, o grosso dos naufrágios tidos como
causados por fatores desconhecidos teriam sido motivados pela imperícia dos
pilotos e a má construção ou manutenção das embarcações.
Embora
quantitativamente nenhum naufrágio tenha sido atribuído diretamente ao governo
deficitário do navio, o cargo de piloto foi extremamente disputado por dar
direito a uma participação nos lucros sobre a pimenta, dando direito ainda a
fazer carregar certa quantidade do produto em beneficio próprio, razão pela
qual muitos nobres compravam o cargo mesmo não entendendo nada da arte de
navegar, gerando evidentemente desastres inevitáveis[viii].
No
mesmo período, da mesma maneira que se fazia sentir a falta de profissionais
gabaritados a bordo dos navios, faltava pessoal capacitado nos estaleiros do
Reino, sendo a crescente demanda por novas embarcações satisfeita com navios
mal construídos que, muitas vezes, iam a pique já na sua primeira viagem.
Isto
acontecia ao mesmo tempo em que os estaleiros dificilmente davam conta de
realizar uma manutenção adequada da frota, forçando as naus da Índia a
navegarem até literalmente acabar no mar, tal como sugere o baixo índice de
embarcações avariadas e não naufragadas reparadas nos estaleiros durante o
período - apenas 5 navios ao longo de sete décadas -, demonstrando que só eram
efetuados reparos em navios cujas avarias eram por demais significativas.
Seja
como for, dentre os 36 naufrágios cuja causa é desconhecida, ocorridos entre
1520 e 1589, podemos conjeturar que a quase totalidade teria sido motivada por
uma somatória de fatores envolvendo a imperícia dos pilotos, a superlotação
gerada pela mercadoria embarcada pelos tripulantes como parte de seu pagamento,
a má construção das embarcações e a ausência de uma manutenção adequada.
Somado os
naufrágios atribuídos a cada uma destas causas isoladamente, perfazia um total
de 54 perdas decorrentes desta somatória de fatores, equivalente a cerca de 90%
dos naufrágios ocorridos no período citado.
Entretanto,
durante a vigência da União Ibérica (1580-1640) e, mais especificamente, a
partir da década de 1590, o assédio de piratas ingleses e, sobretudo,
holandeses, provavelmente, foi à causa principal responsável por quase a totalidade
dos naufrágios que tiveram oficialmente causa ignorada.
O que
elevaria as perdas decorrentes deste fator de 30 para possivelmente 63
naufrágios, correspondente não menos que 62% dos naufrágios no período,
equivalente a pouco mais de 32% dos navios que foram a pique em todo o século
XVI e XVII.
Porcentagem
que, alias, seria ampliada para 36% caso considerássemos as perdas causadas
pelo ataque de nativos ao longo do litoral como atos de pirataria, constituindo
este, em termos mais gerais, o principal motivo que, aliado a outros fatores,
teria causado afundamentos dentre as armadas da Índia.
Na
verdade, o fato de uma embarcação ou frota ser atacada por piratas em si,
isoladamente, dificilmente resultaria em naufrágio; contudo, estando às
embarcações tripuladas por homens a míngua de víveres, infestadas por doenças e
vivenciando um cotidiano à beira do limite[ix];
as condições de defesa se evaporavam.
A
crescente gama de problemas que foram se acumulando na rota inviabilizou a sua
recuperação, contribuindo concretamente para acentuar o declínio da primazia da
pimenta dentro do contexto do ciclo das especiarias e, portanto, acentuando a
viragem do eixo econômico e social lusitano do Índico para o Atlântico.
Assim,
embora os ataques de piratas tenham quase cessado depois da restauração da
monarquia portuguesa em 1640; outros fatores continuaram a existir e se
agravaram, de modo que, até o final do século XVII, com exceção de 3
naufrágios, todas as 13 perdas que ocorreram não deixaram sobreviventes, sendo
a causa principal destes naufrágios oficialmente desconhecida, porém, com
grande probabilidade de serem os desastres tributários da somatória de fatores
há pouco mencionada.
Apesar
de tomado isoladamente, o ataque de piratas terem sido a causa da maior parte dos
naufrágios ocorridos na Carreira da Índia, em termos globais, podemos estimar
que a somatória de fatores envolvendo a imperícia dos pilotos associada à má
construção e a superlotação foi responsável por 93 perdas.
A
somatória de fatores envolvendo estas mesmas causas, mais o ataque de piratas
ou nativos teria sido responsável por 75 naufrágios, ao passo que o
desconhecimento do território associado à adversidade do tempo teria causado 37
afundamentos.
Além
disto, qualquer que fosse o grupo de fatores associados, a inanição e as
doenças a bordo contribuíram para agravar o quadro, somando-se aos problemas já
enfrentados, ao mesmo tempo em que, em alguns períodos específicos, a ausência
de mão de obra qualificada entre os tripulantes também contribuiu para agravar
o dito quadro de perdas[x].
Assim,
apesar desta estimativa não passar de uma hipótese, levantada a partir dos
dados disponíveis e presentes na documentação, podemos supor que, em termos
globais, 46% dos naufrágios teriam sido tributários da imperícia dos pilotos
associada à má construção das embarcações e a superlotação, 36% das perdas
teriam sido causadas pelos mesmos fatores associados ao ataque de piratas ou
nativos e 18% dos afundamentos teriam sido motivados pelo desconhecimento do
território associado à adversidade do tempo.
Destarte,
a complexidade envolvendo a associação de fatores que causaram 205 naufrágios
na Carreira da Índia durante o século XVI e XVII, para além de uma mera
quantificação destas perdas, exige uma análise de cada um destes fatores em
separado. Em suma, é necessário um estudo qualitativo para tentar explicar
grande o declínio da rota da Índia a luz dos naufrágios.
Não
obstante, antes de adentrarmos a temática, faz-se necessário tentar recompor a
localização dos naufrágios, uma vez que isto será essencial à compreensão de
fatores a serem discutidos mais adiante.
A localização dos naufrágios.
Embora
um grande número de embarcações perdidas tenha sua localização não
identificada, aprofundando os dados obtidos com a documentação primária,
envolvendo as Caixas da Índia, pertencente ao acervo do Arquivo Histórico
Ultramarino de Lisboa; pudemos rastrear a posição geográfica de 135 naufrágios.
Dentro
deste contexto: 25 ocorreram próximos a Europa; 15 em regiões próximas à costa
Ocidental da África; 55 na região da costa Oriental da África; 10 nos arredores
do cabo da Boa Esperança; 24 na costa da Índia e 5 na costa do Brasil.
Portanto,
não obstante 35% da localização dos naufrágios sejam ignoradas, dentre as
embarcações perdidas cujo local do desastre conhecido: 41% das perdas ocorreram
na costa Oriental da África, 18% na costa da Índia, também 18% próximo a
Europa, 11% na costa Ocidental do continente africano, 7% no cabo da Boa
Esperança e 5% na costa do Brasil.
Considerando
igualmente apenas as perdas cuja localização é conhecida, 34% dos naufrágios
ocorreram no Atlântico e 66% no Índico.
A
primeira vista os números fornecem fortes indícios de que, em termos gerais, o
Atlântico mostrou-se mais seguro que o Índico no século XVI e XVII. Não
obstante, os dados concretos permitem supor que a longa distância englobando os
dois oceanos - Atlântico e Índico -, mais os fatores associados descritos há
pouco, tornaram a margem de risco maior na Carreira da Índia.
O que
se contrapõem a uma margem de risco menor na rota do Brasil, isto dado,
justamente, a menor duração e distância do trajeto, apesar de realmente o
Atlântico apresentar, ao menos no percurso entre Lisboa e Salvador e/ou Rio de
Janeiro, condições mais tranqüilas de navegabilidade.
A
localização dos naufrágios esteve intimamente ligada aos fatores que, somados,
causaram a perdição de 205 embarcações na rota da Índia entre 1500 e 1700. O
ataque de piratas, por exemplo, esteve restrito a determinadas áreas, enquanto
as naus afundadas em meio à superlotação, a imperícia dos pilotos e a má
construção circunscreveram-se principalmente ao cabo da Boa Esperança, ao
litoral da Índia e a costa Oriental da África.
-Tabela 1 - Localização dos navios naufragados na rota da
Índia entre 1500 e 1700:
Período
|
Ñão Identificado
|
Próximo a Europa
|
Costa Ocidental da África
|
Costa Oriental da África
|
1500-1509
|
10
|
00
|
05
|
02
|
1510-1519
|
04
|
00
|
01
|
04
|
1520-1529
|
04
|
01
|
01
|
08
|
1530-1539
|
03
|
00
|
01
|
01
|
1540-1549
|
00
|
01
|
00
|
02
|
1550-1559
|
02
|
03
|
01
|
06
|
1560-1569
|
02
|
01
|
00
|
02
|
1570-1579
|
02
|
00
|
00
|
02
|
1580-1589
|
02
|
01
|
01
|
02
|
1590-1599
|
10
|
05
|
00
|
03
|
1600-1609
|
10
|
05
|
04
|
06
|
1610-1619
|
00
|
03
|
00
|
03
|
1620-1629
|
05
|
05
|
00
|
09
|
1630-1639
|
00
|
00
|
01
|
02
|
1640-1649
|
04
|
00
|
00
|
03
|
1650-1659
|
03
|
00
|
00
|
00
|
1660-1669
|
02
|
00
|
00
|
00
|
1670-1679
|
02
|
00
|
00
|
00
|
1680-1689
|
03
|
00
|
00
|
00
|
1690-1700
|
03
|
00
|
00
|
00
|
Total
|
71
|
25
|
15
|
55
|
Fonte: “Navios da Carreira da
Índia” e “Governadores da Índia”. Op. Cit./Documentos pertencentes ao acervo do
Arquivo Histórico Ultramarino: Papéis Avulsos da Índia, Caixa 1, 2, 3, 3A,
4, 4A, 5, 5A, 6, 7, 8, 8A, 9, 9A,
10, 10A, 11, 11A, 12, 13, 13A, 14, 14A,
15, 16, 16A, 17, 17A, 18, 18A, 19, 19A,
20, 20A, 21, 21A, 22, 22A, 23, 24, 24A,
25, 25A, 26, 26A, 27, 27A, 28, 28A,
29, 29A, 30, 30A, 31, 31A, 32, 32A,
33, 33A, 34, 34A, 35, 35A, 36, 37, 38, 38A,
39, 40, 41, 42.
-Tabela 2 - Localização dos navios naufragados na rota da
Índia entre 1500 e 1700:
Período
|
Cabo da Boa Esperança
|
Costa da Índia
|
Costa do Brasil
|
1500-1509
|
00
|
02
|
00
|
1510-1519
|
00
|
00
|
00
|
1520-1529
|
01
|
00
|
00
|
1530-1539
|
01
|
00
|
00
|
1540-1549
|
01
|
01
|
01
|
1550-1559
|
00
|
01
|
00
|
1560-1569
|
00
|
01
|
00
|
1570-1579
|
00
|
00
|
01
|
1580-1589
|
00
|
03
|
00
|
1590-1599
|
03
|
02
|
01
|
1600-1609
|
00
|
05
|
01
|
1610-1619
|
00
|
06
|
00
|
1620-1629
|
02
|
01
|
01
|
1630-1639
|
01
|
01
|
00
|
1640-1649
|
01
|
01
|
00
|
1650-1659
|
00
|
00
|
00
|
1660-1669
|
00
|
00
|
00
|
1670-1679
|
00
|
00
|
00
|
1680-1689
|
00
|
00
|
00
|
1690-1700
|
00
|
00
|
00
|
Total
|
10
|
24
|
05
|
Fonte: “Navios da Carreira da
Índia” e “Governadores da Índia”. Op. Cit./Documentos pertencentes ao acervo do
Arquivo Histórico Ultramarino: Papéis Avulsos da Índia Caixa 1, 2, 3, 3A,
4, 4A, 5, 5A, 6, 7, 8, 8A, 9, 9A,
10, 10A, 11, 11A, 12, 13, 13A, 14, 14A,
15, 16, 16A, 17, 17A, 18, 18A, 19, 19A,
20, 20A, 21, 21A, 22, 22A, 23, 24, 24A,
25, 25A, 26, 26A, 27, 27A, 28, 28A,
29, 29A, 30, 30A, 31, 31A, 32, 32A,
33, 33A, 34, 34A, 35, 35A, 36, 37, 38, 38A,
39, 40, 41, 42.
Na
mesma medida em que grupos associados de fatores estimularam naufrágios
circunscritos a determinadas áreas, a incidência de perdas em cada zona esteve
vinculada a certos períodos, e estes, por sua vez, aos citados fatores
agrupados.
Uma análise
calcada em zonas amplas, a cada década, permite notar que, no período inicial
da Carreira da Índia, entre 1500 e 1519, quando o desconhecimento da
profundidade das águas teve grande peso nas perdas ocorridas por esta altura, à
incidência de naufrágios em local ignorado foi grande. Ao mesmo tempo, foram
observados também afundamentos na costa Ocidental e Oriental da África e na
Índia, ao passo que não foi registrada uma única perda próxima da Europa, onde
o mapeamento era mais completo.
A
partir de 1520 até a data da União Ibérica, quando a somatória de fatores
envolvendo a má construção, a superlotação e a imperícia dos pilotos foram a
principal causa dos naufrágios; o número de perdas em local ignorado,
comparativamente, foi menor a cada década.
Neste período,
as perdas começaram a ser registradas próximas da Europa e da costa do Brasil,
tornando também mais freqüente à incidência de naufrágios na costa da Índia,
embora o número de desastres navais tenha continuado grande na costa Ocidental
e Oriental da África.
Durante
a União Ibérica, o assédio inglês e holandês elevou os naufrágios em locais
ignorados e próximos da Europa ou da Índia, isto porque muitos ataques não
deixavam sobreviventes.
Enquanto
os ingleses procuraram concentrar seus ataques no Atlântico norte, os
holandeses se voltaram para o Índico.
Depois
da restauração da monarquia portuguesa, até o final do século XVII, a despeito
da quase a totalidade das perdas oficialmente desconhecidas, os naufrágios
foram com freqüência localizados no Índico, isto graças a uma estimativa da
última escala efetuada pela nau perdida, demonstrando que, apesar do assédio
dos inimigos de Portugal ter cessado, persistiram e se agravaram fatores como a
má construção, a superlotação e a imperícia dos pilotos.
Todavia,
fosse qual fosse o local do naufrágio ou sua causa principal, a adversidade do
tempo, em qualquer período, forneceu forte contribuição a um grande número de
desastres, dificultando o transito das naus da Índia entre o Oriente e a
Europa.
A adversidade do tempo.
Embora
cada naufrágio tenha sido causado por uma somatória de fatores, a adversidade
do tempo, responsável por calmarias e tempestades, forneceu forte contributo a
um grande número de perdas, agravando a tensão a bordo das naus da Índia.
No caso
de uma tempestade, por exemplo, eclodiam conflitos entre os marinheiros mais
experientes e os nobres que nada entendiam da arte náutica a servirem como
pilotos e/ou capitães; já diante de uma calmaria, retardada a marcha do navio,
os víveres começavam a escassear, gerando fome e várias mortes por inanição.
Apesar
de apenas 14, dentre os 205 naufrágios ocorridos entre 1500 e 1700, terem sido
atribuídos diretamente ao mau tempo pelos sobreviventes, podemos supor que um
número superior de perdas foram influenciadas por tempestades.
Até
porque, mesmo navegando superlotadas e dirigidas por pilotos incapazes, às
embarcações dificilmente iam ao fundo quando o tempo estava em boas condições.
Isto é
claro a não ser que a nau fosse parar em um baixo por falta de um mapeamento
adequado de certa zona ou cruzasse com piratas.
Prova
disto é que existem relatos dando conta que naus mal aparelhadas foram
conduzidas, em segurança, por grumetes entendedores da arte náutica na ausência
de oficiais vivos ou saudáveis a bordo.
Além
disto, a circunscrição dos naufrágios atribuídos ao mau tempo em certas décadas
vêm de encontro a esta suposição, uma vez que, ao contrário de causas tal como
o ataque de piratas, os fenômenos da natureza não estiveram restritos a
períodos definidos por questões políticas e/ou econômicas, estando obviamente fora
da previsão e controle humano.
Todavia,
certas áreas tinham e ainda tem uma maior propensão às tempestades ou calmarias,
no caso, principalmente na ida para a Índia, no Atlântico norte, até que a
volta pelo largo fosse iniciada, “[encontrar] (...) ventos contrários”[xi]
era corriqueiro, ao passo que, em meio à operação, calmarias eram também
freqüentes.
Apanhada
por uma destas calmarias, em 1555, a nau Conceição, por exemplo, esteve
“quarenta e três dias [sem andar] cousa alguma”[xii].
Em
situações extremas como esta, que em certa medida atrapalharam também a vida
dos mareantes na rota do Brasil, duas alternativas mostravam-se mais viáveis:
arribar a Lisboa, Madeira ou Açores; ou invernar na Terra de Santa Cruz.
Em
1559, por exemplo, a nau Santa Maria da Barca, depois de enfrentar “setenta
dias” de clamaria que esgotaram boa parte das reservas de víveres a bordo, foi
“invernar no Brasil” antes de ir à Índia, aportando na “Baía de Todos os
Santos”, onde “Dom Duarte da Costa, que aí estava por governador, (...)
[recebeu com honras] os muitos fidalgos (...) que iam na nau, a quem agasalhou,
banqueteou, e deu pousada à sua vontade, [fazendo] o mesmo a toda a mais gente
da nau a quem deu mantimentos enquanto ali [estiveram]”[xiii],
reparando a nau e abastecendo seus porões com víveres em abundância para o
prosseguimento da viagem.
Entretanto,
além de, em determinados períodos, a passagem das naus da Índia ter sido
proibida por decreto, nem sempre, mesmo em emergências, as embarcações da
Carreira da Índia eram bem recebidas nos portos brasileiros. Isto a não ser é
claro que homens de posição, que pudessem pagar pela estadia, estivessem
presentes a bordo, como foi o caso da nau Santa Maria da Barca.
A
passagem de naus da Índia por portos brasileiros, quando notadamente quase
sempre Salvador era preferencialmente escolhida como escala, dado o gigantismo
das embarcações, exauria os recursos do Estado e dos particulares, que quase
sempre nada recebiam em troca da gentileza.
Comprova
a afirmação a enorme quantidade de cartas emitidas por autoridades e
particulares no Brasil, endereçadas ao Rei, queixando-se de terem socorrido
embarcações sob promessa de um reembolso que nunca foi efetivado.
Em
certa ocasião o próprio Governador do Brasil, ousadamente, afirmou que se
recusaria a reparar e abastecer as naus da Índia necessitadas antes de receber
a remuneração pelo serviço, mantendo os braços cruzados até que a Coroa
enviasse “à Bahia [o] material para o apresto das embarcações”[xiv].
Devido
às múltiplas queixas, diante da situação calamitosa da Carreira da Índia, a
Coroa ao mesmo tempo passou a recomendar que os navios só fossem à Terra de
Santa Cruz em situação de emergência justificada, tornando a antes gentileza
uma obrigação em 1624, promulgando no Regimento
dos Armazéns[xv].
Segundo
consta no dito regimento, o provedor do estaleiro onde estivesse sendo reparada
a nau deveria garantir que fosse dada prioridade, quanto ao uso do material e
mão de obra disponível na ocasião, ao reparo da mesma, devendo acompanhar o
serviço para garantir que fosse bem feito e executado o mais rápido possível[xvi].
Embora
estivesse na gênese desta medida o medo que os tripulantes viessem a desertar
antes da nau partir ou que ela perdesse a monção correta, o que motivo o
regimento a determinar ainda que fosse dada prioridade ao abastecimento de
víveres às naus da Índia em detrimento das embarcações da rota do Brasil[xvii].
Não
obstante, em um momento em que a Carreira da Índia estava em contínuo declínio e
a rota do Brasil em ascensão, as queixas dos súditos da Coroa, principalmente
presentes em Salvador, se tornaram mais freqüentes.
Em
1667, por exemplo, o Governador do Brasil, Alexandre de Sousa Freire, enviou
uma carta ao monarca português dando conta que o “concerto das naus da Índia”
deixava em “apêrto (...) [tanto os particulares como o] estado”, perguntando de
onde “[deveria] sair semelhante despeza”[xviii],
pois não havia verba que bastasse para cobrir os gastos.
Após
anos de reclamações e má vontade no lidar com as embarcações da Carreira da
Índia que fizeram escala nos portos brasileiros, diante da insignificância que
os produtos importados do Oriente assumiram frente às mercadorias transportadas
pela Carreira do Brasil, em 1674, a Coroa acrescentou uma emenda ao Regimento dos Armazéns obrigando as naus
da Índia que invernassem no Brasil “a dar fiança de dez mil cruzados”[xix]
como garantia que iriam saldar a divida contraída por conta de víveres ou
reparos.
Tudo
indica que as dívidas continuaram a não ser saldadas, mostrando-se a fiança, na
maioria dos casos, insuficiente se quer para cobrir os custos, uma vez que as
queixas continuaram, como comprovado pelo pedido do Governador do Brasil, D.
João de Lencastre, de “sobressalentes para acudir as naus da India que
[chegassem] à Bahia”[xx].
Na
ocasião, ele justificava que a mão de obra e a matéria prima disponível estava
comprometida com o reparo e a equipagem das embarcações da rota do Brasil, não
podendo o estaleiro de Salvador desviar qualquer recurso para dar prioridade às
armadas da Índia.
Exatamente
pelas queixas múltiplas que gerava ir invernar no Brasil, isto a partir da
segunda metade do século XVI, quando o açúcar produzido em Pernambuco instalou
praticamente uma Carreira mantida por particulares entre Lisboa e a Terra de
Santa Cruz, além é claro do descaso com que muitos navios eram tratados em
alguns portos do Brasil, muitos capitães de naus da Carreira da Índia, diante
de calmarias na saída de Lisboa ou do Oriente, optavam por fazer o caminho
inverso, arribar.
Dentre
os 1135 navios que, de 1497 até 1700, fizeram o percurso entre o Reino e o
Oriente, 81 optaram por arribar a Lisboa, grande parte dos quais recuaram
diante de calmarias que impossibilitaram o inicio da volta pelo largo em uma
monção adequada para cruzar o cabo da Boa Esperança.
Estes
capitães preferiram adiar a viagem para o próximo ano ao invés de ir invernar
no Brasil até que o regime de ventos se fizesse adequado, pois, além das
deserções, temia-se uma acolhida nada calorosa nos portos brasileiros.
Muitas
outras embarcações, embora não possamos precisar exatamente quantas, pela mesma
razão optaram por arribar à Madeira ou aos Açores, locais mais rápido e
facilmente alcançáveis e onde os negócios eram feitos com maior lisura.
No
Brasil, exatamente porque equipar as naus da Índia significava exaurir os
recursos disponíveis, a escassez de oferta gerava um aumento nos preços,
propiciando aos poderosos superfaturar víveres e matéria prima, embora muitos
não chegassem a receber nada no final das contas.
Esta
conjetura é comprovada pela devassa que mandou fazer o “provedor da fazenda[,]
João do Couto de Andrade[,] sôbre os descaminhos que [existiram no reparo de
uma] nau da India [em] São Pedro da Ribeira”[xxi],
na Bahia, em 1683.
Além
disto, diante do calote da Coroa ou dos armadores responsáveis por parte da
equipagem do navio, em casos extremos os particulares que tinham títulos em
mãos não saldados chegavam a incentivar saques da carga das naus da Índia
estacionadas em estaleiros brasileiros.
O ato
era legalizado por autoridades lusitanas presentes no Brasil, em geral também
portadoras de títulos não saldados, através de pretextos que justificariam a
tomada da carga, tal como o fato da nau estar tão avariada que não poderia ser
reparada, fazendo-se necessário descarregá-la a fim de evitar a perda das
mercadorias.
Sendo
de origem Oriental ou vindos do Reino, os produtos saqueados das naus da Índia tinham
um alto valor no Brasil.
Uma vez
descarregada a nau, o cabedal era tomado em pagamento de dividas contraídas,
como ocorreu, por exemplo, em 1663, com uma naveta da Índia[xxii]
e, em 1699, com embarcações mais robustas[xxiii].
Em
outros casos, não havendo cabedal a ser tomado, principalmente depois que a
rota do Brasil adquiriu uma importância econômica e social maior, embora já
estivessem os estaleiros brasileiros obrigados a dar prioridade à equipagem das
naus da Índia, pretextos eram inventados para deixar o reparo e fornecimento de
víveres destas embarcações em segundo plano.
Em
1649, por exemplo, uma nau “da India [que tinha] arribado à Bahia” estava
estacionada “há três anos”[xxiv]
em Salvador sem que fosse reparada ou abastecida.
Este
descaso gerava constantemente desentendimentos entre os oficiais mais graduados
das naus da Índia e autoridades lusitanas na Terra de Santa Cruz, contudo, os
últimos quase sempre acabavam ganhando a contenta, uma vez que, tendo
concentrado em suas mãos o poder sobre os meios disponíveis, manipulavam as informações
que chegavam ao Reino.
Foi o
que aconteceu quando um conflito instalou-se entre o “vice-rei da India,
Antônio de Melo e Castro”, cuja embarcação havia sido obrigada a arribar em
Salvador, e “administradores da Companhia do Comércio [do Brasil]” em 1687,
quando os últimos simplesmente evitaram que o rei de Portugal ficasse sabendo o que estava
ocorrendo, através da recusa do fornecimento ao vice-rei da Índia de uma
“embarcação para trazer (...) aviso ao reino”[xxv]
do que estava se passando na Bahia.
No
entanto, as clamarias não deixam muitas opções em aberto, pois, para além de
arribar ou ir ao Brasil, prosseguir a viagem rumo à Índia caracterizava um
grande erro pelo qual tripulantes e passageiros pagavam um alto preço.
Em
1553, por exemplo, a adversidade do tempo tornou os víveres a bordo da nau São
Bento escassos, ao passo que “tomando conselho [o capitão] sobre o que [deveria
fazer]”, foi sugerido que “arribasse”, o qual, temendo “perder a viagem de
todo” e “ser a monção passada”[xxvi],
insistiu na continuidade da viagem, causando grande mortandade a bordo, quando
inclusive o “piloto faleceu”[xxvii],
vindo depois à nau a naufragar pela altura do cabo da Boa Esperança.
Destarte,
se na ida, diante de uma calmaria, arribar ou ir invernar no Brasil era a opção
mais sensata, sendo nesta ocasião a dita calmaria uma constante, na volta para
Portugal era freqüente topar com grandes tempestades no Índico ou no Atlântico
sul, principalmente nas zonas com maior incidência de mau tempo: o cabo da Boa
Esperança e a chamada Terra do Natal.
No dito
cabo, na melhor das expectativas, eram sempre encontrados fortes “ventos
contrários” que forçavam as embarcações à “[arriar] todas as velas” para evitar
perder os mastros, ao mesmo tempo em que “as ondas do mar (...) desabavam (...)
como se fossem montanhas”, obrigando os navios a deixarem-se “correr para trás
com vento o menos possível”, visando evitar “a violência do mar”[xxviii]
que podia, caso contrário, despedaçar qualquer nau, sendo que, diante da
superlotação e mau estado de conservação, os navios lusitanos mostravam-se
ainda mais propícios a ir a pique.
Em tais
condições, muitas naus da Índia naufragaram no cabo da Boa Esperança, sendo
sempre avistado em seu litoral “pedaços [destas naus] (...) devorados pelo mar,
com gente e tudo [e] (...) muitas caixas, barris, escotilhas, pedaços de mastro
e [restos] de pessoas mortas, atadas a tábuas, e outros sinais pavorosos
semelhantes”[xxix].
Passar
o cabo era, por este motivo, sempre muito comemorado, estando a cargo da
competência do piloto adotar estratagemas que amenizassem os riscos, na nau em
que esteve embarcado o holandês Jan Huygen van Linschoten, por exemplo, “por
não haver perigo de corsários, [optou-se por conservar] toda a artilharia no
fundo do navio”, conferindo maior estabilidade a embarcação “para assim passar
melhor as tormentas do cabo da Boa Esperança”[xxx].
Passado
o cabo, pela altura de “28 graus e dois terços”, a cerca de “mais de 400 léguas
da costa [africana] pelo mar aberto”, passavam as naus da Índia pela Terra do
Natal, que era “muitas vezes mais [temida] (...) do que o próprio cabo”, pois
ali dificilmente deixava-se de encontrar “muitas tempestades e trovoadas, (...)
sendo [lá] muitos navios destruídos e devorados”[xxxi].
Quando
uma embarcação não sofria avarias no cabo da Boa Esperança, sempre acabava
avariada na Terra do Natal, algumas vezes podia ser reparada em alto mar pelos
carpinteiros e calafates embarcados, mas em outras ocasiões era necessário
aportar, sendo dada prioridade à busca de abrigo em Santa Helena.
No
entanto, nem sempre a ilha podia ser encontrada, simultaneamente, avarias de
maior gravidade exigiam reparos em estaleiros devidamente equipados, obrigando
as naus a buscarem auxilio invariavelmente no Brasil.
Dentro
deste contexto, assim como na ida deixar de arribar ou invernar constituía um
grave erro, na volta furtar-se de fazer escala em Santa Helena ou buscar reparo
no Brasil, principalmente depois de uma tempestade, aumentava muito o risco de
naufrágio.
Por
este motivo, sendo amplamente conhecidos os problemas envolvendo a escala em
Salvador, muitos capitães optavam por não só tentar encontrar Santa Helena como
também, em qualquer caso, ir ao Brasil, buscando inclusive arranjar algum
pretexto, mesmo não possuindo avaria alguma na nau que comandavam, para aportar
na Bahia a fim de negociarem produtos Orientais no mercado negro, se apropriando
dos lucros.
Assim
procedeu “o capitão Antônio Cabral”, comandante do “galeão São João”, em 1649,
sob pretexto de ter sofrido “grande tempestade no cabo da Boa Esperança”[xxxii],
a despeito de aparentemente a embarcação ter sofrido na ocasião avarias que
poderiam ter sido facilmente reparadas em alto mar.
Pretextos
à parte, tempestades podiam ser enfrentadas em qualquer época do ano ou zona,
causando grandes transtornos a bordo, exigindo “mui grande trabalho (...) e
[propiciando] nenhum repouso”[xxxiii]
aos tripulantes.
O
mínimo que uma tempestade provocava era “[corromper] os corpos”, causando
enfermidades do estômago e agravando o quadro de doenças a bordo; em 1560, por
exemplo, na nau São Paulo, “depois [das] chuvas (...) e tormentas, (...) de
quinhentas e tantas pessoas (...) que na nau iam, não ficaram senão quinze
(...) que não [passaram] esta fúria de enfermidades”, deixando o balanço da
embarcação, durante a tempestade, inclusive “os homens do mar, cursados e
antiquíssimos”[xxxiv],
em estado tão lastimável que impediu o navegar constante da embarcação, sendo o
mal combatido com “sangrias”[xxxv]
que não fizeram mais que agravar os problemas a bordo.
Enfrentar
uma tempestade podia trazer conseqüências mais graves.
Em
1552, o galeão Grande São João, sofrendo já com a podridão da madeira, que
deveria ter sido substituída caso houvesse uma manutenção adequada da
embarcação, e com “grande peso”[xxxvi],
“perdeu (...) o leme” em meio a uma tormenta.
Na
ocasião “o vento (...) [era tão] bravo [que] lhe levou o papa-figo da vela grande”,
deixando o navio “sem vela”, completando o quadro de sua perdição “três grandes
mares, que do balanço que a nau deu[,] lhe arrebentaram os aparelhos e
costeiros de bombordo”[xxxvii],
levando o galeão ao fundo em decorrência destas avarias, depois alguns percalços.
Já no
caso da nau São Alberto, em 1593, foram os próprios tripulantes que se
encarregaram de “cortar (...) os mastros” em uma tentativa de conter a marcha
do navio durante uma tempestade que fazia “ondas (...) com grande fúria
[rebentar] na nau”, tormenta esta que arrastou muitos homens ao mar “com pernas
e braços quebrados”[xxxviii].
Em
outras ocasiões, quando as tempestades não causavam avarias no aparelho ou no
casco da nau, podiam, como no caso das calmarias, esgotar os víveres a bordo, a
nau Chagas, por exemplo, navegando de volta ao Reino superlotada, perdeu quase
todos os mantimentos que trazia quando enfrentou uma “grande tormenta” pela
altura do “cabo de Boa Esperança”, pois trazia os víveres alojados “por cima”
do tombadilho, uma vez que os porões estavam totalmente ocupados com pimenta,
caindo os mantimentos ao mar em meio a “muita água [que penetrava] pelo
cisbordo”, o que foi responsável pela “míngua”[xxxix]
que depois se fez presente.
Visando
contornar problemas como este, as embarcações da Carreira da Índia partiam
geralmente em grupos, procedimento adotado para evitar o ataque de piratas e
facilitar o socorro mútuo.
Mas,
diante de uma tempestade, os navios da armada eram obrigados a se separar,
pois, caso contrário, quando se mantinham próximos, literalmente, acabavam
sendo danificados por trombar um com o outro.
O
aconteceu com a nau comandada por “Pedro Afonso de Aguiar” que, “com uma
tormenta, recebeu algum dano, por abalroar com a nau de Afonso Lopes da Costa”[xl].
Assim,
enfrentando mal tempo, adotava-se a manobra evasiva de afastamento, o que
isolava e entregava cada navio a sua própria sorte, momento no qual,
justamente, costumavam ocorrer desastres que não deixavam sobreviventes ou
testemunhas.
De
qualquer modo, mesmo quando não causavam dano algum, as tempestades contribuíam
para o desgaste natural da embarcação que, na ausência de uma política de
manutenção preventiva, pouco a pouco se tornava menos resistente aos embates do
mar.
Além
disto, via de regra, muitas vidas eram perdidas em meio às tempestades,
diversos tripulantes eram arrastados pela força do mar, como foi o caso do
fidalgo D. Estevão Álvares, capitão da nau “S. Salvador”, que, em 1583, “vindo
para o Reino no cabo da Boa Esperança lhe levou um mar a varanda com um seu
sobrinho”[xli].
A
adversidade do tempo podia ainda, em casos mais raros, trazer problemas de
ordem mais complexa que tempestades ou calmarias.
Em
1554, por exemplo, a nau São Bento, padecendo já de outras dificuldades, foi
atingida “pela banda do estibordo” por “uma onda (...)[,] que de muito longe
vinha levantada por cima das outras em demasiada altura”[xlii][,]
decorrente de um maremoto, não naufragando por puro milagre.
Não
obstante aos desastres e mortes cuja causa principal foi atribuída pelos
sobreviventes às intempéries da natureza, dificilmente a adversidade do tempo
em si era capaz de levar isoladamente a pique um navio.
Para
que uma embarcação do porte das naus da Índia naufragasse era necessário que
outros fatores se aglutinassem.
O contrabando e a superlotação.
Muitas
vezes os pilotos tinham o exercício de seu ofício literalmente dificultado pelo
cabedal excessivamente embarcado, pois “o mestre e os oficiais não [tinham]
qualquer palavra a dizer” quanto à lotação máxima comportada “a não ser à
última hora, quando o navio [fazia] à vela” e nada mais restava a fazer,
ficando as embarcações “[repletas de mercadorias] por todos os lados, até a
coberta superior ou convés, onde ficavam normalmente sete ou oito caixas, umas
em cima das outras, da proa até à popa”[xliii].
Nestas
circunstancias, “o castelo de proa, o tombadilho (...) onde o piloto [tinha] a
sua cadeira, [ficava] repleto (...) [com] grandes jarras, barris, caixas e
galinheiros, (...) [constituindo um verdadeiro] labirinto”[xliv]
a envolver o piloto e a impedir sua visão e o correto exercício de sua função a
bordo.
Na
verdade, conforme os portugueses foram fincando os pés no Oriente, crescendo a
oferta de especiarias e outros produtos a serem embarcados para o Reino, na
mesma medida em que os estaleiros não conseguiram dar conta da crescente
demanda por novas embarcações, optou-se por aumentar o porte das naus,
superlotando-as.
O
crescimento da tonelagem transportada fez-se sentir já na terceira década depois
da abertura da rota da Índia. Enquanto em 1505 a nau Leitoa Velha, por exemplo,
trouxe “2.053 quintais”[xlv]
de especiarias, “em 1526 (...) uma só das naus chegadas a Lisboa [transportou]
6.924 quintais”, um aumento de mais de 300%.
O
crescimento do cabedal transportado não parou por aí, pois, em 1547, as naus
passaram a carregar em média entre “7.392 quintais e (...) 8.910”, sendo o
transporte de carga aumentado em 1551 para pelo menos “12.000 quintais”[xlvi].
Assim,
levando em conta que cada quintal correspondia a 58,328 Kg, a média
transportada por nau, em 1505, teria sido equivalente a 119 toneladas (segundo
a acepção atual da palavra), sendo que, em 1526, teria esta média sido elevada
a 403 toneladas, passando a 519 toneladas em 1547 e 700 toneladas em 1551, um
aumento total de quase 600% em pouco menos de meio século.
Conforme
o crescimento forçado do porte das naus foi aumentando, o navegar das
embarcações foi se tornando mais mal compassado, devido ao gigantismo das naus,
forçando a Coroa a expedir uma ordem, datada em 22 de setembro de 1623, para
que os mestres da Ribeira das Naus emitissem um parecer sobre a conveniência do
tamanho dos navios.
Segundo
este parecer, assinado em 29 de setembro de 1623, “Balthazar Gonçalvez, Pedro
Medela e Bartholomeu Alvares, carpinteiros, e Antonio Dias, mestre de
calafetes[,] e Antonio Luis[,] calafate, foram do mesmo voto do mestre acima
dito, e Gaspar Alvares patrão mór foi do mesmo voto com declaração que se
[havia] de ter particular cuidado de não sobrecarregarem as ditas naus porque
nas medidas referidas não [eram] capazes de muita carga e d’este mesmo voto foi
Pedro Fernandes mestre da carreira da India”[xlvii].
Desta
forma, apesar do crescimento do porte das naus da Índia ter garantido uma maior
capacidade de transporte, tornou a tolerância ao excesso de carga quase nulo.
Embora
oficialmente, até o inicio do século XVII, o porte das embarcações tenha
permanecido adequado à quantidade de especiarias transportadas, freqüentemente
os tripulantes contrabandeavam produtos de alto valor na Europa, com a
conivência das autoridades locais e do Reino, embarcando uma tonelagem muito
superior à capacidade comportada.
Oficialmente,
segundo uma lei promulgada em 1516, além dos soldos pagos pela Coroa, cada
tripulante tinha o direito de transportar uma certa quantidade de produtos
conforme o cargo ocupado como parte de seu pagamento, cada “grumete” podia
carregar “2” quintais de especiarias, enquanto os “marinheiros” e “soldados”
tinham direito ao transporte de “3 quintais” e os “oficiais” de “4” quintais,
isto a despeito de, para além deste direito, o capitão, o mestre, o piloto, os
secretários e os artilheiros poderem ainda transportar “uma caixa (...) [em
sua] câmara ou camarote segundo a [sua] categoria (...) e [disporem] de parte
da câmera comum”[xlviii].
Os
capitães tinham direito a um transporte adicional de “180 quintais”, os pilotos
podiam levar “80” quintais, os mestres e os demais oficiais “um pouco menos” e
os artilheiros “2 quintais e 2 onças”[xlix].
Além disto, os oficiais eram os únicos que tinham o direito de “levar consigo
até a Índia o dinheiro das quintaladas a que tinham direito”[l],
livre de imposto, sendo raramente respeitada esta limitação, possuindo também
um espaço reservado no “porão (...) de 20 pipas”[li]
cada um para fazer transportar o que bem entendessem.
Sendo
notoriamente conhecido o volume de contrabando importado da Índia por
tripulantes, a Coroa procurou combater a fuga do fisco através da proibição dos
“empréstimos a risco aos marinheiros ou gentes da tripulação sobre suas
soldadas, proibindo, também, os empréstimos a risco que tivesse por objeto, ou
só o frete a vender, ou só lucro esperado de fazendas”[lii].
Entretanto,
o contrabando beneficiava um número tão grande de funcionários dos escalões
mais elevados, que todas as medidas neste sentido nunca foram observadas ou
cumpridas.
Ao
contrário do que pretendia a Coroa, podemos supor que a tonelagem de
especiarias contrabandeadas tendeu somente a aumentar, superlotando as já
pesadamente carregadas naus da Índia, criando uma situação insustentável, onde
“a maior parte das naus [largava] de Cochim” ou de Goa “sobrecarregadas e mal
providas de víveres, além de levarem pouca ordem e disciplina entre a
tripulação” e, “apenas por milagre divino[,] uma delas [conseguia] chegar a
Portugal sã e salva”[liii].
Graças à
ganância de alguns mercadores e dos tripulantes, mesmo quando a Coroa evitava
sobrecarregar as naus, dificilmente uma embarcação deixava de sair da Índia com
excesso de cabedal, tal como ocorreu com o galeão Grande São João. Partindo em
1552 do Oriente, com apenas onze mil quintais, tendo capacidade para “levar
doze mil”, isto por “haver pouca pimenta onde carregou”, mas que “nem por isso
deixou de ir muito carregado de outras mercadorias”[liv],
a maior parte contrabando, naufragando justamente “pelo grande peso da nau”
associado à embarcação ser “tão velha”[lv]
que era só uma questão de tempo para ir ao fundo em meio a uma tempestade.
A
ganância de alguns foi tamanha que mesmo em momentos de desespero não pôde ser
deixada de lado. Quando a nau Santa Maria da Barca estava prestes a ir a pique,
em 1559, em um momento em que os esforços de todos eram requeridos para evitar
o desastre, “havia homens, que em vez de ajudarem, se punham a fazer
requerimentos ao capitão, e ao mestre, que não bulissem com a [sua] fazenda”, a
qual tripulantes mais sensatos tencionavam “alijar (...) ao mar”[lvi]
para aliviar o peso, em uma tentativa de evitar o naufrágio, sendo registrado
até mesmo ameaças de morte ao guardião que coordenou os esforços.
Em uma
tentativa infrutífera de tentar ao menos amenizar a superlotação, a Coroa
passou a obrigar “ao mestre e aos outros oficiais [a jurarem] que a nau
[estava] suficientemente forte e capaz para efetuar a longa viagem” antes de
partir, sendo “lavrado um auto, que [era] assinado pelos oficiais da nau”, mas
“na altura devida eles [calavam-se], mesmo se a nau [tivesse] mil falhas e
defeitos, para não perderem os seus cargos e os proveitos respectivos, mesmo se
[soubessem] muito bem que a nau não [estava] em condições de fazer a viagem,
porque a cobiça [enganava] a sabedoria e [menosprezava] os perigos”, vindo a se
arrepender “apenas quando [estavam] a meio do caminho”, quando então tudo que
restava era fazer “grandes promessas de se emendarem”[lvii]
caso escapassem do destino pelo qual haviam sido eles próprios em grande parte
responsáveis.
Apesar
do juramento e do auto lavrado, não existe registro de uma única punição a
qualquer oficial que tenha afirmado que a nau que tripulava não estava com
excesso de carga, na realidade só existem registros de punições a oficiais da
Carreira da Índia envolvidos com atos considerados como traição, tal como a não
resistência durante ataque inimigo.
Nenhuma
medida adotada pela Coroa pôde impedir que as naus da Índia deixassem de partir
com “o convés empachado com pipas e caixas”[lviii].
Qualquer embarcação partia da Índia “toda coberta de mercadorias, e tão
carregada que os ovéns [ficavam] debaixo de água, estando a coberta superior ou
convés sempre cheia de caixas, sete ou oito umas em cima das outras, que não
[tinham] lugar em baixo, por lá [ficar] tudo estivado de tal maneira que não
[havia] um cantinho onde pegar para que não [estivesse] cheio”, dificultando o
“governar [da] nau”[lix].
Enquanto
o cabedal dos tripulantes ou de mercadores ocupava as cobertas superiores
destinadas ao transporte de víveres e passageiros, a “carga de pimenta (...),
tanto da parte de el-rei como parte dos rendeiros, (...) [era] armazenada por
baixo das duas cobertas inferiores”[lx],
de modo que “não [havia] espaço que não [fosse] preenchido (...) [em] próprio
proveito”[lxi].
Algumas
naus chegavam a ficar de tal modo superlotadas que passavam a navegar com muita
dificuldade e só não iam ao fundo por pura sorte, a nau São Francisco, por
exemplo, em 1596, época na qual o excesso de carga havia se tornado absurdo,
“saiu (...) tão carregada de uma banda, e tão pouco da outra, que juntando esta
com outras desordens, se foi fazendo cada dia tão boiante de uma, que [chegou]
a tempo em que o costado, com pouco encarecimento, [serviu] de quilha, e a
quilha de costado”[lxii],
tamanha a inclinação da embarcação.
Este
excesso de carga não só contribuiu para engrossar o índice de perdas como
também foi responsável por dificultar o cotidiano dos embarcados, restringindo
ainda mais o espaço disponível a bordo.
A
enorme quantidade de caixas no convés causava constantemente acidentes que, em
alguns casos, chegaram a tirar a vida de alguns passageiros ou tripulantes.
Em
1554, por exemplo, uma onda que quase virou a nau São Bento “deitou ao mar
muitas caixas” e estas por sua vez carregaram “juntamente o carpinteiro (...) e
outras pessoas”, ferindo-se muitas outras pessoas “com os caixões que correram
à banda ao contramestre e calafates”[lxiii].
A
contribuição do contrabando e, portanto, da superlotação, aos naufrágios na
Carreira da Índia se tornou tão grande durante a União Ibérica que passou a
interferir também na defesa das naus quando atacadas por piratas, forçando a
Coroa a encomendar uma análise de seu peso na perdição dos navios assediados
por inimigos ao Almirante português João Pereira Corte Real.
O
almirante recomendou, em “1o. de Janeiro de 1622”, que o rei não
concedesse mais aos tripulantes “os favores nem as liberdades das caixas nem
outro algum lograr para carregar”, sendo que, ao seu ver, o único modo de
combater o excesso de carga era acirrar o controle sobre tudo e todos que
fossem embarcados, “assim á ida como á vinda”, e tornar o Estado o “absoluto
senhor de toda a carga da nau e de todo lograr que [houvesse] de carregar”, não
devendo ser concedido privilégio algum nem mesmo ao “capitão”[lxiv].
Não
obstante a recomendação, nenhuma medida foi adotada no sentido de restringir o
cabedal.
Além
disto, mesmo se a superlotação tivesse de algum modo sido sanada, pouco efeito
teria exercido sobre o índice de perdas, uma vez que a raiz do problema era
mais profunda, pois a falta de uma manutenção coerente das embarcações e de uma
renovação periódica da frota contribuiu em grande medida em quase todos os
naufrágios observados depois de 1520.
O desgaste das embarcações.
Assim
como os estaleiros não conseguiram dar conta de atender a crescente demanda por
novos navios, a falta de profissionais qualificados e de algumas matérias
primas, além é claro da sempre precária situação financeira da Coroa, impediu
que as naus da Índia fossem periodicamente reparadas e substituídas quando
necessário por novas embarcações, resultando em inúmeros naufrágios.
No
inicio as embarcações da Carreira da Índia, construídas em Portugal, usavam,
sobretudo, madeira de sobro nas partes que ficavam em contato mais freqüente
com a água, pois esta qualidade de árvore fornecia a matéria prima mais resistente
ao inevitável apodrecimento.
Não
obstante, ao longo do século XVI, este tipo de madeira começou a tornar-se
rara, passando a ser utilizado com mais intensidade o carvalho e o pinheiro,
árvores antes usadas em partes das naus que não tinham contato direto com a
água do mar, ao passo que mesmo esta qualidade de madeira começou também a
escassear, obrigando os mestres carpinteiros a fazerem uso de árvores ainda
verdes e muitas vezes cortadas fora da época e lua mais indicada.
Na
Índia, os estaleiros passaram a usar a teca, qualidade de madeira até certo
ponto mais resistente que a madeira européia, mas que estava igualmente sujeita
ao apodrecimento quando em contato com a água salgada, resultando na construção
de embarcações com vida útil mais curta.
Além
disto, tanto em Portugal como na Índia, a falta de profissionais qualificados
foi responsável por muitos navios mal construídos ou impermeabilizados, ao
passo que a falta de matéria e mão de obra serviu de pretexto a um
superfaturamento absurdo coordenado por altos funcionários da própria Coroa em
proveito pessoal, encarecendo o custo da construção de novas embarcações e o
reparo das já existentes.
A nau
São Tomé, por exemplo, naufragou “na terra dos fumos no ano de 1589”[lxv],
nascendo os problemas enfrentados por ela “do calafeto, por cuja causa se
perderam muitas naus”, e do excesso de “fazendas” que “se [meteram na] nau”[lxvi],
de modo que logo no inicio da viagem, “indo demandar a Ilha de Diogo Rodrigues,
que [estava] a vinte graus do Sul”, deu-lhe “o vento sueste tão rijo, que logo
alevantou os mares de feição que indo correndo a nau à vontade do vento, com o
trapear que fez, abriu por proa pela botecadura, por onde fora a estopa do
calafeto, [começando] a fazer alguma água, ao que logo acudiram e remediaram
muito bem”[lxvii]
os carpinteiros embarcados, não obstante, mais tarde, por ter sido má
construída, “acudindo os oficiais”, foi encontrada mais “água, que era muito
grossa”[lxviii],
ao que, após muito lutarem todos a bordo contra a água por meio das bombas,
terminou a embarcação por “encalhar”[lxix].
Exatamente
devido a este fatores, enquanto as naus construídas no inicio do século XVI
tinham capacidade para durar décadas, aquelas confeccionadas posteriormente
duravam cada vez menos.
A nau
Conceição, por exemplo, que entrou em serviço em 1503, durou 24 anos, somente
sendo aposentada quando naufragou em 1527, justamente por nunca ter sido
reparada ou substituída.
A nau
Conceição serviu sob o comando de Duarte Pacheco Pereira, o famoso, que a
utilizou durante alguns anos no combate ao Samorim, do qual saiu vitorioso,
sendo com ela responsável pela construção da fortaleza de Cochim[lxx]
e pelo assentamento de uma feitoria em Coulão[lxxi].
Após
anos de serviço no Oriente, quando voltou ao Reino, foi integrada a armada de
1512, passando a ser comandada por Gonçalo Pereira de Miranda[lxxii],
permanecendo mais alguns anos servindo no Oriente, fazendo, depois, parte da
armada de 1520[lxxiii]
e de 1521[lxxiv].
A
Conceição permaneceu então novamente por algum tempo no Oriente e foi integrada
a armada de 1527, quando então já muito desgastada pelo tempo perdeu-se “na
ilha de São Lourenço com toda gente”[lxxv].
Já a
nau Graça, que entrou em operação em 1533[lxxvi],
durou apenas 9 anos, naufragando em 1544, em meio a causas desconhecidas, em
Moçambique, e a nau São Felipe durou ainda menos, 4 anos, tendo sido lançada ao
mar em 1596[lxxvii]
e ido a pique ao sair de Lisboa em 1600[lxxviii].
No
século XVII, tornou-se freqüente o registro de naufrágios no mesmo ano em que a
embarcação havia acabado de sair do estaleiro, como no caso do galeão São João
Evangelista, que foi ao fundo em 1608[lxxix],
isto antes mesmo de conseguir chegar à Índia.
Tornou-se
igualmente corriqueiro o registro de navios que foram ao fundo sem terem
qualquer causa externa aparente, quando então se encontravam ancorados em
locais considerados seguros sob bom tempo, como ocorreu com a urca Nossa
Senhora do Pópulo que, construída em Goa, perdeu-se junto a sua barra em 1519,
sendo possível na ocasião, dado as condições favoráveis do tempo e sua
proximidade da terra, salvar toda gente e mercadoria que ia embarcada[lxxx].
Na
verdade, o ideal seria que houvesse uma renovação contínua da frota, isto
conforme as condições em que cada navio havia sido construído e o desgaste
sofrido pelo mesmo, mas isto não aconteceu.
A falta
de recursos da Coroa, somada a fuga dos investidores e a própria falta de
matéria prima e mão de obra nos estaleiros do Reino e do Oriente, não deixou
outra alternativa ao Estado senão utilizar os navios disponíveis até que literalmente
acabassem no oceano.
Não
importava o quanto estivessem desgastados pela ação do tempo e do mar, os
navios eram usados até o seu fim, sendo raras vezes reparados e quando muito
equipados com uma nova tripulação e um novo capitão antes de serem reutilizados
e integrados a uma nova armada.
A
estratégia até teria obtido um bom efeito se tivesse sido respeitado à vida
útil das embarcações ou se elas tivessem sido reparadas com maior freqüência,
mas nunca foi observada qualquer medida preventiva neste sentido, a Coroa
deixou a manutenção das naus a cargo dos armadores que participavam da
equipagem dos navios.
Estes,
por sua vez, tendo direito a uma participação nos lucros gerados pelo navio que
haviam ajudado a equipar apenas durante um número limitado de viagens, não
efetuavam reparos a não ser que os danos fossem significativos.
Vencido
o contrato, findava-se qualquer direito à participação nos lucros e, igualmente,
a obrigação de ajudar a equipar a nau, ficando a sua manutenção totalmente entregue
a Coroa.
O
Estado, endividado, captava novos empréstimos a risco sob pretexto de servirem
ao reparo e equipagem dos navios, usando este capital para financiar a
manutenção do pesado aparelho estatal e para a compra de produtos Orientais na
fonte, deixando a necessária manutenção dos navios ao relento.
Dentro
deste contexto, a contribuição do desgaste das embarcações, assim como a falta
de uma renovação coerente da frota, fez-se sentir enormemente devido ao
gigantismo e descompasso das naus cada vez mais superlotadas e dirigidas por
pilotos incapazes e inexperientes.
Tornaram-se
constantes as queixas sobre o estado das naus da Índia e os naufrágios
atribuídos principalmente à podridão da madeira, mas nada foi feito para sanar
este mal.
Em
1642, por exemplo, Carlos Roque da Silveira escreveu ao rei alertando para
estado de podridão das naus da Índia que iriam dentro de alguns meses partir
para o Oriente, aconselhando D. João IV a providenciar a verba necessária para
o reparo[lxxxi].
A Coroa
não deu a menor importância ao alerta e nem sequer se deu ao trabalho de
responder ao remetente, até porque a sua atenção estava então totalmente
voltada para a nascente Carreira do Brasil.
A Coroa
portuguesa só foi dar atenção ao problema no século XVIII, isto depois de ter
entregado a exploração da Carreira da Índia a iniciativa privada, quando
procurou incentivar uma renovação constante da frota mercante, tentando forçar
“os negociantes a adquirirem bons navios”, principalmente, através da cobrança
de uma taxa de “20%” sobre a compra dos “barcos (...) a venda no porto de
Lisboa” com “mais de cinco anos”, cobrando apenas “10%” de taxa sobre a compra
de embarcações que tivessem “de um a cinco anos”[lxxxii].
Destarte,
em se tratando do século XVI e XVII, quando uma embarcação se encontrava
desgastada, não havia bom piloto que a pudesse salvar, sendo apenas uma questão
de tempo para que fosse a pique.
Neste
tipo de situação, somente a sorte podia intervir em favor dos navegantes, tal
como foi o caso vivido pela nau Patifa, em 1559, “em que ia o Governador
Francisco Barreto”, que, enfrentando “muitos ventos contrários” e “grandes
balanços”, devido “a velhice e podridão da nau”, começou a fazer “água”,
obrigando os tripulantes a “[acudirem] as bombas” para “lançar fora a água que
entrava nela por muitas partes que estavam abertas”[lxxxiii].
Em meio
ao desespero do momento, o governador “Francisco Barreto” terminou optando por
ordenar ao capitão que arribasse a Moçambique, isto graças a um “conselho” do
piloto que, “como pessoa principal”, havia afirmado:
“Que
ele havia cinqüenta anos que andava no mar, e tinha passado aquela carreira
muitas vezes, onde se vira em muitos perigos, mas que nunca se vira em algum
tamanho, como aquele, em que então se via, pelo estado em que a nau estava de
podre, e a muita água que por estar aberta fazia”[lxxxiv].
Não
obstante, após o conserto da nau em Moçambique, ela partiu novamente, passando
a fazer água poucos dias depois, ao que, por nova ordem do governador, a
embarcação tentou obter socorro junto à nau Águia e a nau Garça, que com ela
seguiam, ao que acabou forçada a socorrer a nau Águia, que se encontrava em
situação ainda pior que a Patifa, recolhendo seus tripulantes e arribando de
novo a Moçambique, onde ficou estacionada para ser consertada, tendo alcançado
terra firme por pura sorte, pois não enfrentou nenhuma tempestade, o que teria
literalmente desmanchado a nau.
No
entanto, nem sempre a sorte era generosa, a Patifa ficou “em Moçambique
invernando, da segunda arribada[,] (...) por vir [tão] destroçada” que reparos
mais aprofundados eram necessários em um estaleiro melhor equipado, partindo de
volta à Índia em busca de “[conserto em] Goa”, sendo lá reparada a medida do
possível e devidamente abastecida, “[fazendo] a vela aos onze de Agosto”, sendo
o seu estado tão precário que no “dia seguinte começou a fazer água”, ao passo
que, em 1560, tentando arribar novamente, “varou em terra (...) e se desfez”[lxxxv]
de tão velha.
Na
realidade, quando o dano comprometia a flutuação do navio, ele era remendado
precariamente, quando muito, adiando o desastre que se anunciava.
Quase
todos os tripulantes embarcados, como no caso da superlotação, tinham
consciência e conhecimento deste fato, mas ninguém tomava qualquer atitude, o
desejo pelo lucro falava mais alto.
Em
1593, os oficiais da nau São Alberto descobriram “danos [causados por ser]
(...) a nau velha” pouco antes de rumarem para o Reino, mesmo assim, sabendo
dos riscos que corriam, “dissimularam (...) e [enfeitaram] o dano de maneira
(...) que [parecesse] bem consertado”, pois não queriam perder a monção e ter
de adiar a partida para o próximo ano, no entanto, o fato de ter sido usada
“madeira [cortada] fora do seu tempo e sazão”, estando à dita madeira “podre”[lxxxvi]
e o navio sobrecarregado, fez com que o dano não tardasse em levar o navio a
pique.
Quando
não era o estado da madeira que causava a perdição, por sua idade avançada, o
navio começava a apresentar sinais da necessidade de uma nova
impermeabilização. Carregado excessivamente com pimenta, por menos água que se
infiltrasse pelo casco, a dilatação das especiarias forçava a madeira de dentro
para fora, muitas vezes fazendo o navio literalmente rachar ao meio.
Foi o
que aconteceu com a nau São Bento, em 1554, quando “o peso da água que
[penetrou] na nau, pelas partes que o mar arrebentava, veio de romaria a carga
arrombando os paióis da pimenta”[lxxxvii],
sendo a embarcação “logo partida pelo meio”[lxxxviii].
Embora
fosse conhecido de todos que “[carregavam] ou [sobrecarregavam] na Índia as
naus, com tanta cobiça, que [parecia] que não [esperavam] chegar [ao] (...)
Reino, senão em fazendo vela irem-se a pique ao fundo”[lxxxix],
sendo “as naus (...) feitas de madeira verde”[xc],
até o advento da União Ibérica, inúmeros voluntários estavam empenhados em
embarcar com destino ao Oriente em uma tentativa infrutífera de fazer fortuna.
Entretanto,
a dita união da Coroa portuguesa a espanhola se encarregaria de agregar mais um
perigo a rondar as naus da Índia, o assédio de piratas, espantando
definitivamente os investidores e a mão de obra livre em benefício da nascente
Carreira do Brasil.
A pirataria e a desarticulação do Império
da pimenta.
A morte
prematura de D. Sebastião, praticamente o último herdeiro direto da dinastia de
Avis, terminou conduzindo Portugal para o inevitável julgo espanhol sob a égide
de D. Felipe II, unindo a Coroa lusitana a castelhana e atraindo a ira dos
inimigos da Espanha também em direção ao pequeno reino português, que então já
enfrentava uma série de dificuldades que foram agravadas pelo assédio pirata
financiado pela Inglaterra e Holanda.
Todavia,
mesmo antes da União Ibérica, a cobiça anglo-holandesa já estava voltada para o
Índico, há anos espiões transitavam incógnitos, ironicamente, nas embarcações
portuguesas da Carreira da Índia, recolhendo informações sobre a rotina das
armadas que anualmente iam para o Oriente.
O
estilo de vida cosmopolita, suscitado pelo cotidiano marítimo, fazia com que
estrangeiros inseridos em meio a tripulantes ou passageiros passassem quase despercebidos.
Os espanhóis
estavam mais habituados às tentativas de espionagem e sabiam o quanto
prejudiciais podiam ser infiltrações estrangeiras em meio aos tripulantes, isto
porque eles próprios haviam se valido desta estratégia, sobretudo, no final
século XV, visando alcançar os lusos, então na dianteira quanto à exploração
marítima e o desenvolvimento técnico.
Por
influencia espanhola, a partir de 1580, o aparelho Estatal português começou
finalmente a prestar maior atenção à presença de estrangeiros em seus navios,
porém, carecendo de mão de obra nacional, mesmo assim não pôde dispensar o
potencial humano importado, tudo que fez foi apenas proibir a presença de
estrangeiros de nacionalidade suspeita em determinadas rotas e períodos,
leia-se ai homens pertencentes a nações inimigas da Espanha ou de Portugal,
nada que espiões treinados não pudessem burlar com certa facilidade.
Em
1583, por exemplo, “três (...) ingleses (...)[,] mandados pela Companhia
inglesa de Alepo para investigar se se poderia instalar qualquer feitoria em
Ormuz”, foram descobertos por funcionários portugueses e “metidos na prisão”
pelo “vice-rei”, ocorre que um “destes ingleses estivera em Ormuz
anteriormente, e tinha [já] levado boas informações [ao seu país] acerca de
tudo”, isto graças ao contato, não só, com os próprios portugueses, como
também, com nativos, principalmente, mediante suborno com “bagatelas
imagináveis (...)[,] tais como panos, açafrão, artefactos de vidro e pequenas
mercadorias, como espelhos, facas e coisas semelhantes”, nunca tendo antes
nenhum destes espiões levantado a menor “suspeita”[xci]
sobre seu intento.
Foi
justamente através destes espiões que ingleses e holandeses perceberam que os
portugueses só poderiam ser expulsos do Oriente mediante a desarticulação do
seu Império da pimenta.
Para
concretizar este objetivo seria, antes, necessário cortar a ligação marítima
entre Lisboa e Goa e, depois, obter o apoio dos nativos.
O
assédio de piratas ingleses, entre 1585 e 1622, oficialmente foi responsável pelo
naufrágio de 9 embarcações da Carreira da Índia, embora tenham sido travados 12
combates entre navios ingleses e portugueses neste mesmo período.
Em
geral, quando atacadas por navios ingleses, as embarcações portuguesas
terminavam sendo afundadas pelo inimigo após o saque da carga que
transportavam, no entanto três casos foram exceções à regra.
Em
1591, dirigindo-se do Reino para Malaca, quando então não se encontrava por
demais lotada, possuindo uma tripulação descansada e em condições de saúde
adequadas para dar combate aos inimigos, a nau “S. Luís”, comandada por Dom
Francisco Mascarenhas, “tomou uma nau inglesa”[xcii].
O
exemplo da nau São Luís foi seguido pelo “capitão-mor” da armada de 1593, “Dom
Luís Coutinho Canato[,] em S. Felipe”, que “a ida para o Reino pelejou com”
três naus inglesas “que poucos dias antes haviam queimado a nau Chagas, pondo
farol para que o seguissem”[xciii],
apesar não ter conseguido afundar nenhuma das embarcações inimigas.
No
entanto, devemos notar que, neste mesmo ano, embora a nau São Felipe tenha
escapado dos piratas ingleses, os navios inimigos terminaram por saquear e
levar ao fundo a nau “S. Pedro” que, “indo para o Reino[,] foi dar a costa do
Brasil”[xciv].
O
terceiro caso de confronto, de embarcações da Carreira da Índia com piratas
ingleses que não resultou em naufrágio, é extremamente curioso, pois, “tomado
de 6 naus inglesas junto à ilha de São Lourenço[,] sem bombarda de gente”, o
comandante da “nau S. Carlos”, o “capitão-mor” da armada de 1618, “D. Cristovão
de Noronha”, terminou optando por fazer um acordo com os piratas, pagando “de
concerto noventa e duas mil patacas de direito de gentes”[xcv]
para ter sua embarcação poupada pelo inimigo.
Temendo
os ingleses, D. Cristovão preferiu pagar pedágio a eles, chegando “a Goa a 18
de Novembro”[xcvi]
em segurança, “causa por que o vizo-rei mandou preso para o Reino o capião-mor
e lhe tirou a capitania”, afinal ele “não quis pelejar com as naus inglesas, e
se concertou com elas a dinheiro, e lhes deu muita soma que tomou dos cabedais
dos mercadores”, por isso “morreu preso no Castelo”[xcvii].
O
episódio, do pagamento de pedágio aos piratas ingleses pela nau São Carlos, não
pode deixar de causar estranheza, pois, em geral, quando atacadas por piratas,
as embarcações da Carreira da Índia procuravam sempre resistir, indo ao fundo
em meio ao combate.
Foi o
que aconteceu, por exemplo, com a “nau Chagas”, na “ilha do Faial”, quando ao
encontrar “três naus da Inglaterra”, com elas “pelejou valorosamente”, ao que
nada conseguiu impedir que “os ingleses com uma lança” lhe pusessem fogo,
matando “toda a gente”, salvando-se apenas “treze dos portugueses”[xcviii].
Quando
percebiam que não poderiam resistir por muito tempo, alguns capitães terminavam
optando por queimar a embarcação para que o inimigo não pudesse se apoderar da
carga, como, por exemplo, procedeu, em 1591, o capitão “António Teixeira de
Miranda[,] em Stª Cruz” que, “a ida para o Reino na ilha do Corvo”, acabou
optando por colocar “fogo” na sua embarcação “em razão dos ingleses”[xcix].
A morte
era sempre preferida ao invés de entregar a carga aos piratas, pois, caso a
embarcação caísse em mãos inimigas, o destino esperado pelos sobreviventes não
era muito melhor, ao passo que tentativas de entendimento pacifico com os
agressores resultavam sempre na punição exemplar dos responsáveis.
Seja
como for, com base nas informações obtidas por espiões, os ingleses procuraram
concentrar os ataques a Carreira da Índia quando as naus transitavam entre Goa
e Lisboa, ou seja, quando vinham à volta, uma vez que estavam então carregadas
com especiarias e outros produtos Orientais, como comprova o fato de 75% das
embarcações da Carreira da Índia terem sido atacadas quando voltavam do
Oriente, ao passo que apenas 3 embarcações foram atacadas na ida.
Além do
motivo óbvio que levou os ingleses a procederem assim, este modo de operar teve
também razões estratégicas, pois, enquanto na ida as embarcações lusitanas
contavam com homens descansados e farta munição, na volta vinham sempre
carregadas em excesso, com pouca munição e tripuladas por homens exaustos e
famintos, o que dificultava a defesa do navio e garantia o sucesso de qualquer
ato de agressão.
Destro
desta linha de pensamento é significativo saber que os piratas ingleses
operaram, sobretudo, nas águas do Atlântico norte, usando as possessões
inglesas no Caribe como base de apoio, isto quando não a própria Grã-Bretanha,
visando assim transitarem em navios conservados e bem equipados, cujos porões
estavam sempre vazios a fim de poderem ser ocupados com o desejado botim,
estando estas embarcações, portanto, leves, sendo por isto mesmo ágeis e
rápidas, além de serem tripuladas por homens descansados, bem alimentados,
dispostos e pesadamente armados.
Segundo
testemunhas portuguesas, por esta época as “naus (...) inglesas (...) eram
todas d´um porte de trezentas para quatrocentas toneladas, (...) estavam
guarnecidas de muita gente de guerra, e muita artelharia grossa de bronze, de
que cada nau tinha duas andainas, em que entravam canhões reforçados de bater,
e de muitas armas, e petrechos de guerra, e eram naus de sorte, que podia cada
uma só combater”[c]
duas ou mais embarcações portuguesas e sair vitoriosa e ilesa.
Mesmo
assim, em geral, os ingleses procuravam atacar as naus da Carreira da Índia em
meio a grupos formados entre 3 e 6 navios, garantindo assim uma superioridade
numérica sobre os portugueses.
O único
registro de combate travado em igualdade de forças é justamente o caso
anteriormente descrito em que uma embarcação portuguesa, comandada por Dom
Francisco Mascarenhas, em 1591, tomou uma nau inglesa.
A
situação se alterou parcialmente depois da suspensão dos ataques ingleses em
1594, por conta de uma trégua provisória que vigorou até 1613, quando então,
depois que espiões recolheram informações mais precisas quanto às fortalezas
lusitanas no Oriente, a penetração holandesa na área e a rivalidade
anglo-batava forçou uma mudança radical na estratégia inglesa.
A
despeito do último ato de agressão dos ingleses a Carreira da Índia ter sido
registrado em 1623, a garantia de paz só foi definitivamente alcançada depois
que a linha legítima de sucessão ao trono português foi restaurada, em 1640,
por D. João IV. A paz com os ingleses foi ratificada em 29 de janeiro de 1642,
através da assinatura do tratado de paz e comércio entre Portugal e Inglaterra
e da entrega de Bombaim aos ingleses, um pouco mais tarde, pelo vice-rei da
Índia, António de Melo de Castro[ci].
A paz
em definitivo com Portugal viria a ser extremamente benéfica aos ingleses,
pois, na segunda metade do século XVII, os interesses da Inglaterra iriam
entrar em conflito direto com os interesses comerciais da Holanda, o que, pouco
depois, iria dar inicio as guerras anglo-holandesas de 1652-1654 e de 1664-1667,
cujo estopim foi à promulgação, por Cromwell dos Atos de Navegação em 1651.
Entretanto,
os transtornos causados pelos ingleses à navegação da Carreira da Índia não
foram nada comparados com o mal advindo do assédio dos piratas batavos.
A União
Ibérica, somada a guerra travada pelos holandeses por sua independência da
Espanha, criou uma excelente oportunidade para o inicio das hostilidades
luso-batavas.
Foi
justamente visando aproveitar esta situação que, em 1596, foi criada na Holanda
a Vereinigte Oost Indische Compagnie
(a Companhia das Índias Orientais) e, pouco depois, em 1621, a Companhia das
Índias Ocidentais, as duas corporações de corsários que iriam dominar a
economia holandesa a partir de então.
Na
prática o assédio holandês sobre a Carreira da Índia demorou um pouco mais para
ser concretamente iniciado, isto porque, embora os batavos possuíssem já
informações valiosas, procuraram antes atualizá-las por meio de seus espiões e
preparar uma frota frente a qual os navios portugueses não pudessem resistir.
Para
tal precisaram formar uma mão de obra qualificada e estabelecer estaleiros que
dessem conta deste intento, assim como recrutar homens de mar e de guerra, o
que explica a demora de quase 20 anos antes de serem iniciados ataques às naus
da Índia.
O
primeiro ataque de piratas holandeses a Carreira da Índia foi registrado em
1599, embora tenha fracassado, ao passo que somente em 1600 as primeiras naus lusitanas
da Índia começaram a ser afundadas pelos batavos, quando duas embarcações
portuguesas foram a pique, tendo sido uma delas atacada “em Sesimbra” e a outra
no Oriente, quando então se dirigia de “Chaul para Goa”[cii].
No total,
os ataques dos holandeses foram responsáveis oficialmente pelo naufrágio de 21
embarcações lusitanas, o que corresponde a 65,62% das embarcações perdidas em
meio ao ataque de piratas, mas, como no caso do assédio inglês, indícios
apontam para o fato de que uma ampla margem do número de embarcações perdidas
devido a causas desconhecidas terem na verdade afundado durante o ataque de
piratas holandeses.
Todavia,
apesar de terem sido oficialmente perdidas 21 embarcações portuguesas durante
ataques de piratas holandeses, em linhas gerais foram travados 26 combates
entre navios da Carreira da Índia e embarcações batavas, sendo que, em quatro
combates circunscritos aos anos 1605, 1609 e 1612, igualmente quatro navios
holandeses foram afundados por naus portuguesas da Índia.
A
exceção destes últimos casos, a desvantagem esteve sempre do lado português,
não existindo registro de navios holandeses afundados pelos lusos a partir de
1613.
Na
verdade, para além dos problemas internos enfrentados na Carreira da Índia, o
volume de navios enviados pela Holanda para o Índico a partir de então,
contraposto aos navios portugueses que transitaram entre Lisboa e Goa no mesmo
período, tornaram impossível qualquer tipo de reação eficaz por parte dos
lusos.
Enquanto
entre 1610 e 1700 os batavos enviaram 1730[ciii]
embarcações fortemente artilhadas para a Índia, os portugueses não despacharam
mais que 331 naus, ou seja, para cada navio português que esteve presente no
Índico mais de 5 navios holandeses estiveram em seu encalço, ao que em apenas
90 anos os holandeses conseguiram enviar um número 65% superior aos navios que
seriam despachados pelos lusos ao longo de dois séculos.
Neste
sentido é significativo notar que o número de naus da Carreira da Índia tendeu,
em cada década, a cair na mesma proporção em que a Companhia holandesa das
Índias Orientais manteve ou aumentou o número de embarcações enviadas à Índia.
Exatamente
por este motivo, a guerra contra a Holanda foi travada de forma desigual, as
embarcações portuguesas foram sempre atacadas por grupos numerosos de navios,
muitas batalhas foram travadas contra dez e até mesmo quatorze navios
holandeses para um único português.
De tão
numerosos os inimigos, algumas vezes as embarcações portuguesas foram ao fundo
não em meio ao fogo da artilharia holandesa, mas sim devido ao abalroamento com
os inimigos, como foi o caso, por exemplo, da nau comandada por “Manuel M.
Homem[,] em S. Nicolau”, que morreu junto com “Dom Fernando Mascarenhas e seu
irmão Dom Pedro (...) abalroados de quatro naus holandesas”[civ].
Não
bastasse a disparidade quantitativa, como ocorreu com relação aos ingleses, os
portugueses estiveram sempre em desvantagem qualitativa, ao inverso da
realidade vivida na Carreira da Índia, “as (...) naus [holandesas] (...)
[tinham no mínimo] trinta e duas peças de artelharia de bronze (...) de
sessenta quintais, que atiravam pelouros de vinte, e de vinte quatro libras de
ferro coado, (...) [sendo os] navios de guerra feitos para isso”, por isto
mesmo “providos de muitas invenções de armas, e polícias de guerra, e de tão
grão cópia de munições de respeito, que depois de três dias de batalha [com um]
galeão [português]”[cv],
enquanto este ficava exaurido, praticamente não era sentida falta da munição na
nau holandesa.
Cada
nau da Holanda era tripulada por “perto de cem homens, que faziam ofício de
soldados, marinheiros, e bombardeiros”, ou seja, que desempenhavam
multitarefas, o que era uma “grande vantagem”[cvi]
com relação aos navios da Carreira da Índia, algo que também fazia parte da
tradição marítima lusitana, mas que o gigantismo das naus não mais permitia.
Navegando
nestas condições, quando topavam com as podres naus lusitanas, os holandeses
chegavam muitas vezes, inclusive, a dispensar o uso dos canhões, quando não
abalroando os inimigos, como a pouco fizemos notar, optando por forçar um
combate corpo a corpo, “pelejando com seus mosquetes e arcabuzes”[cvii],
tomando a nau portuguesa, saqueando seu cabedal, que de tão volumoso era
dividido entre vários navios batavos, e ponto fogo a embarcação, pois o estado
destas naus era tão lastimável que nem ao menos valia a pena apreendê-las para
uso da Holanda, como era então praxe.
Ocasião
em que, algumas vezes, os tripulantes e passageiros portugueses eram poupados e
deixados em terra para morrer e, em outras, queimados vivos junto com seu navio
ou ainda, no caso de pessoas de posição de destaque, levados a Amsterdã para
serem libertados mediante pagamento de resgate.
Entretanto,
ao contrário dos ingleses, os holandeses não tinham preferência por atacar as
embarcações portuguesas na ida ou na volta.
Dentre
os 26 ataques conhecidos a Carreira da Índia: 16 foram feitos a embarcações que
voltavam do Oriente e 10 a navios para Lisboa.
Também
ao contrário dos ingleses, os holandeses procuraram atuar, sobretudo, nas águas
do Atlântico Sul e do Índico, sempre próximos a pontos estratégicos, prova
disto é que dos 26 ataques efetuados pelos holandeses as embarcações da
Carreira da Índia: 6 foram feitos nas proximidades de Malaca, 4 de Goa, 2 de
Ormuz, 4 de Moçambique, 4 próximos a Ilha de Santa Helena (no Atlântico Sul), 4
nas proximidades da costa Ocidental da África, 1 na costa do Brasil e apenas 1
próximo a Sesimbra (em Portugal).
Assim,
61,52% dos ataques holandeses foram realizados nas águas do Índico, próximos da
Índia, enquanto 34,62% ocorreram nas águas do Atlântico Sul e apenas 3,86%
próximos da Europa ou no Atlântico Norte.
O que demonstra
de forma clara que os ataques holandeses a Carreira da Índia visavam,
sobretudo, desarticular o comercio português com o Oriente.
Neste
sentido, o assédio holandês foi muito mais incomodo do que o inglês.
Para se
ter uma idéia da persistência do problema causado pelos ataques batavos em
oposição à pirataria inglesa, mesmo depois que os portugueses restauraram sua
independência em 1640, livrando-se do vinculo com a Espanha, o que bastou para
costurar um acordo de paz com a Inglaterra, os ataques holandeses não cessaram.
Em 1641
foi assinada em Haia uma trégua entre os dois países que foi, contudo,
ratificada somente um ano mais tarde, passando a vigorar na Ásia em novembro de
1644, porém, em se tratando da rota da Índia, este acordo nem sempre foi
respeitado, isto principalmente pelos holandeses, tendo a pseudopaz durado
apenas dez anos.
Nem
mesmo o Tratado de Münster, assinado em 1648, o mesmo que pôs fim à guerra dos
Oitenta Anos entre a Holanda e a Espanha, conseguiu acabar com as hostilidades
entre portugueses e holandeses.
Na
verdade, com a Índia, a África e parte do Brasil em jogo, pela altura da
eclosão da revolta pernambucana de 1645, as hostilidades luso-batavas voltaram
a se acirrar, o que conduziu ao fim da trégua entre os dois países em 1652.
A
partir de então, os portugueses procuraram se aliar definitivamente a
Inglaterra, selando o seu destino através do casamento do inglês Carlos II com
Catarina de Bragança em 1661, sacrificando Bombaim e Tânger, entregues aos
ingleses como parte do dote da nobre portuguesa.
Foi
somente com a proteção dos ingleses e de sua poderosa armada que os lusos
conseguiram estabelecer a paz com a Holanda em 1663, apesar dos termos da paz
só serem fixados seis anos mais tarde em Lisboa e em Haia”[cviii].
Concluindo.
O corso
e a pirataria inglesa e, sobretudo, holandesa terminou por cumprir seu
objetivo, fosse ele secundário ou não, desarticular o Império português da
pimenta.
Enfraquecido
o poder naval lusitano, na África Oriental os holandeses conseguiram fundar uma
colônia no cabo da Boa Esperança em 1652; na África Ocidental fixaram-se na
Costa do Ouro e em Mouri em 1612, conseguindo privar os portugueses da maior
parte do comércio de ouro africano, conquistando São Jorge da Mina em 1625,
deixando a Portugal, na África, somente o controle sobre Angola, Benguela, São
Tomé e Príncipe.
Simultaneamente,
os holandeses foram responsáveis em grande parte pela queda da Carreira da
Índia, abrindo caminho para que os próprios portugueses, gradualmente,
entregassem voluntariamente a Índia de bandeja aos ingleses.
Efetivamente
os pioneiros terminaram com quase nada, restando aos lusos o Brasil, sua
colônia mais prospera e de maior potencial, mas, verdade seja dita, não fosse o
assédio inglês e holandês, os problemas internos inerentes a Carreira da Índia,
tal como a superlotação, o desgaste das naus, a falta de uma manutenção
coerente, a má construção de novos navios por falta de matéria prima ou de mão
de obra adequada, ou ainda a imperícia dos pilotos, somada a uma administração
confusa e envolta em corrupção, entre outros problemas, teriam mais cedo ou
mais tarde feito os portugueses perderem seus domínios para Nações mais
organizadas.
Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS,
Fábio Pestana. Naufrágios e Obstáculos
enfrentados pelas armadas da Índia Portuguesa: 1497-1653. São Paulo:
Humanitas, 2000.
RAMOS,
Fábio Pestana. No tempo das especiarias:
o império da pimenta e do açúcar. São Paulo: Contexto, 2004.
RAMOS,
Fábio Pestana. O apogeu e declínio do
ciclo das especiarias: 1500-1700: uma análise comparativa das navegações
portuguesas da Carreira da Índia e da Carreira do Brasil. Volume 1: Em busca de
cristãos e especiarias. Santo André: FPR/PEAH, 2012.
RAMOS,
Fábio Pestana. Por mares nunca dantes
navegados: a aventura dos descobrimentos. São Paulo: Contexto, 2008.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela USP.
MBA em Gestão de Pessoas.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela
Universidade de São Paulo.
[i]
RAMOS, Fábio Pestana.
Naufrágios e
Obstáculos enfrentados pelas armadas da Índia Portuguesa: 1497-1653.
Apresentação da Prof.a. Dra. Laura de Mello e Sousa e Prefácio da Prof.a. Dra.
Mary Del Priore, São Paulo: Editora Humanitas/Departamento de
História-FFLCH/USP, 2000.
[ii] RAMOS,
Fábio Pestana.
No tempo das especiarias. São
Paulo: Contexto: 2004.
[iii]
BRITO, Bernardo Gomes de (compilação).
História
Trágico-Marítima (fac-símile da edição original de 1735/36)
. Lisboa: Afrodite, 1971 (2 volumes).
[iv]
Ver: Ramos, Fábio Pestana. História e Literatura: ficção e veracidade
. Domínios de Linguagem II: literatura em
perspectiva. São Paulo: Edição dos Autores, p.25-39, 2003.
[v]
Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa: Papéis Avulsos da Índia, Caixa: 1, 2, 3,
3
A, 4, 4
A, 5, 5
A, 6, 7, 8, 8
A, 9, 9
A,
10, 10
A, 11, 11
A, 12, 13, 13
A, 14, 14
A,
15, 16, 16
A, 17, 17
A, 18, 18
A, 19, 19
A,
20, 20
A, 21, 21
A, 22, 22
A, 23, 24, 24
A,
25, 25
A, 26, 26
A, 27, 27
A, 28, 28
A,
29, 29
A, 30, 30
A, 31, 31
A, 32, 32
A,
33, 33
A, 34, 34
A, 35, 35
A, 36, 37, 38, 38
A,
39, 40, 41, 42.
[vi] Ver:
RAMOS, Fábio Pestana. Os problemas enfrentados no cotidiano das navegações
portuguesas da Carreira da Índia: fator de abandono gradual da rota das
especiarias.
Revista de História. São
Paulo: FFLCH/USP, v.137, nº.2, p.75-94, 1997.
[vii] Ver:
RAMOS, Fábio Pestana. O Império Marítimo Lusitano e o movimento de embarcações
na rota do Brasil no século XVI e XVII.
Humanitas.
Campinas: PUC/ Campinas, v.9, n.1, p.13-29, 2006.
[viii] Ver:
RAMOS, Fábio Pestana. A superação de obstáculos puramente técnicos nas
navegações portuguesas da Carreira da Índia.
Pós-História. Assis: UNESP, v.7, p.135-156, 1999.
[ix] Ver:
RAMOS, Fábio Pestana.
Por mares nunca
dantes navegados. São Paulo: contexto, 2008.
[x]
Ver: RAMOS, Fábio Pestana.
A História
Trágico-Marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. História das Crianças no Brasil.São
Paulo: Contexto, p.19-54, 2007.
[xi] RANGEL,
Manoel. “Relação do naufragio da nao conceição de que era capitão Francisco
Nobre a qual se perdeo nos baixos de Pero dos Banhos aos 22 dias do mez de
agosto de 1555” In: BRITO.
Op. Cit.,
volume 1, p.140.
[xiii]
Anônimo. “Relação do naufragio da nao Santa Maria da Barca de que era capitão
D. Luis Fernandes de Vasconcellos a qual se perdeo vendo da India para Portugal
no anno de 1559” In: BRITO.
Op. Cit.,
volume 1, p.254.
[xiv]
AHU. (ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Lisboa). Documento catalogado por Luiza
Fonseca N.º 2255.
[xv]
APEB. (ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. Salvador). Fundo Leis, decretos e
cartas régias, Regimentos dos Armazéns da Bahia n.º 627, f.08.
[xviii] AHU.
Doc. cat. L. Fonseca N.º 2255.
[xix] APEB.
Fundo Leis, decretos e cartas régias, Regimentos dos Armazéns da Bahia n.º 627,
f.75.
[xx] AHU. Doc. cat. L. Fonseca N.º 3944.
[xxi] AHU. Doc. cat. L. Fonseca N.º 3157.
[xxii] AHU. Doc. cat. L. Fonseca N.º 1949.
[xxiii] AHU. Doc. cat. L. Fonseca N.º 3999.
[xxiv] AHU. Doc. cat. L. Fonseca N.º 1353.
[xxv] AHU. Doc. cat. L. Fonseca N.º 2250.
[xxvi]
PERESTRELLO, Manoel de Mesquita. “Relação sumaria da viagem que fez Fernão
alvares Cabral desde que partio deste Reyno por capitão mor da armada que foy
no anno de 1553 as partes da India athe que se perdeo no Cabo da Boa Esperança
no anno de 1554” In: BRITO.
Op. Cit., volume 1, p.38.
[xxviii] LINSCHOTEN, Jan Huygen van. Itinerário, viagem ou navegação de Jan
Huygen van Linschoten para as Índias Orientais ou portuguesas (1596). Edição
preparada por Aries Pos e Rui Manuel Loureiro, Lisboa: Comissão Nacional para
as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997, p.316.
[xxxii] AHU. Doc. cat. L. Fonseca N.º 1329.
[xxxiii]
DIAS, Henrique. “Relação da viagem, e naufragio da nao S. Paulo que foy para a
India no anno de 1560” In: BRITO.
Op.
Cit., volume1, p.309.
[xxxvi]
FERNANDES, Álvaro. “Relação da muy notavel perda do galeão grande S. João em
que se contão os grandes trabalhos, e lastimosas cousas que acontecèrão ao
capitão Manoel de Sousa Sepulveda, e o lamentavel fim, que elle, e sua mulher,
e filhos, e toda a mais gente houverão na Terra do Natal, onde se perderão a 24
de junho de 1552” In: BRITO.
Op. Cit.,
volume 1, p.06
[xxxviii]
LAVANHA, João Baptista. “Relação do naufragio da nao S. Alberto no penedo das
Fontes no anno de 1593” In: BRITO.
Op.
Cit., volume 2, p.564.
[xxxix]
AMARAL, Melchior Estacio. “Tratado das batalhas e successos do galeão Santiago
com os olandezes na Ilha de Santa Elena, e da nao Chagas com os inglezes entre
as Ilhas dos Açores: ambas capitanias da Carreira da India; e da causa, e
desastres, porque em vinte annos se perderão trinta e oito naos della” In:
BRITO.
Op. Cit., volume 2, p.793-794.
[xl] “Navios
da Carreira da Índia (1497-1653), códice anónimo da British Library”
In: ALBUQUERQUE, Luís de (org.).
Relações da Carreira da Índia. Lisboa:
Alfa, 1989, p.11.
[xliii]
LINSCHOTEN.
Op. Cit., p.311.
[xlvii]
“Parecer sobre o tamanho das naus, encomendado pela Coroa Portuguesa, datado em
29 de setembro de 1623” In: BARCELLOS, Christiano.
Construções de Naus em Lisboa e Goa para a Carreira da Índia no começo
do século XVII. Lisboa: Separata da Biblioteca Central da Marinha
portuguesa, 1898, p.47.
[li] LINSCHOTEN. Op. Cit., p.75.
[liv]
FERNANDES. Op. Cit., volume 1, p.05.
[lvi]
Anônimo. “Relação do naufragio da nao Santa Maria da Barca de que era capitão D.
Luis Fernandes de Vasconcelos. A qual se perdeo vindo da India para Portugal no
anno de 1559” In: BRITO.
Op. Cit.,
volume 1, p.257.
[lvii]
LINSCHOTEN.
Op. Cit., p.293.
[lviii]
CARDOZO. Op. Cit., volume 2, p.436.
[lix]
LINSCHOTEN.
Op. Cit., p.294.
[lxii]
AFFONSO, Padre Gaspar. “Relação da viagem e sucesso que teve a nao S. Francisco
em que hia por capitão Vasco da Fonseca, na armada, que foy para a India no
anno de 1596” In: BRITO.
Op. Cit.,
volume 2, p.640-641.
[lxiii]
PERESTRELLO. Op. Cit., volume 1, p.42.
[lxiv]
“Documento datado em 1
o. de Janeiro de 1622 pertencente ao acervo da
Biblioteca Nacional do Concelho Ultramarino, maço 347” In: BARCELLOS.
Op. Cit., p.19.
[lxv]
COUTO, Diogo do. “Relação do naufragio da nao S. Tomé na terra dos fumos, no ano
de 1589” In: BRITO.
Op. Cit., volume
2, p.509.
[lxx]
XAVIER, Padre Manuel. “Compêndio de todos os vizo-reis e governadores do Estado
da Índia” In:
ALBUQUERQUE.
Op. Cit., p.103.
[lxxi]
“Navios da Carreira da Índia” Op. Cit
.,
p.10.
[lxxxi] AHU. Doc. cat. L. Fonseca N.º 988.
[lxxxii]
PRAULT, Pierre “Description de la ville de Lisbonne (1730)” In: CHAVES, Castelo
Branco (tradução, prefácio, e notas).
O
Portugal de D. João V. visto por três forasteiros. Lisboa: Biblioteca
Nacional, 1989, p.43.
[lxxxiii]
BARRADAS. Op. Cit., volume 1, p.181.
[lxxxvi]
LAVANHA. Op. Cit
., volume 2, p.567.
[lxxxvii] PERESTRELLO. Op. Cit., volume 1, p.45.
[lxxxix]
AMARAL. Op. Cit
., volume 2, p.810.
[xci] LINSCHOTEN. Op. Cit., p.279.
[xcvii]
“Navios da Carreira da Índia”. Op. Cit
.,
p.69.
[c] AMARAL.
Op. Cit
., volume 2, p.796.
[ciii]
O numero de navios holandeses foi quantificado por J. Brugmans (em seu
The Dutch Seaborne Empire)
e obtido a partir de dados fornecidos
por LOPES, Antônio; FRUTUOSO, Eduardo & GUIONTE, Paulo. “O movimento da
Carreira da Índia nos séculos XVI-XVIII” In:
I Simpósio de História Marítima: as navegações portuguesas no Atlântico
e o descobrimento da América. Lisboa: Academia da Marinha, Dezembro de
1992, p.255.
[civ]
XAVIER. Op. Cit., p.146.
[cv] AMARAL.
Op. Cit., volume 2, p.743.
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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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