Para
entender a história... ISSN 2179-4111. Ano
3, Vol. mai., Série 07/05, 2012, p.01-06.
O presente artigo busca analisar o comportamento político da
população da cidade de Cachoeirinha/PE durante o golpe civil-militar de 1964,
através dos arquivos da Câmara Legislativa da cidade se pretende inferir um
estudo sobre os discursos proferidos acerca do plano político nacional.
Também recorremos á fontes orais, realizando entrevistas
para corroborar num entendimento do contexto social local.
A produção se dedicará à análise da postura do legislativo de
Cachoeirinha frete ao golpe de 1964, inferindo estudos sobre sua conduta no
conjunto nacional.
Desta forma, buscamos construir um discurso historiográfico que
venha contribuir na construção da história local.
O contexto político de Cachoeirinha por volta da década 1960
estava mergulhado numa cultura política da dádiva, onde o ser cidadão vivia num
sistema de dependência para o exercício da vida comum.
Desta forma, segundo Teresa Sales (1994) toda esta rede de
dependência limitava sua liberdade política, durante o pleito eleitoral tais
laços eram relembrados de forma a reforçar o sentido de reciprocidade.
Favores pessoais como barganha política não são destoantes da
realidade política brasileira, até mesmo na atualidade revestem a política de
forma a não permitir a cidadania plena, pois ela esta presa por laços.
Os primeiros passos da cidade seguem com uma elite na
liderança da política local, sendo neste cenário que a cidade assiste a
momentos de instabilidade política no âmbito nacional que vieram a culminar no
golpe de estado de 1964.
O levante dos quartéis:
o golpe de 1964.
O
golpe de 1964 aconteceu num momento de extensa crise no Brasil: financeira,
política, partidária e intensas mobilizações das classes populares, assim, muitos
atribuem a esse período à baderna e desordem, fatores que são usados pelas
forças armadas como motivo para agir (TOLEDO, 2004).
É
importante ressaltar que o governo João Goulart tem início em 1963 e é
caracterizado por assumir o presidencialismo e enfrentar os problemas do país,
mas aí estava à dúvida, será que resolveria?
[...] Pode-se dizer que o governo Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o espectro
do golpe de Estado. Goulart foi empossado em setembro de 1961, após a
fracassada tentativa golpista de Jânio Quadros. Com sua inesperada renúncia, JQ
visava, contudo, o fechamento do Congresso que lhe fazia oposição. (TOLEDO,
2004, p. 17-18)
A
partir de 1964 a modalidade de governo é baseada no controle ideologias,
visando assim ter o domínio da sociedade.
Este
período, como diz Edvaldo Souza Júnior, estava: “[...] Longe de constituir-se
em um período revolucionário, como era apregoado por aqueles que assumiam o poder,
essa etapa anunciava o encerramento de um ciclo democrático na história
política do Brasil.” (SOUZA JÚNIOR, 2006, p. 35, grifos do autor)
Existiam
no país dois lados, um voltado para o movimento capitalista que colocava a
classe operária como elemento participante do projeto, e o outro formado
por setores da esquerda que ao participar dos debates políticos ora criticava o
governo burguês, ora apoiava os projetos de infraestrutura.
Ainda
constatava-se o crescimento do partido liberal que defendia o controle da
inflação, abertura ao capital estrangeiro se contrapondo ao movimento
capitalista e nessa discussão cada um teve suas idéias e maneiras de se expressar.
A
guerra fria trouxe debates que acontecia em Cuba, nessa fase o governo João
Goulart tinha como principal característica a instabilidade política e tentava
conciliar as reivindicações dos setores reformistas com os interesses do
capital estrangeiro, mas havia pessoas que se opunham as suas iniciativas, por
isso em determinado período Goulart precisa fazer uma opção e a faz em favor
dos setores de base.
A
partir disso criou a campanha pelas reformas de base, o que causou a sua
deposição após a pressão de variadas camadas militares e civis do país.
Ocorrendo
no dia 31 de março de 1964 a marcha dos militares, em vários Estados, exigindo
a renúncia de Goulart que sem saída se retirou para o sul do país, acabando por
ser deposto.
Em
Pernambuco o governo de Miguel Arraes, eleito em 1962, se voltou para a cultura
popular e, também, muitas vezes buscou a diminuição das idéias imperialistas, o
que causou muitas divergências, haja vista, que Pernambuco desde os anos 50 era
um cenário de efervescência política com o advogado Francisco Julião que estava
à frente das chamadas ligas camponesas. Então, esse período foi marcado por
confrontos ideológicos. (SOUZA JUNIOR, 2006)
Arraes
no seu governo cria várias medidas para a população pobre ligada a atividade
agrícola, ao analfabetismo, entre outras. No seu governo havia clara defesa
pelas reformas de base.
[...] As intenções do governador Arraes eram vistas
com desconfiança por influentes setores da classe média e no plano externo,
pelo governo dos EUA. Desse modo em 01 de abril de 1964, junto com os
governadores que não aderiram ao movimento militar, Miguel Arraes foi deposto. (SOUZA
JUNIOR, p. 52)
O clima de insegurança a partir daí ocasionou numa marcha
que apoiava os militares, esse movimento fico conhecido como Marcha da Vitória,
ocorrendo no dia 02 de abril de 1962.
A
câmara municipal de vereadores de Cachoeirinha: a edificação de um discurso.
A primeira manifestação oficial do poder legislativo de
Cachoeirinha sobre o golpe é externada vinte e seis dias após o golpe. Em
registros lavrados em atas da Câmara Legislativa Municipal os vereadores
apresentam suas apreciações acerca do movimento revolucionário daquele ano.
A composição da Câmara era a mesma desde a emancipação
política de 1962.
Contudo estavam presentes os seguintes vereadores: José Pedro
Raymundo Sobrinho, presidente da Câmara, intermediário no comércio local de cereais;
José Lourenço Sobral, vice-presidente; Paulo Leite Martins, 1ª secretário; José
Gabriel da Silva, 2ª secretário; Manoel Antonio Sobral, farmacêutico local e
Romão Gomes dos Santos, administrador de fazendas.
Torna-se necessário evidenciar uma passagem importante que é expressa
no início da ata e que abriu a reunião do dia 26 de abril de 1964: “Foi lido
ainda em telegrama do Exmo. Ex. Secretário da Segurança, Sr. João Roma
fazendo recomendações e ponderações sôbre[sic] atos punitivos do Movimento
Revolucionário”
.
Percebe-se uma intimidação exercida pelas forças golpistas, o Regime,
prontamente, tratou de intimidar e sufocar qualquer movimento de oposição, alertando
sobre de punições cabíveis aos restauradores.
O que decorre a partir daí é um discurso de apoio irrestrito
ao golpe, observe a o discurso de Paulo Leite Martins sobre os acontecimentos
de 31 de março de 1964, sobre a deposição de João Goulart e Miguel Arraes:
[...] em boa hora
alijados do poder, salientou o orador a justeza e o acerto desse movimento, que
num golpe relâmpado[sic], salvou a nossa extremicida[sic] Pátria das garras
aduncas do regime Kruchev[sic], Mao-Tsé-Tung e Fidel Castro, que estava prestes
a se implantar em nosso Paiz[sic], solapando o alicerce das nossas
instituições, sufocando a religião, destruindo os laços da família e jogando o
povo nos tentáculos da ditadura bolchevista.
O que se observa é uma reprodução dos discursos oficiais que
apoiavam o golpe de 64, descrição parecida foi publica pelo jornal O Globo no
dia 02 de abril de 1964, que declara apoio à nova condição do Estado, a
manchete já anunciava “Ressurge a democracia”:
Salvos da comunização[sic]
que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos
militares, que os protegeram de seus inimigos. Devemos felicitar-nos porque as
Forças Armadas, fiéis ao dispositivo constitucional que as obriga a defender a
Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem, não
confundiram a sua relevante missão com a servil obediência ao Chefe de apenas
um daqueles poderes, o Executivo.
O golpe a rotulação de um contragolpe ao comunismo do que a um
golpe isolado. Decorreu uma massificação da ideológica contraria as teorias comunistas,
estas seriam corruptoras dos lares e das famílias, ou seja, a sociedade
brasileira estava alicerçada em bases tradicionais e religiosas, então uma
ruptura seria a destruição social.
O comunismo foi revestido como inimigo nacional e pretexto ao
golpe.
Segundo Edvaldo Souza Júnior
,
a intervenção militar foi percebida como a salvação nacional do comunismo,
resultando em apoio da Igreja, comerciantes, classe média, entre outros.
A bandeira anticomunista foi utilizada como justificativa a uma
intervenção para salvar o país, como fora apreendido pelos vereadores de
Cachoeirinha.
A Igreja teve uma forte representação neste pensamento
anticomunista, onde na mesma reunião o vereador Paulo Leite lê a mensagem do cardeal
D. Jaime Câmara
,
“publicada recentemente na imprensa, em que apóia integralmente a ação
revolucionária [...] enalteceu o valor e a oportunidade desta mensagem de fé e
patriotismo do chefe espiritual da Igreja Católica Brasileira”.
As visões ente Estado e Igreja estavam difundidas na sociedade
de forma a ambas se influenciarem, esta associação torna-se visível quando na
referida reunião:
O vereador José Lourenço
de Sobral, requereu verbalmente que a Câmara prestasse uma homenagem ao
Deus-Todo-Poderoso e às Forças Armadas, com um minuto de silêncio, de pé,
submetido à discussão e votos, foi aprovado por unanimidade e a Câmara de pé,
prestou a homenagem de um minuto de silêncio ao Deus-Todo-Poderoso e as Forças
Armadas.
O poder Legislativo, desta forma, estava sendo coagido e
envolvido numa ideologia favorável ao regime, onde suas informações e bases
tradicionais estavam massificadas com um discurso de negação ao Governo deposto.
A questão da revolução ganhou demasiada importância nos
contornos da reunião, ao ponto do vereador Paulo Leite sugerir o envio de
mensagens para diferentes instâncias do Governo golpista, afim de demonstração
de aceitação e apoio, ou seja, não bastava ser conivente era preciso demonstra
publicamente e, conseqüentemente, ganhar a confiança dos novos líderes.
As mensagens foram enviadas e seus conteúdos transcritos na
ata, a pedido do vereador Paulo Leite Martins na reunião da sessão seguinte,
realizada no dia 10 de maio de 1964, o que possibilitou uma análise do conteúdo
das mesmas.
A primeira delas foi enviada para o Coronel Justo Moss,
comandante da 22ª guarnição em Caruaru-PE, ou seja, era o chefe da força
militar mais próxima ao Município, podemos observar no discurso enviado ao
mesmo que buscava expressar uma gratidão por salva à “[...] posição verdadeira
Nação livre e Democrática”
e ainda o reverenciam por conseguir manter a ordem e equilíbrio na região
Agreste de Pernambuco.
A segunda foi endereçada ao General Justino Alves
,
de teor parecido visava parabenizar e evidenciar o apoio ao golpe,
“Apresentamos irrestrita solidariedade ao valoroso e brilhante General, orgulho
nossas Forças Armadas”
·.
O envio das mensagens prosseguiu num movimento de atingir as diversas
instâncias envolvidas no ocorrido, desde as mais próximas até o Governador e o
novo Presidente.
Mensagem enviada ao novo Governador Paulo Guerra
diria: “confiamos, sobretudo nosso Município, que cresce e prospera [...]
contará decidido apôio [sic] do Governo agora instalado”
.
Na última mensagem tratava do golpe como “[...] reconquistar
sua verdadeira posição [de] nação livre, democrática, independente e cristã”
,
esta foi enviada ao novo Presidente Castelo Branco
.
Não sabemos se houve alguma resposta a estas mensagens e nem
se elas chegaram aos seus destinatários.
Contudo, podemos perceber, em comum, uma constante tentativa
de afirmar um posicionamento favorável ao regime, o Brasil passava por grandes
conturbações políticas nacionais e uma jovem cidade buscava um meio disso se
edificar, e buscando fazer isto através de alianças.
Até, porque, os discursos que alcançaram a cidade estavam
revestidos com ideologia favorável ao movimente, na referida época Cachoeirinha
não tinha uma formação política plural as pessoas estavam submetidas a uma
política fechada que valorizava a obediência as pessoas tidas como mais
poderosas.
Concluindo.
O legislativo de Cachoeirinha seguiu um script que foi
cuidadosamente pensado e lembrado.
A conjuntura ideológica e prática estavam a favor do movimento
revolucionário que rotularam o comunismo como um mal nacional e Goulart como
seu represente.
O golpe de 1964 foi visto, inicialmente pela grande massa,
como um contragolpe ao comunismo, embora que posteriormente este mesmo
movimento evidenciasse seus reais objetivos.
A cidade não tinha uma critica política forte, quando seus
representantes políticos seguem uma proposta política a população tende a
acompanhá-los, porque os laços de sua vida dependem deles.
Muitos nem sequer sentiram as ações militares, pois seu campo
cidadão não permitia conhecer outras possibilidades de pensar além da
obediência.
Para saber mais sobre o
assunto.
Abbagnano,
Nicola. Dicionário de filosofia.
Tradução de Alfredo Bosi. 21 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Berstein,
Serge. Culturas políticas e historiografia In. AZEVEDO, Cecília (org) Et all. Cultura política, memória e historiografia.
Rio de Janeiro: FGV, 2009. p. 31
SALES, Teresa. Raízes da desigualdade
social na cultura política brasileira. Revista
de ciências sociais, n 25, p. 26-37, jun 1994.
SOUZA JUNIOR, Edvaldo Vieira de. A Igreja progressista no Recife: limites e possibilidades
da ação das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) Recife-PE, 1973 a 1985.
Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Pernambuco.
Recife-PE, 2006.
Toledo,
Caio Navarro de. 1964: O golpe contra as reformas e a democracia. Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 24, nº 47, 2004, p. 17-18.
Texto: Prof. Rafael da Silva Abreu.
Licenciado em História pela Universidade de
Pernambuco/Campus Garanhuns.
Cardeal Dom
Jaime de Barros Câmara demonstrava-se contrário a qualquer movimento comunista,
apoiando o golpe de 1964 por, aparentemente, livrar o país do comunismo. Já no
dia 02 de abril de 1964 D. Jaime Câmara abençoará a Marcha da Vitória, indicando
a derrubada de Goulart ao “auxilio divino abatido por nossa mãe celestial, pelo
Venerável Anchieta, pelos quarenta mártires do Brasil e outros santos
protetores de nossa pátria.” (Amorim,
Carlos Roberto Cunha. O catolicismo brasileiro no golpe militar de 1964. Anais do XX Encontro Regional de
História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de
2010. Disponível em: http://www.anpuhsp.org.br/downloads/CD%20XX%20Encontro/PDF/Autores%20e%20Artigos
/Carlos%20Roberto%20Cunha%20Amorim.pdf. Acesso em 19 dez 2011.)
Paulo
Pessoa Guerra teve sua trajetória profissional marcada como interventor
pernambucano durante o Estado novo (1937-1945), foi Vice-Governador no mandato
de Arraes (1962-1964) e assumiu o governo após a deposição do referido
governador, permaneceu no cargo até 1967. (BARBOSA, Virgínia. Paulo
Guerra. Pesquisa Escolar On-Line, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível
em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 20 dez
2011. Ex: 6 ago.
2009.)
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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
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