Para
entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol.
nov., Série 12/11, 2012, p.01-13.
Fato singular na
história brasileira a ocupação do Nordeste brasileiro pelos holandeses por 24 anos,
tem suscitado pesquisas e debates dos mais diversos.
O período foi marcado
pelas diferenças de posturas entre dois tipos de colonizadores: os portugueses,
de religião católica e cuja empresa colonial baseava-se numa vida rural que
dava pouca importância aos núcleos urbanos, e colonizadores holandeses, de
religião calvinista, nitidamente urbanos, que tentaram comandar das cidades, as
quais embelezaram e conferiram uma importância jamais imaginada pelos
portugueses, a economia basicamente rural baseada no açúcar.
Religião, língua e costumes
e interesses díspares minavam a pretensão holandesa no Nordeste.
Assentados a quase um
século nas regiões açucareiras e constituindo a elite da sociedade instalada
nessas regiões, os senhores de engenho portugueses não aceitavam o domínio
holandês.
Schalkwijk (2007),
alertando para essa animosidade, divide em seu artigo a história da ocupação
holandesa em três períodos: sete anos de resistência portuguesa a invasão dos
holandeses, resignação dos portugueses nos oito anos do governo de Nassau e os
nove anos da guerra de restauração.
Buscando aliados contra
os portugueses, fixados no Brasil há tanto tempo, os holandeses voltam-se para
os índios, envolvendo-os numa guerra que tem um caráter tríplice: econômico,
político e religioso.
Vistos pelos índios
como libertadores tanto o governo da Companhia, quanto a Igreja Reformada vão
em busca dos nativos.
Tupis e tapuias passariam
a empunhar suas armas ora de um lado ou de outro, buscando um arranjo que
melhor atendesse aos seus interesses diante da guerra entre lusos e flamengos.
O documento utilizado
neste trabalho remete a esse período da história e mostra que os índios tomaram
como suas as questões que opunham portugueses e holandeses.
Descontentes com o
trato que lhes era dispensado pelos portugueses, muitas tribos fizeram parte
das forças holandesas que garantiram aos flamengos a posse do Nordeste por mais
de duas décadas, e mesmo após expulsas as forças holandesas muitos índios
travariam lutas contra Portugal em nome de sua Fé protestante.
AS
CARTAS TUPI.
O documento de que
trata este trabalho faz parte do conjunto de cartas chamado de Cartas Tupi
(SCHALKWIJK 2004), trocadas entre os índios Pedro Poti e Felipe Camarão. Primos,
esses indígenas se viam lutando em campos opostos durante a guerra para
expulsar os holandeses do Brasil.
Escrita originalmente
em tupi, a carta foi traduzida para o holandês e conservada na Col. Brieven en
Papieren no vol. de 1645.
A carta foi transcrita
pelo Dr. Pedro Souto Maior em seu artigo “Dois Índios Notáveis e Parentes
Próximos”, publicado na Revista do Instituto Histórico do Ceará do ano de 1912,
e é por meio deste artigo que tivemos acesso a esse documento.
A missiva é a resposta
de Poty a Felipe Camarão, que lhe enviara insistentes pedidos para que,
abandonando os holandeses, torne-se aliado dos portugueses.
Na carta além de
reafirmar sua lealdade a Holanda, Poty afirma-se cristão protestante e convida
Camarão a vir juntar-se a ele e aos holandeses.
Por meio deste
documento, este trabalho busca observar as diferenças de tratamento dispensadas
aos índios por parte de portugueses e holandeses.
Os índios Poty e
Camarão, chefes indígenas renomados, colocam-se em lados opostos e por meio de
suas cartas buscam atrair-se mutuamente para sua causa, em seus argumentos
expressam sua confiança na riqueza e força de seus partidos, na religião que
professavam e acusam um ao outro de estarem a serviço dos invasores e daqueles
que escravizam os índios.
É interessante notar
que ambos não viram o fim da luta na qual se empenharam.
Felipe Camarão morreria
após a batalha de Guararapes enquanto Pedro Poty, feito prisioneiro dos
portugueses, negou-se a abjurar da religião calvinista, foi enviado a Portugal,
para ser julgado pelo Tribunal do Santo Ofício e faleceu durante a viagem.
HOLANDA,
PORTUGAL E O BRASIL: O AÇUCAR, RELIGIÃO E GUERRA.
Entre 1630 e 1654 a
Holanda por meio de sua Companhia das Índias Ocidentais dominou o Nordeste do
Brasil.
A invasão e a
conseqüente dominação holandesa dessa parte do Brasil de acordo com o
historiador Ronaldo Vainfas (2009) teve como motivação principal interesses
econômicos e políticos.
Em 1580 as coroas
portuguesa e espanhola foram unificadas sob o reinado do espanhol Felipe II.
A União Ibérica
acabaria por envolver o Brasil nos conflitos de Castela (SCHALKWIJK 2004).
Os holandeses, que até
aquele momento eram os grandes beneficiários do comércio açucareiro, viram-se
privados do açúcar brasileiro.
Desde sua independência,
em 1568, a Holanda estava em guerra com a Espanha, e esta fechou seus portos e
o de suas colônias ao comércio flamengo, buscando enfraquecer comercialmente
seus inimigos dos Países Baixos.
A invasão afigurou-se
como a única forma de reaver o lucrativo comércio do açúcar. Travar-se-ia no
Nordeste brasileiro uma “guerra pelo açúcar” no dizer de Evaldo Cabral de Melo
Neto (APUD VAINFAS 2009), onde holandeses, espanhóis, portugueses, índios e
negros lutaram pelo controle da rica região produtora de açúcar.
Buscando isolar a
Espanha de suas colônias e das riquezas nelas produzidas as companhias de
comércio holandesas traçam planos de conquistas das possessões portuguesas na
Ásia e América por considerarem-nas os pontos mais vulneráveis das colônias
espanholas (VAINFAS, 2009).
É nesta estratégia que
se insere a ocupação holandesa do Nordeste.
Um empreendimento
colonial levado a cabo por companhias comerciais que enfraquecia a Espanha e
projetava a Holanda como potência européia.
Além dessa motivação
econômica e política Vainfas (2009:147) completa:
Uma terceira motivação se
destacou desde o início: o proselitismo religioso, uma vez que a
bandeira do calvinismo, a “verdadeira religião cristã”, no dizer dos
reformados, era traço definidor da identidade do Estado, uma confederação de
províncias governada pela Casa de Orange que, apesar de conhecida por sua
tolerância religiosa, não deixava de ser um Estado confessional, a
exemplo dos demais Estados europeus do Ocidente.
Vainfas (2009)
esclarece que, mesmo antes da invasão da Bahia a direção da Companhia colocava
que um de seus deveres era a expansão da religião protestante, não só iriam
privar a Espanha de suas riquezas, como também combater os papistas.
De acordo com Schalkwijk
(2004) a história da Igreja Cristã Reformada, a Igreja oficial do Estado
holandês, que se estabeleceu no Nordeste com a conquista e foi expulsa com os
holandeses é um capítulo pouco conhecido da história.
Existiram 22 igrejas em
todo o Nordeste, sendo a maior a do Recife.
A missão da Igreja
Reformada em terras americanas, ciente do ódio que lhe devotava as populações
católicas portuguesas como a religião dos invasores, optou por realizar seu
trabalho entre os indígenas. Schalkwijk (2004) explica que “para os holandeses,
as tribos aculturadas constituíam os brasilianos e as não subjugadas os
tapuias”.
Tanto Schalkwijk
(2004), quanto Vainfas (2009) concordam com Souto Maior (1912) no fato que o
primeiro contato dos holandeses com os brasilianos foi logo após a expulsão dos
holandeses da Bahia, quando a frota holandesa em fuga aportou na baía da
traição e ao seguir viagem levou para Holanda seis índios. Um desses índios
seria Pedro Poty.
Estes índios retornaram
ao Brasil quando da ocupação holandesa e prestaram serviços valiosos aos
holandeses na luta contra os portugueses e em conquistar novos aliados indígenas
a causa flamenga.
Vista como a religião dos invasores, a população
portuguesa na colônia permaneceu fiel ao catolicismo.
A Igreja Reformada pouco se empenhou em trabalhar
com essa população e decidiu atuar junto aos índios utilizando o mesmo sistema
de aldeamentos que os missionários católicos haviam utilizado com sucesso.
O trabalho dos missionários protestantes voltou-se
aos brasilianos, e de acordo com Vainfas (2009), atuava em duas frentes, “de um
lado, combater os resíduos da cultura tradicional entre os índios
brasilianos... de outro lado, reorientar a cristianização dos índios”, segundo
o calvinismo, uma vez que a conversão dos mesmos havia sido feita por
missionários católicos.
Estabeleceu-se o paradoxo do trabalho da igreja
reformada: destruir a obra jesuíta entre os índios e edificar-se sobre as bases
inacianas. Vainfas (2009) chama a atenção para o fato de que em 1635, quando
por meio do Acordo da Paraíba, concedeu aos católicos que desejassem viver sob
domínio da Holanda, a liberdade religiosa, a Companhia permitiu que párocos e
religiosos permanecessem em suas capitanias com exceção dos jesuítas, expulsos
justamente por sua ação missionária junto aos índios.
É
nesse contexto de expulsão dos jesuítas que aparece um importante personagem, Manoel
de Morais. Mameluco, natural de São Paulo, estudou no Colégio Inaciano da
Bahia, onde destacou-se como excelente aluno e expert na língua geral.
Devido
a isso, Manoel foi indicado ao cargo de superior de um dos aldeamentos pernambucanos
por volta de 1623 a frente do qual permaneceu até 1634.
Foi
então que Manoel, cercado pelas tropas holandesas lideradas por Artichewski na
Paraíba, rendeu-se ao conquistador, e ainda, forneceu importantes informações
da localização de aldeamentos.
O
jesuíta tornou-se calvinista, mudou-se para a Holanda, casou-se e teve filhos
“serviu a WIC como funcionário remunerado, obteve grau de Teologia na
Universidade de Leinden, foi processado à revelia pela Inquisição, queimado em
estátua no ano de 1642” (VAINFAS 2009).
Antes
de embarcar para Amsterdã, Manoel de Morais fornece aos holandeses dados sobre
a população indígena.
Eram
informações preciosas sobre os aldeamentos existentes nas capitanias
conquistadas e por conquistar, permitindo-lhes melhorar e corrigir as
informações que possuíam.
Quando se estabelece em Amsterdã passa a atuar como
consultor da WIC para os assuntos indígenas brasileiros.
Sua
participação foi efetiva na elaboração das estratégias de evangelização dos
índios pelos holandeses.
O
Plano para o Bom Tratamento dos Índios, escrito pelo ex-jesuíta, previa tratos diferentes para
índios e negros. Deveria ser mantido o status quo para os negros, enquanto aos
índios deveriam ter ampla liberdade.
Tais
prerrogativas eram de grande alcance político.
Ao
passo que defendia a manutenção da escravidão dos negros, garantindo adesão dos
senhores de engenhos, visando a manutenção da produção do açúcar, por outro
lado, ganhava a simpatia dos índios, levando-os a combater ao lado dos
holandeses.
O
plano recomendava, também, que os holandeses reconhecessem as lideranças
indígenas de cada aldeamento.
Segundo
Vainfas, esse projeto de evangelização previa que os invasores aprendessem a
língua dos índios, destacando que a catequese deveria concentrar suas ações nas
crianças.
Mas,
Manoel de Morais admitia que seu plano só lograria existo caso os jesuítas
fossem expulsos do Brasil. Homem de grande perspicácia política, Manoel de
Morais entendia que a religião era um meio essencial para que os holandeses
consolidassem seu domínio e a sua aliança com os índios brasileiros.
O
plano teve boa repercussão entre os dirigentes da Companhia das Índias:
(...) os
diretores da WIC acolheram com entusiasmo o Plano de Manoel de Morais,
sobretudo Joanes de Laet, padrinho do ex - jesuíta em sua nova vida. Joanes de
Laet recomendou ao concelho politico a adoção do Plano, acrescentando
que Manoel de Morais era 'homem muito experiente' mas matérias relacionadas ao
'governo dos índios tupi'. Considerou seu projeto 'mui útil' e ensinou que o
próprio ex-padre poderia pô-lo em prática com sucesso. (VAINFAS 2009)
O plano foi de fato foi posto em
pratica, no entanto, a sugestão de liderança de ex-jesuíta não foi aceita pelos
demais dirigentes da companhia.
Diversos pontos essenciais foram
levados em consideração pelos pastores holandeses, Vainfas destaca a
“preparação de tradutores; a preservação da liberdade indígena; a ênfase na
doutrinação dos africanos, ainda que na condição de cativos; o foco na
catequese das crianças indígenas; a exclusão total dos jesuítas para abrir
caminho livre aos predicantes calvinistas”.
Vainfas
chama atenção para ratificação dos direitos dos índios sobre o domínio holandês
no nordeste do Brasil:
Nas atas da assembleia
foram confirmados importantes direitos dos índios fiéis, sancionados pelos
diretores da Companhia da Índias (os Dezenove Senhores): liberdade dos
índios, impedida a escravização deles; manutenção de mestres – escolas e
pastores, nas aldeias, para doutrina da 'verdadeira religião cristã'(calvinista);
No
fim, a evangelização calvinista dos brasilianos, significava, para a
WIC, principalmente um instrumento de aliança política com fins militares, ao
passo que os sínodos e consistórios priorizavam francamente os objetivos
religiosos e missionários em si mesmos (VAINFAS 2009).
A
verdade é que a atuação de Manoel de Morais, em 1635, é fundamental para a
tratamento que o holandês mantinha com os índios brasileiros. Sua importância é
inegável, ele é determinante para entender o porquê da utilização do modelo
inaciano como modelo de evangelização dos holandeses reformados.
Embora aliados a
Brasilianos e Tapuias, os holandeses não os tratavam e os viam da mesma forma.
O artigo de Chicangana-Bayona (2008)
explica que os tapuias, tradicionais inimigos dos portugueses, foram valorosos
aliados dos holandeses, mas diferente do que ocorria aos brasilianos, os
holandeses pouco intentaram sua conversão.
Para eles os tapuias eram “relutantes à civilização, ou seja, ‘um mal necessário’ para os
holandeses por ser aliados na guerra contra os Ibéricos”.
Cronistas da época
citados pelos autores abordados afirmam que o ódio que os tapuias devotavam aos
portugueses é que aproximou esses povos dos holandeses, no entanto os tapuias
não aceitavam ser subjugados mesmo a esses aliados europeus, vivendo afastados
do litoral, sem deixar de praticar seus costumes e nem se permitindo adotar
costumes europeus.
Uma questão
interessante levantada por Schalkwijk (2004) era a liberdade dos indígenas.
De acordo com este
autor, desde o início de sua chegada os holandeses estabeleceram como princípio
que os índios, aculturados ou não, deveriam ser livres e essa liberdade era um
dos capítulos fundamentais da constituição do Brasil holandês e foi reafirmada
nos Regulamentos de 1629, 1636 e 1645.
De acordo com esses documentos
oficiais a terra pertencia aos brasilianos, devendo os mesmos, portanto, ser
tratados com respeito, não sendo escravizados e, se tivessem que ser utilizados
em trabalhos quaisquer, deveriam receber pagamento pelo serviço. Schalkwijk
(2004) complementa que não era apenas a necessidade de apoio na guerra, mas
também uma empatia por se verem oprimidos pelos ibéricos que aproximavam
holandeses e índios.
O autor relata ainda
que índios que serviam como escravos dos portugueses foram libertados e levados
para os aldeamentos organizados pela Igreja Reformada.
Em artigo posterior
Schalkwijk (2007) afirma que no período de ocupação holandesa “os indígenas
gozavam de todos os direitos humanos da época”.
Esta postura holandesa é
defendida por trabalhos mais recentes como o de Schalkwijk (2004) e Vainfas
(2009) e contradiz historiadores anteriores que afirmavam que não havia
diferenças no trato e na situação dos índios sob a dominação de holandeses e
portugueses.
Por exemplo, Sergio
Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, também fala das tentativas de atrair
os indígenas para a fé reformada, mas completa que os holandeses escravizavam e
vendiam índios brasileiros nas Antilhas.
Tema para uma pesquisa
mais ampla, que ultrapassa os objetivos deste trabalho, a questão da condição
do índio no Brasil holandês parece ser a chave para compreender o porquê das
poucas deserções entre os índios que lutavam em ambos os lados: mesmo quando
capturados esses índios iam até as últimas consequências em defesa de seus
aliados.
Quanto aos negros a
posição da companhia era pela manutenção de sua escravidão.
Alencastro (2008)
informa que Nassau em seu primeiro relatório para a Companhia afirma que
necessariamente deve haver escravos no Brasil e que todos os meios devem ser
empregados para dominar o tráfico de escravos na Costa da África.
A menção dessa
necessidade pelo governador, talvez esteja relacionada a resistência de alguns
setores da sociedade calvinista a qualquer tipo de escravidão (SANTOS 2010).
Vencida essa
resistência, o próprio Nassau envia do Recife as expedições que tomam dos
portugueses as zonas fornecedoras do tráfico negreiro.
Antonio Paraupaba,
outro capitão índio aliado aos holandeses escrevendo aos diretores da Companhia
fala da participação dos índios brasileiros na expedição de 1641 “...E daí em
diante constantemente juntaram as suas armas com as de V.as Ex.as para a
destruição dos Portugueses, também fora do Brasil, até mesmo na África, na
conquista de Angola, sob os estandartes de V.as Ex.as...” (HULSMAN 2006:56).
Pelas cartas trocadas
entre Pedro Poty e seu primo Felipe Camarão, observa-se que, entre os dois, as
posições religiosas e a questão do tratamento dispensado pelos europeus aos
índios se torna o argumento principal de ambas as partes para permanecerem em
posições opostas no conflito.
POTI,
CAMARÃO E SUAS CARTAS.
Poty começa sua carta dizendo-se envergonhado por
receber as missivas de outros índios e de Felipe Camarão, que lhe pediam para
passar para o lado dos portugueses.
Aqui ele se coloca como fiel aos holandeses e afirma
que lutando com os holandeses nada lhe falta e mais, que ele é mais livre do
que os índios que estão entre os portugueses.
Tomando a defesa dos holandeses, o índio estabelece
uma sutil diferença entre o trato os índios por parte dos lusitanos e por parte
dos flamengos: que estes não escravizam, nem maltratam e nem assassinam os
índios.
Segundo Poty os holandeses “nos chamam e vivem
conosco como irmãos” e complementa “portanto, com elles queremos viver e
morrer.”
Poty havia vivido na Holanda desde a expulsão dos
holandeses da Bahia, quando junto com outros cinco índios, foi levado pela
esquadra holandesa em fuga.
Conhecia a Constituição do Brasil holandês que
determinava a liberdade de todos os índios escravizados pelos portugueses
depois da partida da esquadra holandesa e devia ter sabido da libertação dos
índios, que em Recife, permaneciam como escravos dos portugueses e que foram
libertos por ordem do governo holandês em 1638.
Tais fatos explicam sua confiança na disposição
holandesa quanto a liberdade indígena.
Relembra o episódio da baía da Traição, onde os índios,
que haviam auxiliado a frota holandesa em fuga da Bahia, foram massacrados
pelos portugueses.
Pedro Poty diz que esse é o comportamento padrão
português e que após apossarem-se do país, todos os índios, tanto os que foram
seus aliados, quanto todos os demais serão escravizados.
Neste ponto Poty parece certo: Schaljwik (2007),
afirma que mesmo tendo os índios incluídos no perdão geral concedido na
rendição, foram depois exterminados por expedições punitivas portuguesas,
conhecidas como a guerra dos bárbaros, voltada segundo o autor para extirpar os
remanescentes calvinistas entre os índios tapuias e brasilianos espalhados
pelos sertões.
Passando a ofensiva, Poty faz então o pedido para
que Felipe Camarão passe para o lado dos holandeses.
Aqui ele apela para a religião cristã, afirma ser
melhor cristão que Camarão por não contaminar sua religião com a idolatria.
Poty completa ainda que sendo um bom cristão não se
pode lutar ao lado dos portugueses por serem traiçoeiros e perjuros. A religião
protestante fincou raízes profundas entre os índios brasilianos, Schalkjiwk
(2007) relata que na Ibiapaba, após a expulsão dos holandeses, os padres
relatavam que para os índios da região, os quais muitos haviam feito parte dos
aldeamentos da Igreja reformada, a Igreja católica era uma igreja de moanga,uma igreja falsa e que “muitos
deles eram tão calvinistas e luteranos como se houvesse nascido na Inglaterra
ou Alemanha”.
Vainfas (2009:160) também fala sobre os índios da
Ibiapaba:
Anos mais tarde, ninguém menos do
que padre Antônio Vieira ficaria estarrecido ao defrontar-se com índios
tabajaras que, com a derrota holandesa, se haviam refugiado na serra de
Ibiapaba, no Ceará. Ao constatar que os índios escarneciam das liturgias
católicas, desprezavam a Virgem Maria e recusavam os sacramentos, a exemplo da
confissão, Vieira não teve dúvida em dizer que aquele lugar era uma “Genebra
dos sertões”.
Estes índios foram alvo de intenso trabalho missionário
para que retornassem a Igreja católica, trabalho realizado pelos jesuítas
estabelecidos nas missões da Ibiapaba.
Ainda de acordo com Schalkjiwk (2007), os poucos
tapuias convertidos a fé reformada foram massacrados pelos portugueses na
guerra dos bárbaros.
Educado na Holanda, faz questão de frisar para Felipe,
que viveu na Holanda, podendo o mesmo concluir que Poty conhece a situação dos
holandeses, passando a exaltar a sua força militar e dizendo que aguardavam uma
grande frota de socorro aos holandeses que devia estar se aproximando de
Pernambuco.
Nas palavras de Poty: “deveis reconhecer que o mar
domina o Brasil.”
Poty demonstra conhecimento do que se passa no campo
diplomático europeu, em que a Holanda contribuiu com sua frota para a
manutenção de D. João de Bragança no trono português.
E se para manter a coroa teve que recorrer ao
auxilio dos holandeses como poderia ter força para retomar as possessões na
América e nas Índias?
Após discorrer sobre as recentes batalhas entre as
duas forças beligerantes, ele torna a convidar Felipe a vir para seu lado e
rispidamente diz que já na receberá mais cartas dele sobre o assunto de
abandonar os holandeses.
Terminando a carta prometendo que seus encontros
serão em campo de batalha.
A carta está datada de 31 de outubro de 1645. A
carta seguinte de Felipe Camarão já não está mais dirigida a Poty, mas aos
demais chefes indígenas aliados dos holandeses.
Nela o índio católico afirma não querer mais
reconhecer a Poty “por este ter se tornado herege” (SOUTOMAIOR 1912).
A religião do conquistador europeu se impõe aos
indígenas desfazendo mesmo as relações de parentesco.
CONCLUINDO.
Combatentes fervorosos os dois faleceram antes do
fim da guerra de restauração.
Felipe Camarão faleceu em 1648 após a primeira
batalha de Guararapes.
Em 1649, na segunda batalha dos Guararapes, Pedro
Poty cairia prisioneiro dos portugueses. Schalkwijk (2004) relata que ele foi
atirado em um poço de onde era retirado para que os padres tentassem fazê-lo
abjurar da sua fé.
Seis meses depois ele foi enviado para o Santo
Ofício em Lisboa, onde seria julgado por heresia, mas faleceria durante a
viagem.
Longe de ser um caso isolado, Poty e seu martírio
pela fé calvinista foi mais um dos casos frequentes naquela luta.
A devoção de Poty e de outros índios aos holandeses
e a Fé reformada foi muito comum no Brasil e completa:
A guerra da restauração, sem dúvida, aproximou ainda
mais os índios dos holandeses, e não é para menos que um dos motivos da
persistência flamenga, encurralados durante nove anos, tenha sido o pacto com
os brasilianos (SCHALKWIJK 2007:133).
Em 1654 quando os holandeses se retiraram do Brasil,
a Igreja Reformada também chegou ao fim.
Durante anos os índios que auxiliaram os holandeses
na luta pela posse da terra seriam ainda caçados, mortos e escravizados pelos
portugueses, que não perdoavam o que eles consideravam uma traição.
Antonio Paraopaba, último regedor dos brasilianos
holandeses, tentou, após a rendição dos holandeses, que estes enviassem auxilio
a estes índios, no entanto não obteve sucesso apesar de ter enviado aos Estados
Gerais duas representações pedindo o socorro holandês aos brasilianos,
Paraupaba faleceu em 1656, nos Países Baixos, um ano antes de seu segundo
requerimento ser lido nos Estados Gerais (Hulsman 2006).
Ainda de acordo com Hulsman (2006) a esposa dele
recebeu da Companhia, pelos serviços prestados por seu esposo a soma de 50
florins.
As sementes de outra fé, diferente do catolicismo,
foram arrancadas pela intolerância religiosa das autoridades portuguesas, pela
pregação dos jesuítas e pelo extermínio dos indígenas.
PARA
SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª edição. Companhia
das Letras. São Paulo. 1995.
SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios
evangélicos no Brasil Holandês. In Viver e Morrer no Brasil Holandês. Org.
Marcos Galindo. Fundaj, Ed. Massangana. Recife. 2007.
SOUTOMAIOR, Pedro. Dois índios notáveis e parentes próximos. Revista do Instituto Histórico do Ceará. Fortaleza, 1912.
Dísponivel em http://www.institutodoceara.org.br/aspx/index.php?option=com_booklibrary&task=view&id=466&catid=573&Itemid=72.
Acessado em 07/05/2012
TEXTO:
Wagner
Pires da Silva.
Administrador
pela Faculdade Farias Brito.
Graduando
em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
André
Theóphilo Lima.
Graduando
em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
José
Ribamar Ferreira Junior.
Graduando
em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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