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terça-feira, 4 de julho de 2023

Breve ensaio sobre as razões da filosofia nascer na Grécia e não no Oriente: ou, porque a filosofia no sentido acadêmico é a Ocidental.

 Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 14, Volume jul., Série 04/07, 2023.


Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.


Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em História - CEUCLAR.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.
Graduado em Pedagogia - UNICSUL.

 

A filosofia acadêmica, que alguns chamam de "oficial", estudada nas escolas e universidades; nasceu na Grécia e foi desenvolvida, principalmente, na Europa até a entrada da Idade Contemporânea.

No entanto, contemporaneamente, alguns alegam que esta é uma forma discriminatória de classificar a filosofia, sob o argumento que também foi desenvolvida em outros pontos do mundo, sobretudo na Ásia.

É verdade que, na antiguidade, o mundo grego em muitos de seus traços o mundo grego se assemelhava ao Oriente próximo.

Originalmente as duas regiões possuíam o mesmo tipo de organização social e guardavam semelhanças econômicas, possuindo laços culturais e uma história em comum.

Sendo assim, realmente seria correto sustentar que a filosofia Oriental deveria fazer parte do universo acadêmico?

Responder esta questão implica, antes, em responder outra: por que a filosofia nasceu na Grécia e não no Oriente?

A cultura grega, em particular sua religião e mitologia, originária do passado micênico, no século XII a.C., rompeu com esta origem nitidamente oriental.

Foi o momento em que as tribos dóricas invadiram a Grécia continental, destruindo a estrutura social centralizada.

A figura do rei cedeu lugar ao debate público, que pretendia equilibrar os diversos elementos que compunham o cosmos.

Enquanto o Oriente próximo continuou a manter sua estrutura social e política centralizada, com fortes semelhanças com a cultura micênica.

Um exemplo desta cultura é o palácio do mundo micênico, cujo papel era ao mesmo tempo religioso, político, militar, administrativo e econômico; ou seja, era o eixo da vida social.

Este estilo de vida foi destruído pela invasão dórica, inaugurando uma divisão entre Oriente e Ocidente, um rompimento que criaria um profundo abismo cultural.

O mar Mediterrâneo deixou de ser um caminho de passagem, para tornar-se uma barreira.

Isolados, os territórios gregos voltaram-se para uma economia puramente agrícola, isolando-se em meio a características geográficas que já condiziam a descentralização.

Pouco a pouco, a mitologia, maneira pela qual buscava-se explicar o mundo, foi substituída pela filosofia.

Em linhas gerais e resumidamente, podemos afirmar que a filosofia nasceu na Grécia e não no Oriente graças ao isolamento ao qual as populações gregas estavam submetidas.

Após a invasão dos dórios, a descentralização modificou a estrutura social e estimulou o debate, transformando a mitologia em filosofia e iniciando a construção do que conhecemos atualmente como Cultura Greco-Romana.

Enquanto no Oriente, a estrutura social manteve-se centralizada, ampliando a mitificação como elemento de controle social, cada vez mais vinculado com aspectos espirituais.

Neste sentido, a filosofia Oriental está muito distante da Ocidental, uma vez que a primeira possuí relevância religiosa, a despeito de representar uma sabedoria milenar.

A filosofia Oriental, por exemplo, representada pelo budismo ou ioga, não possuí racionalidade no sentido lógico do termo, não se quer tentou e separar na mitologia; ao contrário, aprofundou seu vínculo com a mitificação.

Apesar de também poder ser chamada de "filosofia", a filosofia Oriental guarda características distintas em relação à filosofia ocidental.

Além importância das religiões para as populações da Ásia, a utilização de línguas com estrutura totalmente diferente em relação às línguas Ocidentais, gerou uma visão de mundo Oriental totalmente distinta em relação a Ocidental.

A filosofia Oriental também não marca nitidamente a oposições que caracterizam a cultura filosófica Ocidental, como: inteligível x sensível, divino x humano, cultura x natureza, mente x corpo, espírito x matéria e lógico-racional x estético-intuitivo.

As tendências filosóficas Orientais são ortodoxas e constituem parte de dogmas de fé ou crenças em estilos de vida, apoiadas e/ou confirmando mitificações.

A filosofia acadêmica, conhecida como Ocidental, herdada dos gregos antigos, questiona as mitificações e tenta racionalizar o entendimento do mundo.

Não apregoa qualquer estilo de vida a não ser o da dúvida permanente, tampouco sustenta uma religião qualquer que seja.

Houve sim uma tentativa de utilizar a filosofia grega como sustentáculo da fé cristã na Idade Média pela Igreja católica, mas esta intenção não se cumpriu dada sua natureza questionadora.

Alguns Santos do catolicismo foram grandes filósofos, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, mas o pensamento destes foi maior do que a heterodoxia religiosa.

Portanto, a filosofia possuí berço na Grécia antiga e não no Oriente; assim como a verdadeira filosofia, aquela que nomeamos como acadêmica, é Ocidental.

A despeito de, após o início da Idade Contemporânea, talvez um pouco antes, passar a ser composta para além das fronteiras europeias.


PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.

VERNANT, Jean Pierre. As Origens do Pensamento Grego. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.


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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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