Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 4, Volume dez., Série 05/12,
2013, p.01-11.
Giovanna Barbone dos Reis.
Jéssica Silva
Chagas.
Juliana Castro dos Santos.
Stella Abreu Bizarro.
Thiago Soares Valentim
Grass.
Alunos(as) do curso de graduação em Pedagogia da Unimonte.
Este trabalho aborda a influência da
tradição oral no ambiente escolar.
Apresenta os contos populares como
importantes peças no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula.
Para
isso, utiliza pesquisas bibliográficas e de campo para comprovar o seu
relevante papel no aspecto pedagógico e cultural na formação da criança.
Introdução.
O presente artigo expõe o folclore brasileiro por
meio da tradição oral no ambiente escolar e como esta pode ser utilizada em sala
de aula pelo professor.
Como objetivo, ressalta-se a importância simbólica
dos contos populares como material informativo social e antropológico de um
povo ou comunidade, sua contribuição no processo de ensino-aprendizagem e na
construção do conhecimento de forma interdisciplinar.
Além da pesquisa bibliográfica, trabalhar-se-á com
pesquisa de campo, por meio de visitação a uma instituição de ensino público, para
mostrar como os contos podem ser trabalhados e cultivados entre os alunos.
Assim, na primeira parte, há uma abordagem sucinta
sobre a oralidade do ser humano, sua necessidade de contar, de imaginar, de
representar por meio das histórias o reflexo dos seus desejos, medos e modo de
vida.
Será relatado em seguida um breve histórico sobre
como os contos populares começaram a ser registrados para a posteridade, dando
destaque para figuras como Charles Perrault e irmãos Grimm assim como as fontes
de seu registro.
Abordar-se-á logo depois, de forma sintética, a
riqueza oral presente no Brasil, destacando também a sua diversidade cultural, singularidades
e como os contos podem contribuir para os currículos educacionais de hoje.
Será retratada, após, parte do folclore oral
presente na Baixada Santista, apontando os contos como material lúdico
enraizado na cultura e mais próximo do que se imagina.
Por último, mostrar-se-á na prática como os contos
podem se tornar ferramentas revolucionárias no ensino, mesmo com todas as
evoluções tecnológicas, ao transformar a construção do conhecimento em sala de
aula.
A oralidade é do homem ou o
contrário?
O homem, desde o início, foi, é e sempre será
marcado pela sua oralidade, pela sua capacidade de criar, representar e
compartilhar seus medos, anseios, dúvidas e aflições através do seu imaginário.
“...contar histórias é algo que se perde nas noites
do tempo. É uma atitude tão antiga quanto o próprio homem, que para ter domínio
da natureza e dos fenômenos que o circundava criava histórias que explicassem a
realidade”. (CAVALCANTI, 2002, p.45).
O que dizer dos mitos, lendas e contos fantásticos
ou não que sobreviveram ao tempo e chegaram até nossos olhos (por meio dos
livros) e ouvidos nos dias atuais? Mais do que simples narrativas, eles
simbolizam a tradição oral da cultura de sua época. Trazem consigo parte da
identidade do povo onde eram difundidos.
Para Elias José (2007), as histórias refletem a
expressão artística de uma pessoa, uma comunidade ou um povo. Percebe-se nessas
circunstâncias, o caráter especial que elas assumem sob o ponto de vista
antropológico
Já Câmara Cascudo é mais enfático nessa questão: “O
conto popular revela informação histórica, etnográfica, sociológica, jurídica,
social. É um documento vivo, denunciando costumes, ideias, mentalidades,
decisões e julgamentos”. (CASCUDO, 2006, p.11).
Os contos populares, a tradição oral, fazem parte do
folclore. E o folclore, por sua vez, “...vive da coletivização anônima do que
se cria, conhece e reproduz, ainda que durante algum tempo os autores possam
ser conhecidos”. (BRANDÃO, 2006, p.34).
Ou seja, essa coletivização da tradição oral faz
parte do desenvolvimento do indivíduo no meio em que vive, como um processo de
apropriação da experiência histórica e cultural. Vygotsky (1984) afirma que a
cultura faz parte da natureza humana, não dissociando o biológico do social.
Assim, o indivíduo tem o contato com a tradição da
comunidade a qual pertence de forma dialética, apoderando-se das suas
características e singularidades.
Esse contato não o torna apenas um produto do
contexto social, mas também um agente ativo na criação desse contexto.
Talvez por esse motivo que muitos contos orais ainda
sejam contados e conhecidos na atualidade. E é inegável o fascínio que ainda
exercem.
Apesar do avanço da tecnologia, da internet, eles ainda continuam
vivos no imaginário de crianças, jovens e adultos. E estão mais próximos do que
se imagina.
Quem não se lembra da menina de capa vermelha que,
no meio da floresta, encontra um lobo disposto a ajudá-la? Ou de uma bruxa que
vive em uma casa feita de doce? Ou ainda da história de uma bela moça que perde
seu sapato de cristal no meio de um baile?
Sim, os contos de fadas que se conhecem hoje, ou
pelo menos as versões que são narradas, fazem parte da tradição oral, de origem
desconhecida.
Algumas histórias já eram contadas há mais de dois mil anos e
graças a nomes como Charles Perrault e aos irmãos Grimm muitas chegaram até
nossas crianças, jovens e a nós mesmos.
O
marco inicial – Perrault e Grimm.
Na sua obra “A formação social da mente”,
Vygotsky(1984) relata que a aprendizagem das crianças se inicia muito antes da
sua entrada na escola.
Ela nunca parte do zero, pois antes disso a criança vive
uma série de experiências por meio do contato com pessoas cotidiano, da sua cultura.
Porém, qual a relação da afirmação de Vygotsky com
os contos de fadas relatados anteriormente?
É muito simples, grande parte das
crianças, antes mesmo de entrar para o convívio educacional, já teve contato
com as histórias de Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, Três Porquinhos etc,
seja pela televisão ou pela leitura de adultos.
O fato é que mesmo antes de ler
ou escrever elas já conhecem os enredos, pois já tem capacidade de dar asas à
imaginação.
Esse contato é possível graças a nomes como Charles
Perrault (1628-1703), Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), ou
irmãos Grimm, que iniciaram o registro das histórias da tradição oral da época.
Essa literatura de cunho popular caiu no gosto infantil e agradou muitos
adultos.
Não é a toa que ainda hoje fazem sucesso.
Perrault nasceu em Paris e era o quinto filho de uma
casa da alta burguesia.
Formado em Letras, além de advogado, também era
funcionário público na corte do Rei Luís XV, o Rei Sol. Sua Obra “Histórias do
tempo passado com moralidades”, publicada em 1697, é considerada o ponto de
partida da literatura infantil.
No entanto, ela ficou mais conhecida mesmo pelo
seu subtítulo: “Contos da Mamãe Gansa”.
No caso de Perrault, na França, como no dos irmãos
Grimm na Alemanha a seguir, essas histórias registradas foram o achado de uma
busca que comprovasse o alto valor da cultura nacional uma vez que se estimava na
época mais os escritos greco-romanos.
E essas histórias eram conhecidas apenas
na boca do povo.
“Está aí a importância de Perrault. Ao banhar os
contos da velha no ouro de sua poesia e recriá-los nos Contos da Mamãe Gansa,
ele acabou fundindo a tradição popular com a cultura erudita de forma
primorosa.” (ALMEIDA, 2005, p.06).
Movido por este desejo, começou a anotar os contos.
Muitos deles narrados por sua mãe ao pé da lareira.
Aliás, naquele tempo era um
costume a família reunir-se à noite em volta do fogo para ouvir histórias de
uma pessoa mais velha, como mostra abaixo o quadro “História de uma noite de
Inverno”, do pintor Inglês Daniel Maclise.
Figura
1:
Antiga Contação de histórias.
Fonte: Livro “A Volta ao Mundo em 52 Histórias” (PHILIP, 1998,
p.14).
Já os irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm) nasceram na
cidade de Hanau, na Alemanha, em uma família de pastores da Igreja Calvinista
Reformada.
Tiveram infância difícil depois da morte do pai e graças a uma tia
conseguiram uma boa educação.
Formaram-se em Direito e passaram a ganhar a vida
como bibliotecários, o que lhes permitiu acesso a livros e manuscritos raros.
Como Perrault na França, Os Grimm se dedicaram ao
estudo das tradições alemãs como forma de ressuscitar a identidade nacional por
meio da busca de suas raízes culturais. “Tais raízes estariam, justamente, no
reservatório linguístico e no material folclórico de origem popular.”
(VOLOBUEF, 2013, p.22).
Lembrando que na época (1807) a Alemanha era ocupada
pelos exércitos franceses e somente conseguiria a unificação política e
econômica em 1871, depois da morte dos irmãos.
Os Grimm passaram, então, a recolher histórias entre
as pessoas. Mas não faziam longas viagens para isso, abordavam as mais
próximas.
Assim, por volta do natal de 1812 saiu o primeiro volume de seus
“Contos de Fadas para o Lar e as Crianças”.
A este foram acrescentadas novas
narrativas, outras revisadas de acordo com diferentes versões colhidas até a
edição definitiva (com 200 contos de fadas e dez legendas infantis), em 1857,
última em vida dos irmãos.
Ressalta-se nesse ponto, o trabalho de campo, tão
importante para a Antropologia e para a compreensão do “outro”, realizado tanto
por Perrault quanto pelos Grimm durante o processo de coleta e registro das
histórias.
Contudo, o trabalho dos irmãos Grimm não se resumiu
apenas à coleta dos contos.
Eles reestruturaram os enredos, dando-lhes
uniformidade e coerência além de qualidade estética, que hoje em dia faz dos
contos um modelo real do que seria um “típico conto de fadas”.
Entretanto, o
que faz com que um conto ou um texto seja chamado de fadas?
Nas
histórias de Grimm, por exemplo, elas não comparecem, mas têm um substituto
equivalente: uma mulher velha e misteriosa, um homem taciturno, um anão
mal-humorado, uma raposa falante, a falecida mãe que se manifesta por
intermédio de uma árvore. São os mediadores, que, surgidos não se sabe de onde,
auxiliam o herói no momento de necessidade. (SILVA, 2009, p.70).
É difícil dizer onde e quando os contos de fadas se
originaram. Mas várias versões se espalharam pelos quatro cantos.
No entanto,
na Idade Média, as histórias eram marcadas pelos finais infelizes e tragédias,
pois possuíam cunho educativo semelhante ao lema “obedeça ou sofra as
consequências”.
Exemplo clássico dessa variedade de enredos é o de
Chapeuzinho Vermelho.
Há versões (bem antigas) em que o lobo não come a vovó
por ser muito velha. Ele a corta em pedaços e dá para Chapeuzinho, sem esta
saber, comer.
Depois, devidamente disfarçado, faz a menina tirar a roupa,
deitar na cama e a abocanha em seguida.
No reconto de Perrault, o lobo come as duas, a vovó
e Chapeuzinho.
Sem final feliz, porém, excluindo ações macabras de violência
explícita e apologia à pedofilia.
Já com os irmãos Grimm surge o caçador, que
aparece no momento certo e salva a menina indefesa e tira vovó inteira de
dentro da barriga do lobo.
São três versões diferentes do mesmo conto e existem
muitas outras. Mas o que se pretende mostrar é a diversidade do pensamento
humano.
São nessas diferenças que se encontram a verdadeira essência e riqueza
dos contos populares.
Eles não acabam, se transformam de acordo com as
necessidades de quem os conta e de quem os ouve.
Sabendo da riqueza literária e do poder de
encantamento destas narrativas, a partir dos anos 30 Walt Disney adaptou várias
delas para o cinema, como “A Bela e a Fera”, “A Bela Adormecida”, “Cinderela” e
outras.
Esse foi outro fator que contribuiu para a popularização delas aqui no
Brasil.
Daí entende-se também como a criança se familiariza com elas antes
mesmo de ingressar na escola.
Como diz Neil Philip:
Hoje em dia é
menos comum encontrar quem conte histórias oralmente, porém, um bom narrador
ainda consegue encantar seus ouvintes. Na Falta dele, sempre podemos ler contos
de fadas, escutá-los numa gravação ou vê-los num filme ou vídeo. Qualquer que
seja o veículo de transmissão, o fascínio continua o mesmo. (PHILIP, 1998,
p.15).
Os
Brasis orais do Brasil.
Embora os contos de origem Indo-europeia
tenham conquistado as crianças daqui, é inegável também a riqueza oral do
Brasil. Talvez o fato de ser um país de dimensões continentais tenha favorecido
essa difusão.
Um país
pluriético e multicultural como o Brasil possui, como não poderia deixar de
ser, uma riquíssima literatura oral, transmitida de geração a geração, formando
um repertório lúdico e mágico. São contos, fábulas, lendas, mitos, adivinhas,
provérbios, histórias de assombração que povoaram e povoam o universo
imaginário dos brasileiros, trazendo as múltiplas visões de mundo dos povos que
formam a identidade cultural de nosso país. (BARBOSA; FREDIANI, 2008, p.134).
Não se pode deixar de citar nesse sentido Monteiro
Lobato (1882-1948). Além de transformar os rumos da literatura infantil no
Brasil, por meio do “Sítio do Pica-pau Amarelo”, disseminou e difundiu a
riqueza oral pertencente ao patrimônio nacional. Muitos personagens
folclóricos, como Saci, Cuca, Iara, e histórias se integraram com Emília, Dona
Benta, Narizinho etc.
Lobato também serviu de inspiração para diversos
escritores brasileiros.
Ele está presente na linguagem coloquial de Lygia
Bojunga, no olhar questionador de Ana Maria Machado e no humor de Ruth Rocha,
só para citar três deles.
Contudo, outros dois escritores merecem destaque
pelo teor e origem popular das suas publicações. Luís da Câmara Cascudo
(1898-1986) e Ricardo Azevedo retratam em seus livros histórias de cunho oral
que revelam toda a criatividade do imaginário popular.
“Dicionário do Folclore Brasileiro”, “Antologia do
Folclore Brasileiro” e “Contos tradicionais do Brasil” são três obras de Câmara
Cascudo que se destacam e recomenda-se para leitura dentro da vasta criação
deste, além de escritor, folclorista e antropólogo.
Já Ricardo Azevedo possui um jeito particular de
abordar o cotidiano popular em seus escritos. Como, por exemplo, no conto
“Trapalhadas do Zé Bocoió” (AZEVEDO, 2008), onde narra as confusões em que se
envolve um menino, chamado Zé Bocoió, enquanto vai até o açougue comprar sangue
de porco para a mãe fazer chouriço.
Uma simples tarefa se torna uma aventura.
Outras
obras como “Contos de enganar a morte”, “Contos de Adivinhação” e “No Meio da
noite Escura tem um pé de maravilha” se sobressaem.
Figura 2: O menino Zé
Bocoió.
Fonte: Livro “Cultura da Terra” (AZEVEDO, 2008, p.38).
Analisando apenas as publicações de Câmara Cascudo e Ricardo Azevedo, sem esquecer Monteiro Lobato, tem-se uma ideia do vasto repertório oral de que dispõe o Brasil. E esse conteúdo poderia e/ou deveria integrar os programas de ensino.
“Através dos contos populares...temos a oportunidade
de entrar em contato com temas que dizem respeito à condição humana vital e
concreta, suas buscas, seus conflitos, seus paradoxos, suas transgressões e
suas ambiguidades.” (AZEVEDO, 2008, p.187).
Acredita-se que é possível criar um programa de
educação de qualidade inserindo elementos da cultura popular nacional ao invés
de importar elementos eruditos que não fazem, nem de longe, parte da realidade
vivida aqui.
Embora também a cultura erudita não possa ser desprezada como um
todo devido à sua relevância.
René Marc, antropólogo e doutor em
História pela Universidade de Brasília, ainda complementa:
...a descoberta
dos contos populares pela escola pode infundir novo oxigênio e vida nos
programas de ensino, desde a mais tenra idade da educação infantil aos ciclos
finais do ensino fundamental. Recuperar nos currículos, para crianças e
adolescentes, a beleza do narrar, do poetizar, do cantar, do jogar com as
palavras é permitir respirar de novo, com novos ares, o terreno sobre o qual se
pretende construir um conhecimento diferenciado. (SILVA, 2008, p.129).
O conhecimento diferenciado citado acima entra no
âmbito da interdisciplinaridade.
Como construí-la e praticá-la no ensino
importando sistemas de gestão escolar que não retratam a identidade cultural
brasileira?
Por tudo que foi argumentado até aqui, a tradição
oral oferece um sólido alicerce para se trabalhar a questão da
interdisciplinaridade, que está presente nos Parâmetros Curriculares
Nacionais.
Unindo as duas, acredita-se
que de fato se alcance a construção lúdica e significativa do aprendizado em
sala de aula.
Pois, afinal, o que representam os contos se não os desejos,
anseios e medos que se sentem ligados ao cotidiano e à própria vida?
Foi abordado até aqui a importância do trabalho de
Perrault e dos irmãos Grimm para a universalização dos contos populares, além
da riqueza oral presente no Brasil por este ser um país multicultural.
No entanto, a Baixada Santista, sobretudo Santos e
São Vicente, também possuem um fabuloso folclore oral: são contos, histórias,
mitos, lendas e cantigas ligados ou não ao contexto histórico e às
transformações pelas quais a região passou juntamente com o país.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN):
A preocupação
com os estudos de história local é de que os alunos ampliem a capacidade de
observar o seu entorno para compreensão de relações sociais e econômicas
existentes no seu próprio tempo e reconheçam a presença de outros tempos no seu
dia-a-dia. (PCN, 1997, p.51)
Quem nunca ouviu falar da fonte do Itororó?
Localizada ainda no centro de Santos, embora desativada, por muitas décadas
ofereceu água límpida à moradores e navios que atracavam no porto.
Tão famosa
que é retratada até hoje em brincadeiras de roda entre as crianças na canção
“Fui no Itororó”, composta por Villa Lobos.
Existem histórias até sobre a Padroeira de Santos,
Nossa Senhora do Monte Serrat.
Uma delas envolve um possível milagre durante um
ataque pirata à região.
Em 1615, o pirata holandês Joris Von Spilbergen
incendiou vários pontos da Vila de Santos.
Acuados, os moradores se refugiaram no Monte Serrat
e rezaram para que a virgem do Monte os protegesse.
Os piratas os perseguiram
logo depois.
Relatos apontam que naquele momento chovia forte e um raio desceu
do céu atingindo a encosta do morro e causando um grande deslizamento.
A
maioria dos invasores acabou soterrada e o restante voltou para os navios e foi
embora.
Milagre mesmo ou pura coincidência?
Outra história intrigante do folclore oral santista
é a do Fantasma do Paquetá.
Por volta de 1900, uma mulher vestida de preto,
outros dizem de branco, que toda a noite visitava o cemitério do Paquetá e
caminhava nos seus corredores.
Uns afirmavam ser um fantasma enquanto alguns
acreditavam ser apenas um fruto da imaginação.
No entanto, pessoas passaram a ir até o lugar para
averiguar se a aparição era real ou não.
O fato é que a polícia, recebendo
reclamações de moradores devido ao barulho, teve que intervir para dispersar a
multidão.
O ocorrido ganhou destaque inclusive nos jornais da época e acabou
sendo passado de geração em geração.
Esses são três exemplos que retratam como a tradição
oral regional é emblemática e significativa.
Essa riqueza também foi
impulsionada pela natureza histórica e política da Baixada Santista.
Há outros
contos e histórias, como a Pedra da Feiticeira e a Pedra dos Ladrões, presentes
nesse repertório.
O que se pretende mostrar com a Fonte do Itororó, o
Monte Serrat e Fantasma do Paquetá, é que não se precisa ir longe para
encontrar a cultura popular, o folclore, os contos.
Eles estão mais próximos do
que se imagina. Fazem parte do nosso cotidiano, da nossa essência, da nossa
construção como indivíduo dentro da comunidade a qual se pertence.
Os contos populares estão enraizados no folclore das
esferas universal, nacional e regional. Refletindo por meio dos seus
personagens e enredos sobre os valores e elementos culturais da sociedade, seja
os criticando (de forma irônica, satírica ou subliminar) ou os reafirmando.
Eles oferecem, portanto, uma fonte inesgotável de
“matéria-prima” para ser difundida em sala de aula pelo professor.
Defende-se o
uso deles na rotina escolar, sua inserção na busca de um currículo mais próximo
da realidade.
Entretanto, é possível trabalhar esse conteúdo na prática e
utilizá-lo como ferramenta interdisciplinar na transformação inovadora do
ensino-aprendizagem?
A
cada conto aumenta um ponto.
Para tentar responder a esta questão, foi visitada a
Unidade Municipal de Educação Cidade de Santos, localizada no bairro do Embaré,
em Santos.
Tinha-se o objetivo de assistir a aula do professor Thiago de
Almeida Reis, formado em Artes e pós-graduado em Artes Visuais.
Além de arte-educador, Thiago é contador de
histórias. Com ele, os contos populares ganham vida entre as crianças durante a
sua disciplina (anexos A, B, C e D).
Fazem parte do seu repertório contos de
fada, de encantamento, contos africanos, indígenas entre outros.
Percebeu-se que os alunos aguardam ansiosos pela sua
chegada à sala, já tentando adivinhar qual a história do dia. E não apenas os
menores como também os maiores, do Fundamental II e do EJA, já que o docente
atende esses três públicos distintos.
Por meio da arte e dos contos, que servem de
inspiração, os alunos pintam murais nas paredes internas e externas com a
mediação do professor.
Aprendendo, dessa forma, noções de ética e cidadania ao
conservar e valorizar o que é deles: a escola.
A visita constatou que de fato a oralidade dos
contos populares tem o poder de transformar o ensino-aprendizagem, aproximando
professor e aluno.
O que implica também em um contínuo trabalho de pesquisa e
aprimoramento do educador ao querer levar algo novo e contagiante aos seus
discentes.
Esse processo de busca requer mais trabalho, tempo e
dedicação. Porém, pelo que foi observado da rotina do professor Thiago, é
possível. Basta querer.
Concluindo.
Depois de um mergulho no mundo das narrativas, das
histórias populares, das pesquisas e da observação direta, percebeu-se o papel
primordial que a oralidade pode e deve possuir na sala de aula por trás dos
contos.
Estes, por sua vez, tem o poder de levar a magia do imaginário aos
alunos e transformar a construção do conhecimento na escola.
A narrativa oral é um dado importante que revela a
vida social e cultural de uma sociedade ou comunidade.
A cultura de um povo, ou
seja, sua forma viver em sociedade, seus costumes, seus ideais religiosos etc,
transparecem nos contos, ganham vida nos enredos, se entranham nos personagens.
Além disso, os contos, com seu poder atemporal de
sedução, contribuem de forma significativa no desenvolvimento psicológico,
social, pessoal e cultural das crianças e jovens, facilitando o processo de
socialização e comunicação, garantindo assim uma interação muito mais
eficiente.
Acredita-se que podem integrar um dos alicerces para
a criação de um currículo de ensino mais eficiente e próximo da realidade de
nosso país.
Um currículo sério, abrangente, interdisciplinar, mas que caminhe
lado a lado com a ludicidade na formação integral do aluno.
Sob essa perspectiva, fica evidente a importância do
professor como mediador ao inserir esses elementos (contos, ludicidade) no
processo de ensino-aprendizagem.
Assim, se faz necessária uma intensa e
contínua capacitação em busca de uma ênfase mais humanística com elementos do
folclore e cultura popular.
Por fim, desprezar a riqueza dos contos seria
desprezar a própria essência humana e o poder exercido pelo “Era uma vez...”.
Causo ganhando vida na narração do professor.
Fonte: Arquivo pessoal Juliana Castro.
Alunos se divertem ao ouvir o conto.
Fonte: Arquivo pessoal Juliana Castro.
Para saber mais sobre o assunto.
ALMEIDA,
Fernanda Lopes de. Contos de Perrault (edição
para o Governo). São Paulo: Ática, 2005.
AZEVEDO,
Ricardo. Cultura da Terra. São
Paulo: Moderna, 2008.
_________
. Conto Popular, Literatura e formação de leitores. In: SILVA, René Marc da
C.(org.). Cultura popular e Educação:
Salto para o futuro. Brasília: MEC, 2008. p.179-187.
BARBOSA,
Rogério A.; FREDIANI, Magda. Histórias da Tradição Oral: Os contos etiológicos.
In: SILVA, René Marc da C.(org.). Cultura
popular e Educação: Salto para o futuro. Brasília: MEC, 2008. p.133-140.
BRANDÃO,
Carlos R. O que é folclore?. 13. ed.
São Paulo: Brasiliense, 2006.
CASCUDO,
Luís da Câmara. Contos Tradicionais do
Brasil para jovens. 2.ed. São Paulo: Global, 2006.
CAVALCANTI,
Joana. Caminhos da Literatura infantil e
juvenil: dinâmicas e vivências na ação pedagógica. São Paulo: Paulus, 2002.
JOSÉ, Elias. Literatura
Infantil: Ler, contar e encantar crianças. Porto Alegre; Mediação, 2007.
LARAIA, Roque de Barros de. Cultura: um
conceito antropológico. 24. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
OLIVEIRA, Yza Fava de. Folclore em Santos: como aplicá-lo na
escola. Santos: Universitária Leopoldianum, 2010.
PCN: Parâmetros
Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília: MEC/SEFEP, 1997.
PHILIP, Neil. Volta
ao mundo em 52 histórias. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia
das Letrinhas, 1998.
SILVA,
René Marc da C. (org). Cultura popular e
Educação: salto para o futuro. Brasília: MEC, 2008.
SILVA,
Vera Maria Tieztman. Literatura Infantil
Brasileira: um guia para professores e promotores de leitura. 2. ed.
Goiânia: Cânone Editorial, 2009.
VOLOBUEF,
Karin. Contos de fadas dos Irmãos Grimm. Carta
Fundamental. São Paulo, n.44, p. 20-24, dez./jan. 2013.
VYGOTSKY,
L. S. A formação social da mente.
São Paulo; Martins Fontes, 1984.
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