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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

domingo, 14 de novembro de 2010

Colaborações – recebimento de artigos e ensaios.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Normas de Publicação.
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Periodicidade Semestral (edições em julho e dezembro).

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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela FFLCH/USP.
Professor da Universidade X.

RESUMO: O artigo pretende...

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ABSTRACT: Resumo em inglês.
KEYWORDS: palavras-chave em inglês.


2. Final do texto:

Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS, Fábio Pestana. No tempo das especiarias. São Paulo: Contexto, 2004.



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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O imaginário popular na época dos descobrimentos quinhentistas: da terra plana ao mundo esférico.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume nov., Série 08/11, 2010.

Discutir a questão do imaginário quinhentista é de fundamental importância para entender o período das grandes navegações.
Este foi um fator que fomentou ou retardou o achamento de novas terras.
A despeito de existirem fortes indícios que o mundo, tal como se apresenta atualmente, com boa parte de seus contornos, fosse conhecido de alguns desde a antiguidade.

A América já era conhecida muito antes de Colombo.
Durante a idade antiga a ciência chegou a desenvolver-se de tal modo que hoje sabemos que os romanos possuíam um relativo conhecimento geográfico da Ásia e África.
Eles ainda não desconheciam de todo a existência da América.
Uma vez que foram encontradas moedas cartaginesas do século IV a.C. nos Açores, e moedas romanas de datas posteriores na Venezuela.
No entanto, alguns historiadores defendam a tese de que tais embarcações teriam sido arrastadas por tempestades, nos tempos clássicos e que, portanto, não existiriam garantias de que a noticia da existência da América tenha chegado a Europa.
Porém como explicar o mito da Atlântida, o continente perdido, cuja existência o filosofo Platão narra em suas obras Timeu e Critias.
Não seria tal continente pura e simplesmente a América?
Na verdade, o que importa saber é que tal conhecimento, de um modo ou de outro, era um tanto vago e acabou se perdendo para a imensa maioria da população européia com o esfacelamento do Império Romano.
Sabemos também que os chineses, em meados de 1400, possuíam uma tecnologia marítima em muitos aspectos igual se não superior a européia, mantendo relações comerciais regulares com o Sudeste asiático.
Já está provada através da cartografia do período que os chineses realizaram expedições comandadas pelo Almirante Cheng Ho, chegando até o Sri Lanka, África Oriental, e acreditasse ao Norte da Austrália e possivelmente ao litoral da América do Norte, através do oceano Pacifico.
Acontece que a China desta época, por um lado se considerava cultural e politicamente superior aos demais povos, aos quais olhava como bárbaros, e, por outro angulo relegava a um plano inferior o comércio, considerando-o até mesmo desonroso.
De modo que as expedições de Cheng Ho não tiveram continuidade e, precisamente quando os portugueses começaram a abrir caminho rumo à Índia, a China havia se encerrado em um isolamento voluntário.
Assim, a existência de um continente ainda inexplorado era conhecida em alguns mosteiros medievais, onde o conhecimento acumulado na antiguidade foi confinado depois da queda do Império Romano.
Igualmente, alguns homens de letras conheciam vagamente as potencialidades da Ásia e da África através do contato com relatos de viajantes que estiveram na China.
A noção da existência da América estava expressa em alguns mapas e livros, mas o advento do fechamento da sociedade em feudos e as dificuldades de comunicação fizeram com que tais conhecimentos permaneceram ocultos da maioria.
Especificamente em Portugal, dado a guerra de reconquista, a pilhagem aos mouros proporcionou aos lusos um contato com livros escritos em árabe que continham informações valiosas sobre a América, Ásia e África.
Tratavam-se em sua maioria de traduções de obras gregas e latinas, hoje, em sua quase totalidade, perdidas.
A grande questão é que, enquanto alguns letrados e particularmente os níveis mais altos da nobreza portuguesa possuíam uma visão mais condizente com a realidade, imperava junto à maior parte da população um quase total desconhecimento acerca de tudo além e aquém da Europa.
A ignorância cartográfica chegava a se estender a alguns lugares mais afastados ou isolados dentro do próprio continente.
Dentro deste contexto, a igreja Católica, em plena fase de expansão e consolidação de seu rebanho, desde a queda do Império Romano, procurou fazer uso da ignorância reinante entre povo para reforçar relatos míticos que servissem a comprovação de seus dogmas ou a seu propósito de conversão.

Como o conhecimento cartográfico se perdeu?
Muitos pergaminhos gregos contendo importantes informações científicas foram simplesmente apagados, em uma época em que o papel era valioso e escasso, para dar lugar à transcrição de trechos bíblicos ou tratados teológicos.
Era então usada uma técnica que reaproveitava o papel dos pergaminhos antigos, transformando-os em material a ser reutilizado em fólios medievais.
Atualmente, graças à evolução tecnológica, partes destes textos antigos começaram a ser recuperados por meio de uma técnica que consegue ler eletronicamente o texto apagado sem danificar o que foi escrito por cima, que ironicamente terminou por adquirir também seu valor histórico.

A mentalidade quinhentista.
Para os homens que viveram na época da transição da Idade Média para a Moderna, o possível não se distinguia do impossível, com freqüência, em nome da experiência de outrem, de alguém digno de fé, de quem se ouvia uma história sobre monstros, criava-se uma imagem aterrorizadora do desconhecido.
Neste período, todos viviam em um mundo de mais ou menos, de ouvir dizer, quando o Oriente era considerado como confins da Terra.
Entretanto, não obstante ao fato de obras valiosas terem se perdido por serem considerados textos escritos por pagãos ou ainda por contrariarem a ordem que se queria estabelecer, parte do legado antigo foi preservado em alguns mosteiros de orientação menos ortodoxa.
A maior parte dos textos antigos sobreviveu graças às traduções árabes dos textos em grego, contudo, o acesso a este conhecimento, como já mencionado, era restrito e na maior parte dos casos combatido ferozmente pela igreja, quase sempre com o apoio do Estado.

Perseguições e avanços.
Não por acaso, filósofos e cientistas, ao longo de toda Idade Média, sofreram retaliações variadas, tendo suas obras censuradas, sendo presos e mesmo queimados como hereges por defenderem idéias cuja uma parte considerável do clero, do poder estatal e da comunidade científica sabia estarem corretas.
Desde pelo menos Eudoxo (400-347 a.C.), discípulo de Platão, tinha-se em conta, por exemplo, que a Terra era redonda e não plana.
Um conceito que foi confirmado por Aristóteles, filósofo que foi reabilitado pelo cristianismo e amplamente utilizado em defesa dos dogmas cristãos, dado, sobretudo, sua teoria acerca do geocentrismo, completada posteriormente por Ptolomeu.
Segundo este último, a qual a Terra seria o centro do universo, tese em conformidade com o teocentrismo cristão, para o qual Deus era o centro do universo.
Nada mais natural que todos os astros girarem em torno do local habitado pela principal criação divina, a mais significativa, aquela feita a sua própria semelhança.
No entanto, a despeito deste erro, Arquimedes (287-212 a.C.), criador do PI, usado para calcular a razão entre o perímetro de uma circunferência e o seu diâmetro, crente de que poderia calcular qualquer distância existente, teria chegado mesmo a um número bastante próximo do real diâmetro da esfera terrestre.
O que seria confirmado em 1231 pelo filósofo e médico muçulmano Ib Rushd, conhecido no ocidente como Averróis.
Ele deduziu e provou a partir dos antigos a esfericidade da Terra.
Todavia, a simples menção de que a Terra era redonda, afirmação também acompanhada do conceito de que a terra não era o centro do universo (heliocentrismo), valeu punições a Copérnico e Galileu.
O mesmo motivo que fez com que Colombo fosse taxada de louco por muitos de seus contemporâneos, embora, quando de sua passagem por Portugal a procura de financiamento, as razões que levaram os lusos a recusarem seu pedido não tenha sido exatamente esta.
Ao contrário, alguns acreditam que tenha sido em Portugal que Colombo adquiriu os conhecimentos básicos que lhe permitiriam chegar a América.

O imaginário como obstáculo.
Apesar do pressuposto básico que nortearia as grandes expedições, a partir do século XV, fosse conhecido desde a antiguidade, como outras informações, esta também ficou confinada a um circulo restrito.
Em muitos Estados Nacionais em formação, tamanha foi a propaganda da igreja em contrário que até os elementos mais esclarecidos, leiam-se aí aqueles com acesso aos meios de informação da época, passaram a acreditar firmemente nos mitos populares sobre o Mar Tenebroso acabando em um abismo.
Na península Ibérica, devido à forte religiosidade de seu povo, este imaginário negativo, como em outras partes da Europa, enraizou-se e persistiu por muito tempo, resistindo à transição da Idade Medieval para a Moderna.
No caso especifico de Portugal, não se poderia esperar nada diferente, pois, enquanto toda a Europa se entregava ao cartesianismo (doutrina filosófica-cientifica criada pelo filosofo francês René Descartes no século XVII), os portugueses continuavam a seguir os velhos e ultrapassados manuais baseados em Aristóteles.
O atraso português, por este prisma, era muito grande frente às outras nações européias.
A estagnação das ciências não ligadas ao aperfeiçoamento da indústria náutica terminou por refletir diretamente na mentalidade portuguesa e, consequentemente, no imaginário popular.
É mesmo surpreendente que uma nação com tais características tenha conseguido superar o medo do suposto desconhecido, uma vez que a carga negativa acerca do Mar Tenebroso constituiu um grande problema ao recrutamento de voluntários dispostos a se engajarem na empreitada marítima lusitana.
Não fosse o imaginário popular ibérico, a rota comercial para a Índia poderia ter sido aberta muito tempo antes do que concretamente aconteceu.
Excetuando-se os obstáculos naturais, tais como as correntes marítimas e a direção dos ventos, era justamente o imaginário que impedia os portugueses de colocar em marcha a expansão ultramarina.
Fazia-se necessário expurgar as fantasias da coletividade, o que se começaria a acontecer depois da passagem do cabo Bojador, em 1434, após várias tentativas, por Gil Eanes, um escudeiro do Infante D. Henrique.

Mudando a mentalidade.
Antes do feito de Gil Eanes, segundo palavras de um cronista da época, os marinheiros se recusavam passar para alem do cabo Bojador, não por míngua de fortaleza nem de boa vontade, mas pela novidade do caso, misturado com geral e antiga fama, a qual ficava já entre os mareantes de Espanha, quase por sucessão de gerações.
Ninguém queria por sua vida em semelhante aventura, pois se tinha em mente que, ir além dos termos impostos pelos padres, poderia significar a perdição das almas juntamente com os corpos.
Diziam os mareantes que depois do cabo não haveria gente nem povoação alguma, a terra não seria menos areosa que os desertos da Líbia, onde não haveria água, nem arvore, nem erva verde e o mar seria tão baixo, que a uma légua de terra não haveria de fundo mais que uma braça.
Para além destes impedimentos, na concepção popular, ao passar o Bojador às correntes seriam tamanhas, que navio que lá passe, jamais poderia tornar.
De modo que aqueles que se dispunham a tripular os navios enviados para cruzarem esta barreira psicológica, diante do medo de cair em um abismo, ou mesmo, no caso de alguns homens mais esclarecidos, de encontrar correntes contrarias que impossibilitassem o retorno a Portugal; sempre no último momento, acabavam por desistir de sua missão.
Em casos extremos, várias tripulações chegaram a insubordinarem-se contra comandantes mais ousados ou corajosos que tentaram levar a termo sua missão.
Na verdade, até o advento do estabelecimento da Carreira da Índia, apesar da abundância de desocupados nos centros urbanos, por conta também do imaginário popular negativo acerca do Mar Tenebroso, mas, igualmente, pelo receio de viver a história de privações e brutalidades que se sabia serem corriqueiras a bordo dos navios, a carência de mão de obra foi sempre um problema a ser contornado.
Embora a fome e a violência fossem constantes na vida dos desocupados urbanos, não havia nenhum tipo de atrativo, em pleno século XV, na vida no mar.
O risco era grande demais, sem que, em contrapartida, existisse qualquer tipo de compensação àqueles que conseguissem sobreviver ao regime de pão e água das caravelas lusitanas.
Foi por este motivo que, precisamente, um escudeiro do Infante precisou vencer seus próprios medos e, mais do que isto, convencer sua tripulação da necessidade de prosseguir, vencendo a primeira grande barreira psicológica imposta pelo medo de cruzar o Bojador.
No entanto, o medo do desconhecido havia enraizado no imaginário do povo miúdo o medo não só de perder o corpo como também a alma.
A imagem que se tinha do desconhecido, como vimos, não era a imagem de um vazio desprovido de juízo, mas sim a imagem do próprio inferno desprovido de retorno.
Mesmo com o feito de Gil Eanes, o homem comum continuou a desconfiar da veracidade de seu relato, os mitos acerca do Mar Tenebroso tinham raízes profundas e não tão fáceis de ser arrancadas a força pela Coroa, fazia-se necessário combater o mítico com o mítico.

O mito do Prestes João.
No âmbito de um contexto povoada de monstros e monstruosidades, o mito do Prestes João em conjunto com outros de menor envergadura passaram a ser utilizados para atrair mão de obra à empreitada marítima.
Era a única saída, já que, apesar da já mencionada grande quantidade de homens desempregados a perambularem pelas cidades, dado o êxodo rural verificado desde pelo menos o final de trezentos, intensificado no decorrer do século XV, a Coroa encontrou dificuldades no recrutamento voluntário de marinheiros para tripular suas caravelas.
Embora os lusos houvessem se lançado a aventura marítima em busca do lucro, buscavam também aliados em sua luta contra os infiéis.
É exatamente atendendo este anseio que a lenda do reino do Preste João se encaixou perfeitamente.
Segundo o mito, um poderoso reino cristão estaria situado entre a Etiópia, a África Oriental e a Índia.
Este reino poderia ser um aliado em potencial dos portugueses, o que exerceu um grande fascínio sobre o imaginário popular e estimulou os lusos a rumarem cada vez mais longe em suas explorações marítimas, sempre, esperando encontrar o Prestes João ao dobrar da esquina.
Segundo o historiador inglês Charles Ralph Boxer, forçados ou não, os relatos do Prestes João chegaram até Portugal através de monges e peregrinos por volta de 1402.
As versões mais extravagantes da lenda davam conta que comiam a mesa de esmeraldas do soberano 30.000 pessoas, sentando-se ao seu lado direito trinta arcebispos e ao seu lado esquerdo vinte bispos.
Entretanto, mais tarde, a existência deste reino acabou sendo realmente confirmada, ele existia.
Porém, tal reino praticava um tipo de cristianismo muito mais próximo ao ortodoxo do que ao romano, era ainda mais pobre do que Portugal.
Quanto aos relatos de Marco Polo, circularam muito mais entre os espanhóis do que entre os portugueses.
Em Portugal o relato de caráter mítico de maior circulação foi realmente o do Preste João.
Na verdade, confluíram dois mitos diferentes que, muitas vezes confundidos, exerceram grande estímulo a busca dos portugueses por um caminho marítimo por mares nunca dantes navegados.

Os cristãos de São Tomé.
Antes da chegada do mito do Prestes João em Portugal, circulava, desde muitos séculos, na Península Ibérica, a lenda dos cristãos de São Tomé, uma comunidade fundada pelo próprio apóstolo no Oriente que remontava ao inicio do cristianismo.
Segundo consta, toda velha tradição teria sido divulgada por meio das apócrifas Atas de Tomé, um tratado gnóstico escrito em siríaco (um dialeto aramaico), no inicio do século III, em Edessa (atual Urfa, no sul da Turquia), na altura o centro da cristandade siríaca e mais tarde da heresia nestoriana.
Embora os fragmentos das Atas que sobreviveram até nossos dias não passem de revisões católicas do texto gnóstico, John Villiers, professor do departamento português do colégio Real da Universidade de Londres, estudando o tema, chegou à conclusão de que teria circulado por Portugal uma versão bem especifica do mito.
Segundo esta versão, após a Crucificação, os apóstolos teriam distribuído entre si as diferentes partes do mundo para desenvolverem as suas missões, a Índia ficou entregue a Tomé.
Este, apesar de mostrar-se relutante em partir, argumentando que seu estado de saúde não era o melhor e que só sabia falar hebraico, depois de uma aparição de Jesus, terminou sendo vendido pelo próprio Messias como escravo a um mercador indiano chamado Habban, que tinha sido enviado à Palestina pelo seu senhor, o rei Gondofares, em busca de um carpinteiro para construir o seu novo palácio.
As Atas dão conta de que Tomé foi encarregado de construir o palácio, tendo-lhe o rei dado, para a tarefa, uma avultada quantia de dinheiro, mas, em vez de utilizá-lo na construção do palácio, distribuiu o dinheiro pelos pobres.
O que enfureceu de tal forma Gondofares que mandou açoitar e prender Tomé, ao mesmo tempo em que seu irmão Gad morria de desgosto ao ver este desperdício de bens reais.
Na sua subida ao céu, Gad viu um belíssimo palácio que lhe disseram pertencer a Gondofares e ter sido construído por Tomé.
Gad pediu então permissão a Deus para regressar a Terra e informar o irmão da magnífica residência que o aguardava na vida seguinte.
Recendo a noticia em sonho, Gondofares ficou tão impressionado com estes acontecimentos milagrosos que libertou Tomé e converteu-se ao Cristianismo, juntamente com muitos dos seus súditos.
Depois do ocorrido, Tomé teria sido convidado para o reino de outro governante indiano chamado Mazdai, onde converteu a rainha Tertia e o seu filho Vizan e pregou o celibato com tanta eloqüência que Tertia negou seu leito a Mazdai.
Assim, Tomé atraiu sobre si a ira do rei, que mandou quatro soldados armados de lanças para o matarem, numa montanha dos arredores da cidade.
Morto, Tomé teria sido sepultado nos túmulos dos antepassados do rei Mazdai, por Visan, a quem ordenou diácono, e por um indiano de nome Sifur, a quem ordenou padre.
Mais tarde sua sepultura teria sido aberta, ao que se descobriu que os ossos tinham sido removidos por alguns dos seguidores do Santo, os quais os tinham retirado secretamente e levado para as regiões do Ocidente, ou seja, de volta para Edessa.
Ao passo que Mazdai teria se arrependido e, tal como Gondofares, abraçado o Cristianismo, no que teria sido seguido por muitos dos seus súditos.
Até que ponto o relato encontra correspondência em algum foto verossímil é difícil precisar, contudo, existem provas arqueológicas que atestam a existência dos reis citados no período em que S. Tomé supostamente teria estado na Índia.
Além disto, relatos de cruzados e comentadores confirmam que cavaleiros cristãos visitaram o túmulo de São Tomé, ou que acreditavam ser dele.
Por esta altura o mito de São Tomé se cruza com o do Prestes João.
Pela tradição, segundo um relato anônimo de 1122, intitulado De adventum patriarchae indorum ad urbem sub Calixto papa segundo, certo patriarca João das Índias, leia-se aí do Oriente, teria viajado para Constantinopla, para receber o pálio de um patriarca ortodoxo grego e donde, acompanhado por embaixadores papais, passara à corte do papa Calisto II (1119-1124).
Em Roma, João das Índias tinha levado consigo notícias de uma cidade de nome Hulna, capital de um reino indiano situado num rio chamado Phison, que era habitado exclusivamente por cristãos, apesar de muitas das suas práticas não serem católicas.
 Nos arredores da cidade indiana cristã existiria uma montanha no meio de um lago, na qual estava edificada a igreja de São Tomé, o Apóstolo, onde suas relíquias mortais estavam conservadas.
A lenda contava que por altura do dia da festa de São Tomé, as águas do lago recuavam e os crentes reuniam-se na igreja para receber, milagrosamente, a Sagrada Eucaristia das mãos do Santo, que se recusava a administrá-la aos infiéis, aos hereges e aos pecadores, depois da festa, as águas regressavam e enchiam de novo o lago.
João das Índias era ninguém menos que o Prestes João, apesar da confusão geográfica, devemos lembrar que estamos abordando as mentalidades, o imaginário, o qual nem sempre encontra correspondência no real.

A busca pelo Prestes João
O nome Prestes João teria sido derivado do latim “Presbyter Iohannis”, cuja tradução literal seria Sacerdote João.
Uma carta falsificada do soberano enviada a Frederico Barba Roxa, forjada, ao que parece, por Cristiano, arcebispo de Mogúncia (1165-1183), teve ampla circulação em Portugal.
Este documento apresentava o Prestes como um soberano poderosíssimo, servido por um patriarca, doze metropolitas, vinte bispos, sete reis, sessenta duques e trezentos e sessenta e cinco condes, com um exército de 10.000 cavaleiros e 100.000 infantes.
Em seu reino não existiria mentira nem qualquer forma de malícia e, no leito dos rios do país, haveria pedras preciosas, possuindo suas águas o poder de curar todas as enfermidades.
Pouco importa a verossimilhança deste e de outros relatos míticos, seja como for, vários relatos se misturaram e foram transmitidos oralmente durante toda a Idade Média, confluindo com a lenda do Prestes João.
Enraizou-se no imaginário popular Ibérico uma imagem paradisíaca de um reino vasto, rico e poderoso que poderia tornar Portugal um grande Estado.
Não obstante ao fato do real reino do Prestes João ser ainda mais pobre que Portugal, bem como os cristãos da Índia existirem em número reduzido, em comunidades segregadas que viviam isoladas nas montanhas.
Segundo um índice cronológico anônimo, impresso em 1841, pertencente ao acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa, embora tenha sido D. João II um dos maiores incentivadores da expansão ultramarina, especialmente motivado pela busca do Prestes, “havia na Europa desde o século 12 a ideia vaga e confusa de hum príncipe mui poderoso d’aquelle oriente, que seguia e professava a religião christãa”.
Os lusos enviaram muitas expedições de missionários em busca do Prestes, mandando embaixadas a Pérsia, a Tartaria, a China e a outras terras Orientais, intensificando estas viagens terrestres a partir do século XIV.
É fato que os reis portugueses se valeram de mercadores judeus, conhecedores do árabe, para acompanhar missionários ao Oriente.
Estas embaixadas alcançaram tal sucesso que, mesmo depois de iniciada a busca de um caminho marítimo para a Índia, pela altura em que Bartolomeu Dias, em 1486, foi enviado a explorar a África, embaixadas continuavam mandadas em busca do Prestes-João.
Algumas chegaram até o Cairo e em Jerusalém, estima-se que talvez mesmo até a Índia.
Destarte, mito como do Prestes João e dos cristãos de S. Tomé estimularam as explorações ultramarinas, servindo para vencer a imagem negativa presente no imaginário popular.

Concluindo.
Em sua tentativa de encontrar o Prestes João e os cristãos de São Tomé, a Coroa portuguesa conseguiu vencer o imaginário popular negativo e adquirir conhecimento prévio das rotas comerciais e relações na Índia.
Os missionários e exploradores puderam transmitir informações para Coroa, facilitando a penetração lusitana em meio ao milenar comércio de especiarias, desde muitos séculos controlados por mercadores muçulmanos.
Todavia, talvez os portugueses nunca tivessem chegado ao Oriente e nem tampouco as explorações marítimas atingido o ritmo rápido que alcançariam, não fosse o poder régio ter tomada as rédeas do movimento em direção ao Atlântico.
 A manipulação do imaginário popular foi essencial para atrair voluntários dispostos a rumarem em direção ao desconhecido.
Os mitos fabulosos, combinados a audácia e coragem de alguns mareantes e aos relatos contados por aqueles que retornavam da Índia, conseguiram propiciar a Coroa a oportunidade de reverter o quadro negativo presente na mente da imensa maioria do povo miúdo.
A imagem a substituir os monstros enraizou no imaginário popular uma Índia onde os pagodes e as casas eram mais ricas que qualquer igreja de em Lisboa, sendo as mesmas todas cozidas em ouro de todos os quilates.
A cobiça dos portugueses foi aguçada em favor da empreitada ultramarina, que pensando em colocar as mãos nas especiarias e metais preciosos, passaram voluntariamente a seguir rumo à Índia, mesmo temendo por suas vidas.
Estava superado o medo do desconhecido e ao mesmo tempo resolvida à questão da mão de obra necessária.
Entretanto, devemos fazer notar que, mesmo superada a dificuldade imposta pelo medo do desconhecido, em vários momentos, nem sempre o recrutamento de tripulantes para servirem nos navios lusitanos foi voluntário em igual medida para todas as rotas abertas pela Coroa.
Os voluntários a se oferecerem, por exemplo, para tripularem a Carreira da Índia abundaram em determinado período, enquanto na mesma época tinham os marinheiros que ser recrutados à força para servirem na rota do Brasil ou nas Carreiras de África, sendo nestas rotas inclusive utilizada largamente à mão de obra infantil, do mesmo modo que a situação se inverteria parcialmente com o tempo.
Seja como for, mesmo temerosos, os lusos desbravaram o oceano passando a serem temidos, pois aprenderam inclusive e explorar as construções no nível do imaginário para tirar proveito de seus inimigos.
Prova disto é que quando Vasco da Gama chegou à Índia, passando por uma cidade ao norte de Calecute, chamada Pantalayini-Kollam, no dia 21 de maio de 1498, fez desembarcar um degredado de nome João Nunes, que foi interpelado por dois muçulmanos tunisianos que sabiam falar castelhano e genovês.
O dialogo que se seguiria sintetizaria o que estava por vir e os reais objetivos lusitanos.
O degredado ouviu dos muçulmanos a seguinte saudação:

“Ao diabo que te dou; quem te trouxe cá?
E perguntaram-lhe o que vínhamos buscar tão longe.
E ele respondeu: Viemos buscar cristãos e especiarias”.

A consolidação da presença lusitana no Oriente constituiria realmente um verdadeiro inferno para os nativos.
No entanto, não cabe analisar esta questão neste momento, esta já é outra história.

Para saber mais sobre o assunto.
RAMOS, Fábio Pestana. “A era das grandes expedições” In: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, Caderno Idéias, 22 de abril de 2000, p.04.
RAMOS, Fábio Pestana. “A História Trágico-Marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI” In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo, Contexto, 1999, p.19-54.
RAMOS, Fábio Pestana. “A superação de obstáculos puramente técnicos nas navegações portuguesas da Carreira da Índia” In: Revista Pós-História, volume 7. Assis, Dep. de História de Assis da Universidade Estadual Paulista (Unesp), 1999, p.135-156.
RAMOS, Fábio Pestana. “Navegação com engenho e arte” In: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, Caderno Idéias, 22 de abril de 2000, p.04.
RAMOS, Fábio Pestana. Naufrágios e Obstáculos enfrentados pelas armadas da Índia Portuguesa: 1497-1653. São Paulo: Humanitas, 2000.
RAMOS, Fábio Pestana. No tempo das especiarias. São Paulo: Contexto, 2004.
RAMOS, Fábio Pestana. “O Brasil entre a fronteira do real e do imaginário: o confronto cultural e militar entre índios e portugueses” In: Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, Dep. de História da PUC do Rio Grande do Sul, 2000.
RAMOS, Fábio Pestana. “O dia-a-dia numa caravela” In: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, Caderno Idéias, 22 de abril de 2000, p.05.
RAMOS, Fábio Pestana. “Os problemas enfrentados no cotidiano das navegações portuguesas da Carreira da Índia: fator de abandono gradual da rota das especiarias” In: Revista de História, n.º 137. São Paulo, Dep. de História da Universidade de São Paulo (USP), 2.º semestre de 1997, p.75-94.
RAMOS, Fábio Pestana. Por mares nunca dantes navegados. São Paulo: Contexto, 2008.

Texto:

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.




segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Historiografia e Temporalidades.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume nov., Série 01/11, 2010.


Pensar a historiografia é revisitar a cultura histórica, como lembrou José Jobson de Andrade Arruda, é “atravessar vários momentos de cristalização da instauração de linhas mestras interpretativas hegemônicas e hegemonizantes”.
O que implica em adentrar a construção do conhecimento histórico enquanto produção humana que reflete o tempo.
Como ressaltou José D’Assunção Barros, a história refere-se “sempre a certos processos da vida humana em uma diacronia – isto é, no decurso de uma passagem pelo tempo – ou que se relacionam de outras maneiras, mas sempre muito intensamente, com uma ideia de temporalidade”.
Tal como estabeleceu a linguística, também na história os termos sucessivos se substituem uns aos outros ao longo do tempo, tornando a historicidade uma sucessão de fatos, estudados através da sincronia, o entendimento das estruturas.
Entretanto, a narrativa da história estabeleceu, há séculos, escolhas que denotam posicionamentos interpretativos de análise do homem como ser histórico, circunscrito há um tempo e uma forma contextualizada de encarar a passagem do tempo.
Refletindo a própria essência do debate em torno da observação das mudanças e permanências, uma análise incorporada pela historiografia, quer como mero aspecto metodológico ou como objeto central de estudo.
Esta abordagem, por sua vez, remete ao próprio conceito de tempo adotado como escolha teórica, interferindo diretamente na forma como a história será interpretada e vinculada ao debate historiográfico.
Uma questão complexa, já que o tempo desdobra-se e volta-se novamente para dentro de si mesmo.
Isto porque a própria definição de tempo é variável, filosoficamente contentável por ser uma convenção determinada pela sociedade, cultura, economia e também historicamente composta, uma invenção que, no entanto, possui embasamento na percepção das transformações que se processam em volta daquele que observa.
Neste sentido, a temporalidade, como produção humana, é uma ferramenta da história, mais visível como referência expressa em calendários e cronologias, demarcando os anos e séculos, situando acontecimentos, ajudando a organizar as narrativas históricas para facilitar o entendimento da passagem do homem pelo tempo.
Entretanto, dependendo da escola ou corrente historiográfica, para além desta conceituação de senso comum, a percepção das temporalidades interfere diretamente na concepção de história, na abordagem e escolha dos fatos que o historiador julga relevantes para incorporar ao conhecimento de sua competência, modificando o entendimento do passado e, porque não dizer, do próprio presente.
Portanto, assim como, contemporaneamente, nenhum historiador pode furtar-se de conhecer a historiografia, categorizada por Guy Bourdé e Hervé Martin como o exame dos discursos de diferentes historiadores e a analise de seus conceitos e métodos; a compreensão das temporalidades, incorporadas às narrativas históricas, é essencial para entender o que os historiadores entendem por história.
O grande problema é que cada Escola ou corrente teórica possui noções de tempo implícitas, autoinfluenciando-se mutuamente. Sendo inviável realizar um trabalho mais aprofundado neste momento, porém, é factível abordar uma amostragem que possibilite notar a grande importância deste componente no âmbito da teoria da história.
Permitindo traçar uma linha mestra que conduza até o atual interesse da historiografia pela abordagem conceitual das temporalidades.

O tempo na história.
Na história, o tempo aparece sob as mais diferentes formas, é uma conseqüência, uma variável que integra a definição de realidade, embora não reflita um conceito absoluto.
Já a temporalidade, entendida como percepção da passagem do tempo, demonstra uma dimensão que reconfigura os fatos.
No entender de Paul Ricoeur, o tempo é um processo social intuitivo que progride com o amadurecimento psicológico do sujeito que supõe sua especificidade.
Remetendo a uma constante reconfiguração da definição de tempo.
Este conceito, aplicado ao conhecimento histórico, suscita um duplo questionamento: primeiro sobre a natureza do que se entende como tempo e depois como isto se articula com as temporalidades.
Em linhas gerais, o tempo pode ser entendido como físico, social ou histórico.
Uma visão objetiva, vinculada com as ciências biológicas e a psicologia, defende a idéia de que a realidade do tempo é apenas uma percepção sensorial, não sendo, portanto, uma criação intelectual do homem.
Por outro ângulo, para as ciências sociais, além do tempo existencial percebido, existe também um “tempo do relógio”, este sim uma convenção humana.
Sendo uma invenção sociológica, o tempo é uma instituição que se constrói conforme a natureza da sociedade, assumindo funções precisas para organizar a coexistência entre as pessoas e a divisão de tarefas.
Analisado pelo viés filosófico, na antiguidade, o tempo foi concebido por Platão como um acontecimento anterior a um posterior, mera conseqüência com limites apenas vagamente definidos.
Um conceito que trazia implícito tanto o tempo físico como o social, à medida que utilizado como base para medir as épocas do ano, o momento de semear e colher, as épocas da paz, das guerras e dos heróis.
Para Aristóteles, a idéia de tempo só pode existir se admitido antes o conceito de movimento, alterações de estado, transformações perceptíveis, as quais podem ser aplicadas também ao aspecto físico e social, já que constitui uma referência para homem balizar suas opiniões.
Concepções que se tornariam preponderantes no mundo Ocidental até o século XVI, quando o tempo assumiu uma magnitude uniforme e homogênea, convertendo-se em pura unidade de medida para o entendimento do mundo físico, sendo deixado de lado seu viés social.
Isaac Newton reforçou esta ideia no século XVII, quando, em 1686, publicou Princípios Matemáticos da Filosofia Natural.
Na obra, ele distinguiu “o tempo absoluto, “verdadeiro e matemático, por si próprio e por sua própria natureza, [fluindo] de maneira uniforme sem relação [com] qualquer coisa externa”; do “tempo relativo, aparentemente comum (...), uma medida sensível e externa da duração do movimento (...), comumente usada ao invés do tempo verdadeiro[,] tal como uma hora, um dia, um mês, um ano”.
O que, simultaneamente, inaugurou uma noção de linearidade do tempo, sempre em constante fluxo, com começo, meio e fim; medido pela observação das mudanças, ou seja, através da sucessão de fatos, cujas conseqüências chegam até tudo que pertence ao mundo natural.
No final do século XIX, Henri Bérgson prosseguiu na mesma linha de raciocínio, definindo o tempo como uma espécie de mudança que se encontra em tudo aquilo que passa, em oposição à eternidade, retomando o conceito grego, remetendo ao deus Cronos, aquele que conduz as coisas à maturidade.
Esta sucessão de fatos como medida, originou, na historiografia, a temporalidade linear, a crença que a narrativa histórica precisa ter um inicio e um final, a qual se tornaria predominante no Ocidente, em oposição ao tempo cíclico, mais comumente adotado no Oriente e na Mesoamérica pré-colombiana.
Dentro desta concepção cíclica, não há um inicio para a história, mas vários, com fatos que se sucedem e repetem constantemente, assim como o sol nasce a cada dia no horizonte depois de ter se posto no final da tarde do dia anterior.
Este conceito de ciclo seria parcialmente incorporado no tratamento das temporalidades pela história econômica, no inicio do século XX, onde, mesclado a tradição de tempo linear, iria compor explicações que defendem o conceito de “forças que interagem entre diferentes elementos que compõem [um] sistema”, repetindo dinâmicas com alternâncias de produtos cultivados ou negociados também no centro dos acontecimentos sociais, políticos e culturais, tal como o ciclo do pau-brasil, da pimenta, do açúcar ou do café.
Na historiografia portuguesa, foi João Lúcio de Azevedo, em seu Épocas de Portugal Económico, publicado em 1928, o primeiro a pensar em ciclos econômicos, sucessivamente.
Uma abordagem, posteriormente, em 1953, criticada por Vitorino Magalhães Godinho, para quem “a idéia de ciclos dominados cada um por um produto não [deixaria] de falsear um pouco a realidade, dando dela uma imagem demasiado esquemática, demasiado simplista”.
Destarte, a partir da tradição inaugurada por Azevedo, as explicações da história, através do conceito de tempo cíclico, influenciaram fortemente a historiografia brasileira na década de 1950, representada por obras de teóricos como Celso Furtado.
Continuando presente implicitamente ainda hoje, tendo sido, anteriormente, incorporada em clássicos da historiografia, como, por exemplo, Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808) de Fernando Novais ou A Bahia e a Carreira da Índia e O sistema colonial de José Roberto do Amaral Lapa.

O tempo histórico e as temporalidades.
Ao lado do tempo físico e social, como conseqüência do cruzamento de conceitos, o tempo histórico nasceu em decorrência da percepção das mudanças.
A consciência de que o ser está inserido no tempo, mudando e amadurecendo constantemente, tornou a história indissociável do tempo.
O próprio conceito de história está inserido no conceito de tempo, sendo interdependentes e explicando-se mutuamente, conduzindo implicitamente a historiografia a refletir sobre a temporalidade desde seus primórdios, embora a atenção direta sobre a questão tenha se tornado mais abundante somente a partir do século XX.
Entretanto, uma das primeiras reflexões explicitas sobre o tempo histórico foi realizada na Idade Média por Breda, um monge inglês que escreveu, no ano 703, a obra Temporibus (traduzida para o inglês como On time), onde processou um estudo sobre o computus, as datas e o calendário, discutindo a presença de sua influencia nas cronologias, as famosas coletâneas de fatos narrados pelos historiadores do período.
Até este momento, dentro do âmbito da linearidade, o tempo histórico assumia como fato constatável àquilo que era imutável, a verdade estabelecida e aceita como tal, incorporada às cronologias que davam conta da ascensão e queda dos grandes impérios, da vida dos príncipes, reis e santos.
A atenção de Breda sobre a questão não mudou imediatamente a percepção temporal, mas levou os historiadores a começarem a refletir sobre a relação entre a historicidade e temporalidades, passando a notar que, mais que as permanências, sendo a história pura mudança, seria necessário dar atenção também aos mecanismos de transição.
Gradualmente, o tempo histórico passou a ser mensurado por diversos procedimentos, invertendo a lógica da história como produto do tempo para o tempo como criação da história, uma convenção humana variável. As temporalidades, inseridas na análise dos fatos históricos, tornaram-se provisórias, em conformidade com o contexto vivido no presente.
A modernidade inaugurou as filosofias da história, fazendo com que, no século XVIII, quando Kant escreveu a Critica da razão pura, defendesse a idéia de que não podemos conhecer a essência dos fenômenos, à medida que conhecemos através da experiência, tendo apenas sensações acerca da realidade; sendo possível, portanto, conhecer apenas representações dos fenômenos fornecidas pelos sentidos.
Para Kant, o mundo conhecido não é tal como ele é, mas sim uma representação, ou seja, o mundo é tal como parece em um tempo e espaço especifico e único.
Assim, ao questionar a realidade, Kant terminou por estabelecer uma critica ao conceito de historicidade humana, colocando em dúvida a própria capacidade de conhecer da historia; reduzida, mais tarde, com a Critica da razão prática, quando procurou dar conta das questões metafísicas, a uma obra da providência.
Posição diametralmente oposta a de Hegel, para quem o conhecimento de qualquer fenômeno seria sempre histórico, circunscrito em um tempo e espaço, possível de ser conhecido apenas através da história, de onde derivaria, posteriormente, o historicismo marxista, sustentado pela idéia hegeliana de progresso e revolução, desenvolvimento e evolução.
Na realidade, foi o iluminismo oitocentista que inaugurou a visão progressista da história, a idéia de que os fatos históricos deveriam ser selecionados como relevantes em função da perspectiva evolucionista, tomando como base as mudanças ao longo do tempo sempre como qualitativas.
Um conceito que conduziu a fixação de uma miopia etnocentrista, antagonicamente inspirada por pensadores ilustrados, como Turgot e Condorcet, os quais iniciaram uma tradição Ocidental de análise da história da humanidade classificada em estágios culturais, fixados entre sociedades primitivas e as civilizações complexas, como se existissem degraus pelos quais os povos devessem escalar para atingir a modernidade.
A visão etnocêntrica iluminista reduziu toda a espécie humana a parâmetros únicos que deveriam servir obrigatoriamente de referência, tendo a Europa e sua história como modelo a ser adotado, o que originou também o eurocentrismo.
Ainda no século XVIII, o conceito de evolução ganhou contornos naturalistas com o francês Lamark, popularizando-se no século XIX com Charles Darwin e sua teoria da evolução das espécies através da seleção natural, o que terminou transposto para positivismo histórico e a escola metódica, os quais também adotaram a temporalidade linear evolucionista em suas narrativas.
O positivismo de Comte procurou encontrar, no estudo da história, leis que regulassem o desenvolvimento humano, permitindo contextualizar os fatos do presente, originando uma hierarquia para justificar o colonialismo cultural.
Enquanto a escola metódica, encabeçado por Leopold Von Ranke, supervalorizou o Estado Nacional, defendendo a ideia de objetividade do conhecimento histórico, acrescentando a xenofobia nas narrativas históricas.
O século XIX deu inicio também, a partir dos estudos sociológicos e antropológicos, duas ciências então nascentes, a trabalhos que debateram o tempo como construção mitológica e simbólica da regulação temporal, potencializando uma visão critica do tempo histórico.
Na primeira metade do século XX, consolidando está nova tendência, o pensamento de Martin Heidegger influenciou os historiadores a repensarem a questão das temporalidades.
Em alguns textos, Heidegger defendeu a tese de que não haveria temporalidade absoluta, sendo que a percepção do tempo histórico se faria a partir do futuro, portanto, fenômeno inerente puramente ao presente.
Igualmente, a temporalidade como categoria de vida, concebida por Wilhem Dilthey, também se faria presente na historiografia do século XX.
Para ele, as pessoas seriam por natureza seres temporais, uma vez que experimentam o tempo com base nas conexões entre passado, presente e futuro.
Para Dilthey, os sujeitos respondem ao presente relacionando-o com experiências passadas e antecipando o futuro, compreendendo como vivem em função do tempo, através da autoreflexão, produzindo o material que os historiadores chamam de fontes.
As idéias Heidegger e Dilthey seriam incorporados aos debates em torno das temporalidades, fomentando estudos entre os historiadores da Escola de Annales, quando a influencia da percepção da passagem do tempo ganhou um vulto ainda maior, inserida nas discussões metodológicas, na investigação sobre a natureza da história e na critica ao anacronismo.

Temporalidades historiográficas.
Embora a representação do tempo, presente na historiografia, seja quase sempre linear, como lembrou Jose D´Assunção Barros, “os historiadores mais tradicionais nos seus modos de escrever a história esquecem-se de que, ao elaborar o seu texto, eles mesmos são os ‘senhores do tempo’ - isto é, do seu ‘tempo narrativo’ - e de que não precisam se prender à linearidade cronológica e à fixidez progressiva ao ocuparem o lugar de narradores de uma história ou ao se converterem naqueles que descrevem um processo histórico”.
Uma ideia hoje mais aceita e debatida do que em um passado recente, mas que começou a ser discutida com maior veemência apenas quando a historiografia incorporou a questão ao criar novas formas de narrativa para a história.
Uma observação ressaltada por José Carlos Reis, quando desenvolveu a hipótese de que “o conhecimento histórico só se renova, uma ‘nova história’ só aparece quando realiza uma mudança significativa na representação do tempo histórico”.
Um destes momentos, talvez o mais significativo, foi justamente o surgimento da Escola de Annales, a qual representou uma renovação na prática historiográfica.
Foi graças esta corrente teórica que as problemáticas metodológicas e teóricas se tornaram dominantes no século XX, remetendo, a reboque, a discussão sobre as temporalidades historiográficas.
Foi na década de 1930 que Marc Bloch chamou atenção para o problema do condicionamento do historiador com relação ao tempo, ressaltando que não deveria ser considerado um anacronismo pensar a história através do presente.
Até aquele momento isto era negado por aqueles que achavam que a história era apenas um relato do passado.
Bloch desfez de uma vez por todas este equívoco, afirmando que o tempo é uma categoria básica para o historiador. Ao descrever a história como ciência dos homens no tempo, ele dizia que aquele que constrói narrativas sobre o passado, na verdade tenta entender questões do presente, pois não pode escapar de conceitos que são inerentes a sua própria época.
Em Introdução à História, o historiador defendeu a tese de que “seria grave erro julgar que a ordem adotada pelos historiadores nas suas investigações tenha necessariamente de modelar-se pela dos acontecimentos”, sugerindo um método de investigação histórica que recuasse ao passado a partir do presente, o que ele chamou de “método regressivo”.
No entanto, é interessante notar que, apesar da maneira inovadora de pensar, Bloch permaneceu preso a uma temporalidade linear.
Como historiador, as suas narrativas mantiveram a tradicional estrutura utilizada anteriormente pelos seus pares, a despeito das inovações advindas com Annales.
Pouco depois das reflexões de Bloch, representado a segunda geração de Annales, Fernand Braudel revolucionou de fato a abordagem do tempo pelos historiadores, com a publicação de O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II em 1949.
Na obra, ele demonstrou como era possível decompor o tempo da história em planos desdobrados: o tempo individual, o tempo social e o tempo geográfico.
No tempo individual estaria fixada a história não do homem como coletividade, mas do homem como individuo, com variações rápidas e dinâmicas, permitindo ao historiador observar os acontecimentos.
Exatamente o tipo de abordagem em que estaria concentrada a maior parte da historiografia, sendo o tempo da curta duração, de tudo que muda com muita rapidez, por isto, mais facilmente percebido.
O tempo social seria o plano pelo qual se pode observar a história social dos grupos e agrupamentos, pertencendo a uma história lentamente ritmada, circunscrita ao crescimento demográfico e da economia, elementos pertencentes a longa duração.
Seria, portanto, o tempo das estruturas que mudam com muita lentidão, fazendo quem a vivencia não se dar conta destas mudanças, neste sentido, assemelhando-se mais ao que, depois, convencionou-se chamar de média duração.
O tempo geográfico representaria uma história quase imóvel, que observa o relacionamento do homem com o meio que o rodeia.
Uma história que passa lentamente e sofre poucas transformações.
As regiões montanhosas e a população que lá habita, fornecem um bom exemplo desta temporalidade, mostrando o quanto, nesta dimensão, os costumes, ligados aos aspectos geográficos, pouco mudam, já que o ambiente que os rodeia também não muda, o que Braudel chamou de longuíssima duração.
Para ele, os historiadores concentravam sua atenção apenas nos processos da curta duração, deixando de lado as outras temporalidades, oferecendo apenas um vislumbre da história, sem conseguir chegar a nenhuma elucidação.
Para atingir o objetivo de ler o passado partindo do presente, seria necessário realizar macro abordagens, penetrando as três temporalidades. Somente assim seria possível tornar a escrita da história uma verdadeira ferramenta para desvendar o passado, clareando a noite como um vaga-lume.
Esta concepção braudeliana da temporalidade histórica tornou-se de fato um farol para gerações de historiadores, extrapolando as fronteiras da França para adquirir um significado mundial, sendo incorporada pela academia como um procedimento metodológico básico, influenciando toda a historiografia a partir de então.
Embora Ernest Labrousse e Pierre Vilar, como seguidores de Braudel, tenham dado continuidade às reflexões braudelianas sobre o tempo nos meios universitários, na década de 1960, Jacques Le Goff mudou parcialmente o foco da discussão, retomando a questão pelo ângulo anterior.
Quando tentou definir o trabalho do historiador e da memória, na mesma obra dedicou um largo espaço à discussão da natureza do tempo.
Ao estudar os calendários como sistemas de medida baseados nos astros, Le Goff concluiu que o tempo pode ser encarado como um objeto de manipulação do poder, já que o Estado os utiliza como meio para organizar a sociedade.
Para ele, estudando a história das civilizações, podemos notar que aqueles que detêm o conhecimento do calendário, controlam a vida social e econômica.
Esta reflexão conduziu ao retorno do questionamento sobre a natureza da história como construção operada pelos historiadores, uma vez que, contemporaneamente, são eles que detêm as temporalidades historiográficas.
Como ressaltou Edward Hallett Carr, os fatos não são averiguações da verdade, da mesma forma que as impressões dos sentidos não falam por si mesmas; os fatos só adquirem sentido quando o historiador recorre a eles e determina sua temporalidade.
Precisamente, os historiadores selecionam, interpretam e apresentam os fatos, conferindo-lhes sentido no tempo, determinando como analisá-los, encaixando-os em uma temporalidade.
Entretanto, ao fazê-lo, operam conforme seus próprios interesses e experiências, traduzindo a vontade de sua época e o conceito de tempo em que estão inseridos, criando temporalidades historiográficas especificas e que não refletem de modo algum a realidade concreta, antes, aproximasse mais de um anacronismo.
Uma discussão que têm se tornado cada vez mais pertinente no âmbito da historiografia.

O historiador e o tempo.
O historiador, não sendo um individuo isento de influencias as mais diversas, fruto de seu próprio tempo, necessita de técnicas que permitam tentar alcançar a objetividade cientifica na leitura e interpretação das fontes.
Poderíamos listar uma infinidade de técnicas utilizadas para ler os dados contidos nos documentos, algumas emprestadas por outras ciências, outras surgidas no seio da análise histórica, contudo, Jean Chesneaux sintetizou as mais usuais na sua obra clássica Devemos fazer tábua rasa do passado, a despeito de confundi-las por vezes com métodos e empregar técnica e método dentro da mesma acepção.
Segundo ele, toda análise histórica, obviamente a partir do século XIX, é tecnicista, busca uma abordagem profissional, sendo reflexo e sustentáculo da ideologia capitalista.
Dentro da amplitude deste pressuposto, é habitual observar que os historiadores, independente da corrente teórica ou orientação metodológica, em geral, utilizam a técnica de análise baseada na diacronia-sincronia, assim como a periodização e, por vezes, a quantificação.
Através da diacronia-sincronia, todo fenômeno histórico, expresso através da língua, é analisado simultaneamente em uma série vertical e horizontal; sua extensão na dimensão do tempo, a diacronia, permite observar as conexões, antecedentes e conseqüências; já sua relação com outras referências do conjunto que é contemporâneo, a sincronia, permite visualizar as implicações entre fatos aparentemente desconexos, mas que encontram relação, por vezes, diretas.
Assim, a diacronia possibilitaria perceber, por exemplo, o ideal cruzadístico de combate aos infiéis, circunscrito ao século XII, na península ibérica expresso pela reconquista aos mouros, como uma das causas que conduziram aos descobrimentos portugueses no século XVI, possibilitando ainda visualizar a colonização, o povoamento europeu, do Brasil, no século XVII, como um de seus desdobramentos.
 A sincronia, centrada também nos descobrimentos portugueses, por sua vez, permitiria notar que problemas internos na Espanha, ainda envolvida na guerra de reconquista no século XV, permitiram a primazia dos mares aos lusitanos.
Um refinamento da diacronia, a periodização é uma extensão da técnica, organizando as articulações em etapas, períodos que visam facilitar o estudo do fenômeno, criando compartimentos fechados envolta de momentos que parecem centrais dentro de cada etapa da história.
Uma técnica que foi reforçada pela prática pedagógica, especializando o conhecimento histórico, servindo de exemplo os estudos focados no renascimento ou na Idade Moderna.
Menos usual do que as técnicas qualitativas da diacronia-sincronia e da periodização, a quantificação; surgida, como ressaltou Jacques Le Goff, na década de 1960, a partir do estimulo da revolução tecnológica representada pela invenção do computador; passou a permitir estabelecer relações complexas, usando a estatística para chegar a conclusões palpáveis.
Quantificando o número de navios que circularam na rota do Brasil e da Índia, por exemplo, ao longo do século XVI e XVII, poderíamos vislumbrar o momento da viragem do centro econômico e social do Império português, provando, através da quantificação dos naufrágios, o peso deste componente no declínio do poderio lusitano no Oriente.
Entretanto, como lembrou Gramsci, cabe ressaltar que a história não pode ser reduzida a um cálculo matemático, ou ainda que a estatística mostra o caminho ao cego, mas não restitui a visão.
O que não invalida a técnica da quantificação e nem tampouco seus desdobramentos a história demográfica e a história serial, linhas de pesquisa que já foram tidas como concepções teóricas ou metodológicas, mas que na realidade constituem aprofundamentos da técnica.

Concluindo.
A constante referência ao tempo, dentro da ótica capitalista, quer seja pela falta dele ou pela impressão de sua passagem cada vez mais veloz, tendo a vida cotidiana das pessoas como base; tornou a reflexão sobre sua natureza um componente obrigatório na historiografia.
A história, enquanto uma discussão sobre a passagem de acontecimentos relacionados a espaço e tempo, neste sentido, inaugurou uma consciência temporal que tem penetrado na sociedade, passando a fazer parte da cultura.
Acontece que a percepção de tempo, incorporada e debatida na historiografia, é fruto, simultaneamente, da própria época vivida, do presente, como também do passado, de sua evolução ao longo dos séculos, compondo uma relação dialética e anacrônica.
O que altera continuamente nossa percepção do tempo tomado isoladamente, da temporalidade da história, da historicidade dos fatos do passado que chegaram até nós, do que vivemos hoje e daquilo que o futuro pode nos reservar.
É por isto que, em termos teóricos, a discussão em torno da historiografia e das temporalidades é um assunto essencial, não só para os historiadores, como para a sociedade como um todo.
Embora só possamos afirmar que esta questão só foi abordada superficialmente até o presente momento, restando à teoria da história fomentar novos debates e o aprofundamento dos estudos sobre a construção temporal das narrativas históricas.

Para saber mais sobre o assunto.
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Texto:

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.