Publicação brasileira técnico-científica on-line independente, no ar desde sexta-feira 13 de Agosto de 2010.
Não possui fins lucrativos, seu objetivo é disseminar o conhecimento com qualidade acadêmica e rigor científico, mas linguagem acessível.


Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Balanço do mês de novembro de 2012 - Para entender a história...


 

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol. nov., Série 30/11, 2012, p.01-02.

 

Após junho de 2012, a publicação esteve inativa até o inicio de 2013, neste momento (março de 2013) estamos ainda regularizando os volumes de novembro e dezembro para dar continuidade à periodicidade normal que será alterada para 4 publicações anuais, trimestrais, em 2013.

Existe um grande fluxo de artigo encaminhados para publicação e já aprovados pelo conselho editorial, pedimos paciência a todos.

Assim que publicado, o autor do artigo receberá uma notificação por e-mail.

Os artigos que serão publicados até dezembro não estão sendo revisados ainda pelo professor José Famir Apontes da Silva, especialista na área, dado a necessidade urgente de restabelecer o fluxo normal da periodicidade.

 
Em novembro de 2012 tivemos 148.795 acessos.

 
Neste mês, além do artigo assinado pelo editor, recebemos e publicamos os artigos de autoria de:

1. Adriana Costa, Licenciada em História pelo Centro Universitário Metodista do Sul – IPA; Pós-Graduanda em História Africana e Afro-Brasileira pela Faculdade Porto-Alegrense (FAPA) - Educação patrimonial através do turismo na cidade de Porto Alegre.

2. Wagner Pires da Silva, Administrador pela Faculdade Farias Brito e Graduando em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE); André Theóphilo Lima, Graduando em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE); e José Ribamar Ferreira Junior, Graduando em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) - Visões do Brasil holandês nas cartas tupi: a situação dos índios.

 
Aproveitamos a oportunidade para agradecer, como sempre, as colaborações e parabenizar todos que já participaram pelos textos, estendendo o convite aos demais leitores para remetam artigos para submissão.

Os interessados em colaborar com textos devem enviar artigos dentro dos parâmetros fixados nas normas de publicação disponíveis no link “Colaborações”.

Desde o mês de novembro de 2011, a sistemática de publicações foi parcialmente alterada, o editor passou a publicar apenas um artigo no inicio do mês, abrindo a edição do volume, independente do dia da semana, esporadicamente publicando outros artigos aos sábados.

As segundas-feiras e terças-feiras ficaram destinadas à publicação de colaborações, abrindo um espaço maior para divulgação de artigos de leitores.

As quartas-feiras e quintas-feiras ficaram reservadas para a publicação de artigos de membros do conselho editorial e convidados.

 
Agradecemos os leitores e desejamos um bom divertimento.

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Editor de Para entender a história...

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Visões do Brasil holandês nas cartas tupi: a situação dos índios.



Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol. nov., Série 12/11, 2012, p.01-13.

 

Fato singular na história brasileira a ocupação do Nordeste brasileiro pelos holandeses por 24 anos, tem suscitado pesquisas e debates dos mais diversos.

O período foi marcado pelas diferenças de posturas entre dois tipos de colonizadores: os portugueses, de religião católica e cuja empresa colonial baseava-se numa vida rural que dava pouca importância aos núcleos urbanos, e colonizadores holandeses, de religião calvinista, nitidamente urbanos, que tentaram comandar das cidades, as quais embelezaram e conferiram uma importância jamais imaginada pelos portugueses, a economia basicamente rural baseada no açúcar.

Religião, língua e costumes e interesses díspares minavam a pretensão holandesa no Nordeste.

Assentados a quase um século nas regiões açucareiras e constituindo a elite da sociedade instalada nessas regiões, os senhores de engenho portugueses não aceitavam o domínio holandês.

Schalkwijk (2007), alertando para essa animosidade, divide em seu artigo a história da ocupação holandesa em três períodos: sete anos de resistência portuguesa a invasão dos holandeses, resignação dos portugueses nos oito anos do governo de Nassau e os nove anos da guerra de restauração.

Buscando aliados contra os portugueses, fixados no Brasil há tanto tempo, os holandeses voltam-se para os índios, envolvendo-os numa guerra que tem um caráter tríplice: econômico, político e religioso. 

Vistos pelos índios como libertadores tanto o governo da Companhia, quanto a Igreja Reformada vão em busca dos nativos.

Tupis e tapuias passariam a empunhar suas armas ora de um lado ou de outro, buscando um arranjo que melhor atendesse aos seus interesses diante da guerra entre lusos e flamengos.

O documento utilizado neste trabalho remete a esse período da história e mostra que os índios tomaram como suas as questões que opunham portugueses e holandeses.

Descontentes com o trato que lhes era dispensado pelos portugueses, muitas tribos fizeram parte das forças holandesas que garantiram aos flamengos a posse do Nordeste por mais de duas décadas, e mesmo após expulsas as forças holandesas muitos índios travariam lutas contra Portugal em nome de sua Fé protestante.

 

AS CARTAS TUPI.

O documento de que trata este trabalho faz parte do conjunto de cartas chamado de Cartas Tupi (SCHALKWIJK 2004), trocadas entre os índios Pedro Poti e Felipe Camarão. Primos, esses indígenas se viam lutando em campos opostos durante a guerra para expulsar os holandeses do Brasil.

Escrita originalmente em tupi, a carta foi traduzida para o holandês e conservada na Col. Brieven en Papieren no vol. de 1645.

A carta foi transcrita pelo Dr. Pedro Souto Maior em seu artigo “Dois Índios Notáveis e Parentes Próximos”, publicado na Revista do Instituto Histórico do Ceará do ano de 1912, e é por meio deste artigo que tivemos acesso a esse documento.

A missiva é a resposta de Poty a Felipe Camarão, que lhe enviara insistentes pedidos para que, abandonando os holandeses, torne-se aliado dos portugueses. 

Na carta além de reafirmar sua lealdade a Holanda, Poty afirma-se cristão protestante e convida Camarão a vir juntar-se a ele e aos holandeses.

Por meio deste documento, este trabalho busca observar as diferenças de tratamento dispensadas aos índios por parte de portugueses e holandeses.

Os índios Poty e Camarão, chefes indígenas renomados, colocam-se em lados opostos e por meio de suas cartas buscam atrair-se mutuamente para sua causa, em seus argumentos expressam sua confiança na riqueza e força de seus partidos, na religião que professavam e acusam um ao outro de estarem a serviço dos invasores e daqueles que escravizam os índios.

É interessante notar que ambos não viram o fim da luta na qual se empenharam.

Felipe Camarão morreria após a batalha de Guararapes enquanto Pedro Poty, feito prisioneiro dos portugueses, negou-se a abjurar da religião calvinista, foi enviado a Portugal, para ser julgado pelo Tribunal do Santo Ofício e faleceu durante a viagem.

 

HOLANDA, PORTUGAL E O BRASIL: O AÇUCAR, RELIGIÃO E GUERRA. 

Entre 1630 e 1654 a Holanda por meio de sua Companhia das Índias Ocidentais dominou o Nordeste do Brasil.

A invasão e a conseqüente dominação holandesa dessa parte do Brasil de acordo com o historiador Ronaldo Vainfas (2009) teve como motivação principal interesses econômicos e políticos. 

Em 1580 as coroas portuguesa e espanhola foram unificadas sob o reinado do espanhol Felipe II.

A União Ibérica acabaria por envolver o Brasil nos conflitos de Castela (SCHALKWIJK 2004).

Os holandeses, que até aquele momento eram os grandes beneficiários do comércio açucareiro, viram-se privados do açúcar brasileiro.

Desde sua independência, em 1568, a Holanda estava em guerra com a Espanha, e esta fechou seus portos e o de suas colônias ao comércio flamengo, buscando enfraquecer comercialmente seus inimigos dos Países Baixos.

A invasão afigurou-se como a única forma de reaver o lucrativo comércio do açúcar. Travar-se-ia no Nordeste brasileiro uma “guerra pelo açúcar” no dizer de Evaldo Cabral de Melo Neto (APUD VAINFAS 2009), onde holandeses, espanhóis, portugueses, índios e negros lutaram pelo controle da rica região produtora de açúcar.

Buscando isolar a Espanha de suas colônias e das riquezas nelas produzidas as companhias de comércio holandesas traçam planos de conquistas das possessões portuguesas na Ásia e América por considerarem-nas os pontos mais vulneráveis das colônias espanholas (VAINFAS, 2009).

É nesta estratégia que se insere a ocupação holandesa do Nordeste.

Um empreendimento colonial levado a cabo por companhias comerciais que enfraquecia a Espanha e projetava a Holanda como potência européia.

 

Além dessa motivação econômica e política Vainfas (2009:147) completa:

Uma terceira motivação se destacou desde o início: o proselitismo religioso, uma vez que a bandeira do calvinismo, a “verdadeira religião cristã”, no dizer dos reformados, era traço definidor da identidade do Estado, uma confederação de províncias governada pela Casa de Orange que, apesar de conhecida por sua tolerância religiosa, não deixava de ser um Estado confessional, a exemplo dos demais Estados europeus do Ocidente.

 

Vainfas (2009) esclarece que, mesmo antes da invasão da Bahia a direção da Companhia colocava que um de seus deveres era a expansão da religião protestante, não só iriam privar a Espanha de suas riquezas, como também combater os papistas.

De acordo com Schalkwijk (2004) a história da Igreja Cristã Reformada, a Igreja oficial do Estado holandês, que se estabeleceu no Nordeste com a conquista e foi expulsa com os holandeses é um capítulo pouco conhecido da história.

Existiram 22 igrejas em todo o Nordeste, sendo a maior a do Recife.

A missão da Igreja Reformada em terras americanas, ciente do ódio que lhe devotava as populações católicas portuguesas como a religião dos invasores, optou por realizar seu trabalho entre os indígenas. Schalkwijk (2004) explica que “para os holandeses, as tribos aculturadas constituíam os brasilianos e as não subjugadas os tapuias”.

Tanto Schalkwijk (2004), quanto Vainfas (2009) concordam com Souto Maior (1912) no fato que o primeiro contato dos holandeses com os brasilianos foi logo após a expulsão dos holandeses da Bahia, quando a frota holandesa em fuga aportou na baía da traição e ao seguir viagem levou para Holanda seis índios. Um desses índios seria Pedro Poty.

Estes índios retornaram ao Brasil quando da ocupação holandesa e prestaram serviços valiosos aos holandeses na luta contra os portugueses e em conquistar novos aliados indígenas a causa flamenga.

Vista como a religião dos invasores, a população portuguesa na colônia permaneceu fiel ao catolicismo.

A Igreja Reformada pouco se empenhou em trabalhar com essa população e decidiu atuar junto aos índios utilizando o mesmo sistema de aldeamentos que os missionários católicos haviam utilizado com sucesso.

O trabalho dos missionários protestantes voltou-se aos brasilianos, e de acordo com Vainfas (2009), atuava em duas frentes, “de um lado, combater os resíduos da cultura tradicional entre os índios brasilianos... de outro lado, reorientar a cristianização dos índios”, segundo o calvinismo, uma vez que a conversão dos mesmos havia sido feita por missionários católicos.

Estabeleceu-se o paradoxo do trabalho da igreja reformada: destruir a obra jesuíta entre os índios e edificar-se sobre as bases inacianas. Vainfas (2009) chama a atenção para o fato de que em 1635, quando por meio do Acordo da Paraíba, concedeu aos católicos que desejassem viver sob domínio da Holanda, a liberdade religiosa, a Companhia permitiu que párocos e religiosos permanecessem em suas capitanias com exceção dos jesuítas, expulsos justamente por sua ação missionária junto aos índios.

É nesse contexto de expulsão dos jesuítas que aparece um importante personagem, Manoel de Morais. Mameluco, natural de São Paulo, estudou no Colégio Inaciano da Bahia, onde destacou-se como excelente aluno e expert na língua geral.

Devido a isso, Manoel foi indicado ao cargo de superior de um dos aldeamentos pernambucanos por volta de 1623 a frente do qual permaneceu até 1634.

Foi então que Manoel, cercado pelas tropas holandesas lideradas por Artichewski na Paraíba, rendeu-se ao conquistador, e ainda, forneceu importantes informações da localização de aldeamentos.

O jesuíta tornou-se calvinista, mudou-se para a Holanda, casou-se e teve filhos “serviu a WIC como funcionário remunerado, obteve grau de Teologia na Universidade de Leinden, foi processado à revelia pela Inquisição, queimado em estátua no ano de 1642” (VAINFAS 2009).

Antes de embarcar para Amsterdã, Manoel de Morais fornece aos holandeses dados sobre a população indígena.

Eram informações preciosas sobre os aldeamentos existentes nas capitanias conquistadas e por conquistar, permitindo-lhes melhorar e corrigir as informações que possuíam.

Quando se estabelece em Amsterdã passa a atuar como consultor da WIC para os assuntos indígenas brasileiros.

Sua participação foi efetiva na elaboração das estratégias de evangelização dos índios pelos holandeses.

O Plano para o Bom Tratamento dos Índios, escrito pelo ex-jesuíta, previa tratos diferentes para índios e negros. Deveria ser mantido o status quo para os negros, enquanto aos índios deveriam ter ampla liberdade.

Tais prerrogativas eram de grande alcance político.

Ao passo que defendia a manutenção da escravidão dos negros, garantindo adesão dos senhores de engenhos, visando a manutenção da produção do açúcar, por outro lado, ganhava a simpatia dos índios, levando-os a combater ao lado dos holandeses. 

O plano recomendava, também, que os holandeses reconhecessem as lideranças indígenas de cada aldeamento.

Segundo Vainfas, esse projeto de evangelização previa que os invasores aprendessem a língua dos índios, destacando que a catequese deveria concentrar suas ações nas crianças.

Mas, Manoel de Morais admitia que seu plano só lograria existo caso os jesuítas fossem expulsos do Brasil. Homem de grande perspicácia política, Manoel de Morais entendia que a religião era um meio essencial para que os holandeses consolidassem seu domínio e a sua aliança com os índios brasileiros.

 

O plano teve boa repercussão entre os dirigentes da Companhia das Índias:

(...) os diretores da WIC acolheram com entusiasmo o Plano de Manoel de Morais, sobretudo Joanes de Laet, padrinho do ex - jesuíta em sua nova vida. Joanes de Laet recomendou ao concelho politico a adoção do Plano, acrescentando que Manoel de Morais era 'homem muito experiente' mas matérias relacionadas ao 'governo dos índios tupi'. Considerou seu projeto 'mui útil' e ensinou que o próprio ex-padre poderia pô-lo em prática com sucesso. (VAINFAS 2009)

 
O plano foi de fato foi posto em pratica, no entanto, a sugestão de liderança de ex-jesuíta não foi aceita pelos demais dirigentes da companhia.

Diversos pontos essenciais foram levados em consideração pelos pastores holandeses, Vainfas destaca a “preparação de tradutores; a preservação da liberdade indígena; a ênfase na doutrinação dos africanos, ainda que na condição de cativos; o foco na catequese das crianças indígenas; a exclusão total dos jesuítas para abrir caminho livre aos predicantes calvinistas”.

 

Vainfas chama atenção para ratificação dos direitos dos índios sobre o domínio holandês no nordeste do Brasil:

Nas atas da assembleia foram confirmados importantes direitos dos índios fiéis, sancionados pelos diretores da Companhia da Índias (os Dezenove Senhores): liberdade dos índios, impedida a escravização deles; manutenção de mestres – escolas e pastores, nas aldeias, para doutrina da 'verdadeira religião cristã'(calvinista);

 
No fim, a evangelização calvinista dos brasilianos, significava, para a WIC, principalmente um instrumento de aliança política com fins militares, ao passo que os sínodos e consistórios priorizavam francamente os objetivos religiosos e missionários em si mesmos (VAINFAS 2009).

A verdade é que a atuação de Manoel de Morais, em 1635, é fundamental para a tratamento que o holandês mantinha com os índios brasileiros. Sua importância é inegável, ele é determinante para entender o porquê da utilização do modelo inaciano como modelo de evangelização dos holandeses reformados.

Embora aliados a Brasilianos e Tapuias, os holandeses não os tratavam e os viam da mesma forma.

O artigo de Chicangana-Bayona (2008) explica que os tapuias, tradicionais inimigos dos portugueses, foram valorosos aliados dos holandeses, mas diferente do que ocorria aos brasilianos, os holandeses pouco intentaram sua conversão.

Para eles os tapuias eram “relutantes à civilização, ou seja, ‘um mal necessário’ para os holandeses por ser aliados na guerra contra os Ibéricos”.

Cronistas da época citados pelos autores abordados afirmam que o ódio que os tapuias devotavam aos portugueses é que aproximou esses povos dos holandeses, no entanto os tapuias não aceitavam ser subjugados mesmo a esses aliados europeus, vivendo afastados do litoral, sem deixar de praticar seus costumes e nem se permitindo adotar costumes europeus.

Uma questão interessante levantada por Schalkwijk (2004) era a liberdade dos indígenas.

De acordo com este autor, desde o início de sua chegada os holandeses estabeleceram como princípio que os índios, aculturados ou não, deveriam ser livres e essa liberdade era um dos capítulos fundamentais da constituição do Brasil holandês e foi reafirmada nos Regulamentos de 1629, 1636 e 1645. 

De acordo com esses documentos oficiais a terra pertencia aos brasilianos, devendo os mesmos, portanto, ser tratados com respeito, não sendo escravizados e, se tivessem que ser utilizados em trabalhos quaisquer, deveriam receber pagamento pelo serviço. Schalkwijk (2004) complementa que não era apenas a necessidade de apoio na guerra, mas também uma empatia por se verem oprimidos pelos ibéricos que aproximavam holandeses e índios.

O autor relata ainda que índios que serviam como escravos dos portugueses foram libertados e levados para os aldeamentos organizados pela Igreja Reformada.

Em artigo posterior Schalkwijk (2007) afirma que no período de ocupação holandesa “os indígenas gozavam de todos os direitos humanos da época”.

Esta postura holandesa é defendida por trabalhos mais recentes como o de Schalkwijk (2004) e Vainfas (2009) e contradiz historiadores anteriores que afirmavam que não havia diferenças no trato e na situação dos índios sob a dominação de holandeses e portugueses.

Por exemplo, Sergio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, também fala das tentativas de atrair os indígenas para a fé reformada, mas completa que os holandeses escravizavam e vendiam índios brasileiros nas Antilhas.

Tema para uma pesquisa mais ampla, que ultrapassa os objetivos deste trabalho, a questão da condição do índio no Brasil holandês parece ser a chave para compreender o porquê das poucas deserções entre os índios que lutavam em ambos os lados: mesmo quando capturados esses índios iam até as últimas consequências em defesa de seus aliados.

Quanto aos negros a posição da companhia era pela manutenção de sua escravidão.

Alencastro (2008) informa que Nassau em seu primeiro relatório para a Companhia afirma que necessariamente deve haver escravos no Brasil e que todos os meios devem ser empregados para dominar o tráfico de escravos na Costa da África.

A menção dessa necessidade pelo governador, talvez esteja relacionada a resistência de alguns setores da sociedade calvinista a qualquer tipo de escravidão (SANTOS 2010).

Vencida essa resistência, o próprio Nassau envia do Recife as expedições que tomam dos portugueses as zonas fornecedoras do tráfico negreiro.

Antonio Paraupaba, outro capitão índio aliado aos holandeses escrevendo aos diretores da Companhia fala da participação dos índios brasileiros na expedição de 1641 “...E daí em diante constantemente juntaram as suas armas com as de V.as Ex.as para a destruição dos Portugueses, também fora do Brasil, até mesmo na África, na conquista de Angola, sob os estandartes de V.as Ex.as...” (HULSMAN 2006:56).

Pelas cartas trocadas entre Pedro Poty e seu primo Felipe Camarão, observa-se que, entre os dois, as posições religiosas e a questão do tratamento dispensado pelos europeus aos índios se torna o argumento principal de ambas as partes para permanecerem em posições opostas no conflito.

 

POTI, CAMARÃO E SUAS CARTAS.

Poty começa sua carta dizendo-se envergonhado por receber as missivas de outros índios e de Felipe Camarão, que lhe pediam para passar para o lado dos portugueses.

Aqui ele se coloca como fiel aos holandeses e afirma que lutando com os holandeses nada lhe falta e mais, que ele é mais livre do que os índios que estão entre os portugueses.

Tomando a defesa dos holandeses, o índio estabelece uma sutil diferença entre o trato os índios por parte dos lusitanos e por parte dos flamengos: que estes não escravizam, nem maltratam e nem assassinam os índios.

Segundo Poty os holandeses “nos chamam e vivem conosco como irmãos” e complementa “portanto, com elles queremos viver e morrer.”

Poty havia vivido na Holanda desde a expulsão dos holandeses da Bahia, quando junto com outros cinco índios, foi levado pela esquadra holandesa em fuga.

Conhecia a Constituição do Brasil holandês que determinava a liberdade de todos os índios escravizados pelos portugueses depois da partida da esquadra holandesa e devia ter sabido da libertação dos índios, que em Recife, permaneciam como escravos dos portugueses e que foram libertos por ordem do governo holandês em 1638.

Tais fatos explicam sua confiança na disposição holandesa quanto a liberdade indígena.

Relembra o episódio da baía da Traição, onde os índios, que haviam auxiliado a frota holandesa em fuga da Bahia, foram massacrados pelos portugueses.

Pedro Poty diz que esse é o comportamento padrão português e que após apossarem-se do país, todos os índios, tanto os que foram seus aliados, quanto todos os demais serão escravizados.

Neste ponto Poty parece certo: Schaljwik (2007), afirma que mesmo tendo os índios incluídos no perdão geral concedido na rendição, foram depois exterminados por expedições punitivas portuguesas, conhecidas como a guerra dos bárbaros, voltada segundo o autor para extirpar os remanescentes calvinistas entre os índios tapuias e brasilianos espalhados pelos sertões.

Passando a ofensiva, Poty faz então o pedido para que Felipe Camarão passe para o lado dos holandeses.

Aqui ele apela para a religião cristã, afirma ser melhor cristão que Camarão por não contaminar sua religião com a idolatria.

Poty completa ainda que sendo um bom cristão não se pode lutar ao lado dos portugueses por serem traiçoeiros e perjuros. A religião protestante fincou raízes profundas entre os índios brasilianos, Schalkjiwk (2007) relata que na Ibiapaba, após a expulsão dos holandeses, os padres relatavam que para os índios da região, os quais muitos haviam feito parte dos aldeamentos da Igreja reformada, a Igreja católica era uma igreja de moanga,uma igreja falsa e que “muitos deles eram tão calvinistas e luteranos como se houvesse nascido na Inglaterra ou Alemanha”.  

 

Vainfas (2009:160) também fala sobre os índios da Ibiapaba:

Anos mais tarde, ninguém menos do que padre Antônio Vieira ficaria estarrecido ao defrontar-se com índios tabajaras que, com a derrota holandesa, se haviam refugiado na serra de Ibiapaba, no Ceará. Ao constatar que os índios escarneciam das liturgias católicas, desprezavam a Virgem Maria e recusavam os sacramentos, a exemplo da confissão, Vieira não teve dúvida em dizer que aquele lugar era uma “Genebra dos sertões”.

 

Estes índios foram alvo de intenso trabalho missionário para que retornassem a Igreja católica, trabalho realizado pelos jesuítas estabelecidos nas missões da Ibiapaba.

Ainda de acordo com Schalkjiwk (2007), os poucos tapuias convertidos a fé reformada foram massacrados pelos portugueses na guerra dos bárbaros.

Educado na Holanda, faz questão de frisar para Felipe, que viveu na Holanda, podendo o mesmo concluir que Poty conhece a situação dos holandeses, passando a exaltar a sua força militar e dizendo que aguardavam uma grande frota de socorro aos holandeses que devia estar se aproximando de Pernambuco.

Nas palavras de Poty: “deveis reconhecer que o mar domina o Brasil.”

Poty demonstra conhecimento do que se passa no campo diplomático europeu, em que a Holanda contribuiu com sua frota para a manutenção de D. João de Bragança no trono português.

E se para manter a coroa teve que recorrer ao auxilio dos holandeses como poderia ter força para retomar as possessões na América e nas Índias?

Após discorrer sobre as recentes batalhas entre as duas forças beligerantes, ele torna a convidar Felipe a vir para seu lado e rispidamente diz que já na receberá mais cartas dele sobre o assunto de abandonar os holandeses.

Terminando a carta prometendo que seus encontros serão em campo de batalha.

A carta está datada de 31 de outubro de 1645. A carta seguinte de Felipe Camarão já não está mais dirigida a Poty, mas aos demais chefes indígenas aliados dos holandeses.

Nela o índio católico afirma não querer mais reconhecer a Poty “por este ter se tornado herege” (SOUTOMAIOR 1912).

A religião do conquistador europeu se impõe aos indígenas desfazendo mesmo as relações de parentesco.

 

CONCLUINDO.

Combatentes fervorosos os dois faleceram antes do fim da guerra de restauração.

Felipe Camarão faleceu em 1648 após a primeira batalha de Guararapes.

Em 1649, na segunda batalha dos Guararapes, Pedro Poty cairia prisioneiro dos portugueses. Schalkwijk (2004) relata que ele foi atirado em um poço de onde era retirado para que os padres tentassem fazê-lo abjurar da sua fé.

Seis meses depois ele foi enviado para o Santo Ofício em Lisboa, onde seria julgado por heresia, mas faleceria durante a viagem.

Longe de ser um caso isolado, Poty e seu martírio pela fé calvinista foi mais um dos casos frequentes naquela luta.

 

A devoção de Poty e de outros índios aos holandeses e a Fé reformada foi muito comum no Brasil e completa:

A guerra da restauração, sem dúvida, aproximou ainda mais os índios dos holandeses, e não é para menos que um dos motivos da persistência flamenga, encurralados durante nove anos, tenha sido o pacto com os brasilianos (SCHALKWIJK 2007:133).

Em 1654 quando os holandeses se retiraram do Brasil, a Igreja Reformada também chegou ao fim.

Durante anos os índios que auxiliaram os holandeses na luta pela posse da terra seriam ainda caçados, mortos e escravizados pelos portugueses, que não perdoavam o que eles consideravam uma traição.

Antonio Paraopaba, último regedor dos brasilianos holandeses, tentou, após a rendição dos holandeses, que estes enviassem auxilio a estes índios, no entanto não obteve sucesso apesar de ter enviado aos Estados Gerais duas representações pedindo o socorro holandês aos brasilianos, Paraupaba faleceu em 1656, nos Países Baixos, um ano antes de seu segundo requerimento ser lido nos Estados Gerais (Hulsman 2006).

Ainda de acordo com Hulsman (2006) a esposa dele recebeu da Companhia, pelos serviços prestados por seu esposo a soma de 50 florins.

As sementes de outra fé, diferente do catolicismo, foram arrancadas pela intolerância religiosa das autoridades portuguesas, pela pregação dos jesuítas e pelo extermínio dos indígenas.

 

PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO.

ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Com quantos escravos se constrói um país? Revista de História 10/12/2008. Disponível em http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/com-quantos-escravos-se-constroi-um-pais. Acessado em 18/05/2012.

CHINCANGANA-BAYONA, Yobenj Aucardo. Os tupis e Tapuias de Eckhout: o declínio da imagem renascentista do índio. Revista Varia História, vol. 24, nº 40: p.591-612, Belo Horizonte, jul/dez 2008. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/vh/v24n40/16.pdf. Acessado em 18/05/2012.

HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª edição. Companhia das Letras. São Paulo. 1995.

HULSMAN, Lodewijk. Índios do Brasil na República dos Países Baixos: As representações de Antônio Paraupaba para os Estados Gerais em 1654  e 1656.  Lodewijk Hulsman / Revista de História 154 (1º - 2006), 37-69. Disponível em http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/rh/n154/a04n154.pdf. Acessado em 20/05/2012


SANTOS, Thiago Cavalcante dos. Os Negros no Brasil Holandês. Revista Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 6, n. 1, p. 89-98, 2010. Disponível em http://seer.fafiman.br/index.php/dialogosesaberes/article/view/125/45. Acessado em 20/05/2012.

SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios protestantes no Brasil Holandês. História Viva. Nº 04. Ed. Duetto. São Paulo. 2004. Disponível em http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/indios_protestantes_no_brasil_holandes.html. Acessado em 17/05/2012

SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios evangélicos no Brasil Holandês. In Viver e Morrer no Brasil Holandês. Org. Marcos Galindo. Fundaj, Ed. Massangana. Recife. 2007.

SOUTOMAIOR, Pedro. Dois índios notáveis e parentes próximos. Revista do Instituto Histórico do Ceará. Fortaleza, 1912. Dísponivel em http://www.institutodoceara.org.br/aspx/index.php?option=com_booklibrary&task=view&id=466&catid=573&Itemid=72. Acessado em 07/05/2012

VAINFAS, Ronaldo. O Plano para o Bom Governo dos Índios: um jesuíta a serviço da evangelização calvinista no Brasil holandês. Clio - Série Revista de Pesquisa Histórica - N. 27-2, Recife. 2009. Disponível em http://www.ufpe.br/revistaclio/index.php/revista/article/view/10. Acessado em 17/05/2012

 

 

TEXTO:

Wagner Pires da Silva.
Administrador pela Faculdade Farias Brito.
Graduando em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).


André Theóphilo Lima.
Graduando em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).


José Ribamar Ferreira Junior.
Graduando em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Educação patrimonial através do turismo na cidade de Porto Alegre.


 

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Vol. nov., Série 05/11, 2012, p.01-15.

 

Em meados do século XX, com o surgimento do turismo cultural, há uma conscientização sobre a importância da preservação patrimonial.

A figura do turista alienado, em busca apenas do lazer, passa a dividir espaço com um turista modificado, preocupado com as questões sociais e que busca além do lazer o conhecimento, a sociabilidade e a troca de experiências culturais.

A preservação patrimonial se dá através da manutenção da identidade local.

A população receptora proporciona aos turistas o conhecimento dos seus bens, seja através da sua paisagem natural, dos seus monumentos ou simplesmente pelos seus costumes.

Esse conjunto de fatores favorece a interação social entre a população e o turista, pois o novo perfil do turista é caracterizado pela busca de novos conhecimentos que o faça refletir sobre a sociedade, e não apenas voltar para o seu lugar de origem com fotografias de paisagens conhecidas internacionalmente, sem ao menos saber a respeito da história local, saber o porquê tal monumento ou paisagem é histórica.

A constituição de uma identidade depende da preservação de lugares com suas evocações à memória.

Assim, a crescente preocupação com os efeitos do turismo está intimamente ligada ao patrimônio local.

O turismo em massa provoca sérios problemas caso não haja um planejamento eficiente, como o esgotamento dos bens naturais (no caso de uma cidade abrigar mais turistas do que o suportável) e a falta de cuidados com o patrimônio material.

Assim, este artigo pretende fazer uma reflexão a respeito do turismo em Porto Alegre e de que forma ele poderia estabelecer diálogo mais próximo com a ferramenta de educação patrimonial nas políticas para a capital gaúcha.

Levando em consideração que os debates sobre a globalização colocaram em evidência a crescente necessidade dos indivíduos e comunidade em afirmar suas origens, o turismo cultural entra com o intuito de aprofundar-se na experiência cultural.

Atualmente a crescente demanda pelo turismo em Porto Alegre caracteriza-se por esse novo perfil do turista.

A diversidade cultural encontrada na cidade atende a essa demanda e pode agir como difusora da educação patrimonial, que através de passeios guiados e outras atividades podem expor a importância da preservação para a população.

 

Cultura, identidade e patrimônio.

“Quem conta um conto, aumenta um ponto!”. Esse ditado popular oferece pistas de quão dinâmicas são as manifestações culturais. (Sandra Pelegrini).

Ao contrário do que se pensava em tempos passados, o atual conceito de cultura é muito mais amplo e possibilita a inserção das diferentes classes sociais.

A antiga idéia que valorizava apenas os bens culturais da elite hoje não se enquadra mais na nossa sociedade.

Com o surgimento da Antropologia, aproximadamente na segunda metade do século XIX, diferentes métodos e pesquisas buscaram compreender a vida em sociedade.

A consolidação do sistema capitalista no século XIX propiciou um espírito de modernidade que fomentou as transformações intelectuais e culturais do período.

Esse foi, portanto, o cenário em que a Antropologia emergiu no mundo.

Entretanto, no seu início, a Antropologia foi associada, por alguns estudiosos, ao aspecto evolucionista1, pelo qual justificava a hegemonia européia.

 

Conforme Santos (2005, p.23):

 

O sucesso da visão evolucionista da sociedade pode ser explicado pela idéia que os europeus tinham de sua própria sociedade. Essa seria “civilizada” e “complexa” por haver atingido um grau de industrialização, ciência e tecnologia, enquanto as culturas das colônias seriam “primitivas” e “atrasadas”. Em outras palavras, a sociedade européia tomava a si mesma como medida de civilização, atribuindo às sociedades tribais um perfil “inferior”.

 

Essa noção de hierarquia entre os povos, porém aos poucos foi sendo modificada.

Os estudos antropológicos verificaram que “sociedades e grupos sociais cujos valores, práticas e conhecimentos não são iguais aos nossos não são primitivos ou inferiores: são diferentes” (SANTOS, 2005, p.33).

Nesse caso, a cultura não estaria mais associada ao continente Europeu, ela abrange todo o globo terrestre, no entanto as práticas culturais são bastante divergentes, principalmente em nossos tempos, onde a cada dia o contato com outras culturas é maior e através disso percebemos as peculiaridades de cada região. Sendo assim, a cultura é de exclusividade humana.

A forma que trabalhamos; o tipo de música que escolhemos; a comida que fazemos e etc., são formas culturais que variam conforme a região, conforme a influência adquirida e a forma que nos ensinaram.

Em outras palavras, a cultura “é uma produção histórica, como parte das relações entre os grupos sociais” (PELEGRINI; FUNARI, 2008, p.19).

Da mesma forma a identidade entre os povos varia bastante, assim como há várias identidades dentro de um mesmo povoamento.

O sentimento de pertencimento está intimamente ligado à identidade, desde que nascemos adquirimos identificação com diversas coisas: com o mesmo time de futebol do pai, com o passeio no Gasômetro2, com o churrasco de domingo, com o carnaval, entre tantas outras. Partindo desse ponto, podemos identificar quatro aspectos interessantes: a associação feita através do “mesmo time do pai” está ligada à esfera familiar; o “passeio no Gasômetro” está ligado a um ponto de sociabilidade apreciado por alguns moradores da cidade de Porto Alegre; o “churrasco de domingo” está ligado a uma tradição gaúcha e o “carnaval” está ligado à esfera cultural nacional, praticamente o Brasil inteiro festeja o carnaval.

Partindo desses pontos, podemos constatar que a identidade é relativa, ela sofre influências dependendo do meio social.

 

Assim, a identidade é, segundo Pelegrini (2009, p.32):

 

Processo contínuo e complexo de construção do “sujeito” individual em relação ao outro, de constituição de identidades grupais definidas por meio de critérios como a aceitabilidade e credibilidade que se firmam por meio de negociações diretas com os outros e seus respectivos universos culturais, tornando-os reciprocamente unificados diante de determinados interesses.

 

Assim, as questões referentes à construção de nossa identidade e ao sentimento de pertencimento e aceitação dentro de um grupo, ou uma sociedade, estão intimamente ligados à utilização da Memória.

A mediação entre a memória coletiva e as memórias individuais aos poucos vai moldando a base para um consenso de lembranças comuns, trazendo assim um compartilhamento de sentimentos e lembranças entre as pessoas.

A memória se torna importante como ferramenta entre as experiências passadas e as perspectivas de futuro.

Dessa maneira, os monumentos, os museus, as datas de personagens históricas e outros objetos que evocam a memória servem além de trazer uma reflexão sobre os fatos passados, para reforçar o sentimento de pertencimento sócio-cultural entre as comunidades.

E esse sentimento de pertencimento é reforçado pelo conjunto patrimonial que uma sociedade ou comunidade possui.

“O patrimônio individual depende de nós, que decidimos o que nos interessa. Já o coletivo é sempre algo mais distante, pois é definido e determinado por outras pessoas, mesmo quando essa coletividade nos é próxima” (FUNARI; PELEGRINI, 2006, p.09).

Mas afinal, o que é patrimônio? Patrimônio é tudo!

O conceito de patrimônio variou muito nas últimas décadas.

Após o advento dos Estados Nacionais e com a Revolução Francesa intensificaram-se os debates sobre o que seria considerado patrimônio nacional.

Como afirmam Funari e Pelegrini (2006, p.16): “O Estado Nacional surgiu, portanto, a partir da invenção de um conjunto de cidadãos que deveriam compartilhar uma língua e uma cultura, uma origem e um território”.

No decorrer do século XX, com o advento das ciências, as políticas patrimoniais foram implementadas de diferentes formas.

No entanto, os bens culturais caracterizados como patrimônio eram os bens da elite, a cultura popular era marginalizada.

Porém, Pelegrini e Funari (2008, p. 29) esclarecem que “esse movimento de valorização das culturas, iniciado com os aspectos materiais, em geral produzidos pelas elites, passou aos poucos a se expandir para as manifestações intangíveis e dos grupos sociais em geral, não apenas, pelos dominantes”.

O patrimônio passa a ser pertencente a todas as classes, o debate em torno dos bens patrimoniais demonstra a importância do patrimônio como elemento necessário para a construção das identidades individuais e coletivas.

Sendo assim, excluir os costumes, os saberes e as práticas da maior parte da população por uma nacionalidade forjada, que visava salientar a “erudição” do país tornava-se incabível.

E a importância da preservação dos bens patrimoniais também é salientada frente à percepção das diversas formas de patrimônio: patrimônio material, imaterial ou natural.

Sendo assim, a população além de querer se sentir pertencente à sociedade através das representações do patrimônio, ela quer (ou pelo menos deveria querer) que esse pertencimento se mantenha para as futuras gerações, se fazendo necessárias as ações preservacionistas que mantenham os espaços de sociabilidade, suas tradições e o seu patrimônio material.

Dessa maneira, a conscientização da população sobre o bem patrimonial é de extrema importância.

 

E para que esse objetivo seja alcançado é preciso que haja uma difusão da educação patrimonial pelos educadores. Segundo Pelegrini (2009, p.36):

 

A educação patrimonial formal e informal constitui uma prática educativa e social que visa à organização de estudos e atividades pedagógicas interdisciplinares e transdisciplinares. O objetivo da interdisciplinaridade centra-se na tentativa de superar a excessiva fragmentação e linearidade dos currículos escolares. A transversalidade, alcançada por meio de projetos temáticos, é um recurso pedagógico que visa auxiliar os alunos a adquirir uma visão mais compreensiva e crítica da realidade.

 

Isso possibilita pensar que a freqüente utilização dessa ferramenta metodológica pode contribuir como recurso para diversas áreas de interesses, tanto na esfera educacional formal - como o ensino escolar - quanto na esfera econômica que visa o lucro através de investimentos no setor turístico, por exemplo.

De qualquer forma, o produto turístico (neste caso os bens patrimoniais) que é “vendido” ao visitante é o mesmo que a população local possui, assim, o compartilhamento e as relações sociais estabelecidas nesse contato entre esses agentes pode gerar boas experiências para todos.

 

As relações geradas pela prática turística e o novo perfil do turista

O turismo não tem um tronco principal: é um entremeado no qual circulam múltiplos

atores que se relacionam em mútua dependência. (Margarita Barreto).

 

O turismo é praticado por diversas pessoas, seja para visitar um familiar que mora longe, para conhecer lugares novos ou até mesmo a trabalho.

Não importa o motivo da viagem, mas o fato é que as relações geradas no cotidiano em um lugar diferente do habitual sempre trazem experiências novas.

Porém, a visão que as pessoas e as ciências têm do turismo é quase sempre simplificada, o lazer e a economia são os únicos pontos positivos destacados dessa relação.

Não podemos negar que a prática turística gera um aumento na economia da população receptora e também das agências de viagem, mas os impactos do turismo ultrapassam essa visão.

 

Assim como Barreto (2007, p.14) explica:

 

As ciências sociais, fundamentalmente, não enxergam o turismo como um objeto digno de estudo, entre outras coisas porque, geralmente, seu desenvolvimento tem acontecido ao sabor do mercado, dos interesses dos grandes capitais nacionais e internacionais, sem levar em conta os outros atores sociais e sem participação das comunidades afetadas (positiva ou negativamente) por falta dos aportes da pesquisa socioantropológica aplicada. A prática do turismo parece ser, para a academia, um objeto de pouca relevância, porque os atores estariam praticando uma atividade alienada: enquanto isso, os turistas continuam tendo uma oferta alienada justamente por falta de pesquisa científica capaz de transformar esse suposto “ser genérico” denominado “o turista” em sujeitos concretos particularizados.

 

A partir dessa afirmação observa-se que há uma crítica sobre os poucos investimentos que os cientistas sociais fazem na pesquisa sobre o Turismo.

A “oferta alienada” destacada por Barreto também é refletida por Barbosa, quando analisa a importância dos símbolos para a garantia de status dentro da sociedade de consumo.

 

Segundo Barbosa (2001, p.17):

 

O poder dos signos é muito grande. No processo de compra e venda, o signo que é consumido sai na frente, idealizado pela propaganda. Quando se viaja a Paris, o que se pensa em primeiro lugar é no signo: a Torre Eiffel; chegar até ela, apreciá-la de perto, ter a sensação de poder tocá-la, de subir nela. Por último, fotografá-la para trazer a prova material de que se esteve no signo. Com essa comprovação congelada em forma de fotografia, o registro será perpetuado e apreciado pela sociedade, responsável pela alimentação dos signos.

 

Assim, o produto ideológico que muitas vezes é oferecido ao turista nada mais é do que um pacote de viagem recheado de signos já conhecidos que o turista alienado compra para obter o status social pré-estabelecido.

Para o empreendimento turístico que visa apenas o lucro essa é a alternativa mais fácil de convencimento.

Porém, diversos estudos têm apontado que hoje além de status o turista busca o desconhecido, quer conhecer o outro e a si mesmo.

E sendo assim, a viagem acaba se tornando um produto diferenciado no mercado. “Viajar tornou-se um bem que adquirimos e que possuímos após usufruí-lo, a exemplo de outros bens materiais (mesmo não sendo, lato sensu, um bem material).

 

Mas esse bem nos agrega frutos sociais e psíquicos” (GASTAL, 2005, p.83):

 

Dessa maneira, independente do motivo da viagem ou da distância percorrida, as relações culturais estarão presentes, e os empresários, os turistas, e até mesmo a população local devem estar conscientes dos frutos que essa relação pode gerar.

Se o turista estiver disposto a conhecer coisas novas realmente ele obterá uma gama de conhecimentos que ultrapassam as páginas de um livro.

O empresário, por sua vez, irá lucrar mais e poderá desenvolver novos projetos com o investimento em outros locais que antes não eram considerados “pólos” turísticos.

E a população local também poderá obter lucros econômicos, com a intensificação do comércio da região, e benefícios sociais proporcionados pela dinâmica dessa relação.

Mas para que a experiência cultural seja positiva, o turista precisa ter consciência da importância da preservação patrimonial.

Nesse sentido, é preciso que haja a conservação dos bens culturais por parte do turista para que a cidade e a população local não sejam afetadas.

Essas experiências serão positivas na medida em que a diversidade cultural for preservada, pois mesmo com o fenômeno da globalização, que tende a homogeneizar as culturas através do contato entre as diferentes populações, as nacionalidades e, também, regionalidades tendem a se reforçar, e com isso as diferenças culturais se mantêm.

Através da viagem, o turista tem a oportunidade de ter contato com pessoas diferentes, comidas diferentes e uma infinidade de costumes diferentes dos seus.

Mesmo que ele opte por comer uma comida enlatada conhecida em diversos pontos da Terra ele estará ainda em contato com o “diferente”, pois as relações pessoais serão variadas.

“Enquanto um sanduíche do McDonald’s busca ser rigorosamente igual em todo o mundo, dos ingredientes básicos ao tempero, da forma de servir aos acompanhamentos, um mesmo peixe pode ser preparado, à sua maneira, por diferentes cozinheiros” (FUNARI; PINSKY, 2009, p.10).

Entretanto, mesmo que as razões que levam uma pessoa a viajar sejam as mais variadas possíveis, estudos demonstram que a procura pelo “diferente” ao invés do “padronizado” está crescendo no cenário turístico, embora ainda não consiga superar os “lugares da moda”.

Verbeke e Lievois (2002, p. 115) destacam que “o fato de que o ‘turismo cultural’ aumentar o volume de viagens pode ser compreendido como uma alteração do padrão motivacional dos viajantes”. Assim, o turismo cultural pode ser imprescindível para a compreensão dessa mudança.

A partir disso, as reflexões a respeito do novo perfil do turista caracterizam a busca ao desconhecido e às novas experiências como essenciais motivadores.

Não basta apenas visitar lugares internacionalmente conhecidos sem ao menos procurar saber a respeito da história e dos costumes locais. Verbeke e Lievois (2002, p.116) ainda destacam que o turismo cultural gera três tipos de turistas diferenciados: “turistas culturalmente motivados”, “turistas culturalmente inspirados” e “turistas culturalmente atraídos”.

Os turistas culturalmente motivados (ou “intencionais”) selecionam o destino de férias e têm a intenção de aprender e se beneficiar das relações culturais; os turistas culturalmente inspirados (ou “oportunistas”) escolhem o destino já pelo o que conhecem que é oferecido no local; e os turistas culturalmente atraídos (ou “não-intencionais”) não selecionam seu destino de férias com base cultural intencional, mas a aproveitar enquanto estão lá.

Mas de qualquer forma esses “tipos de turistas” usufruem as atividades, as relações e o patrimônio que a cidade visitada possa oferecer.

 

Procurar conhecer outros hábitos, outras culturas, implica em estabelecer novas relações com pessoas diferenciadas e essa integração entre o turista e a população local deve ser o mais harmoniosa possível, indo ao encontro do que Butler (2002, p.88) afirma:

 

A integração ideal do desenvolvimento do turismo numa comunidade ou destino deveria tornar o desenvolvimento mais aceitável, tanto para os residentes locais quanto para os que utilizam os recursos existentes, do que um desenvolvimento turístico que é imposto de forma segregada e indesejável.

 

O planejamento das atividades turísticas deve ser pensado com muita cautela pelos profissionais da área e pelas autoridades políticas, pois o bem-estar da comunidade também deve ser prioridade nesse processo.

Os eventos, por exemplo, devem ser cuidadosamente preparados para que atendam tanto às demandas turísticas quanto às necessidades culturais da comunidade.

O evento não deve ser apenas um atrativo, um divertimento.

O evento deve fortalecer o patrimônio, propagar a cultura local para os visitantes.

Porque, antes de mais nada, “(...) os eventos representam a memória viva da cidade” (NETO, 2009, p.53).

E nesse sentido, todos os eventos devem ser incentivados para que conservem as tradições que a comunidade carrega e que não seja apenas um “espetáculo para turista ver” (como diz um ditado popular).

Outra problemática na relação turista-comunidade é a revitalização da cidade em prol da modernização como investimento turístico.

Nesse caso também o cuidado deve estar centrado no bem-estar da população, porque de nada adianta focalizar o investimento no centro histórico da cidade e ao mesmo tempo deslocar a comunidade para áreas marginalizadas.

Isso faria parte do mesmo “espetáculo” do evento.

Desloca-se a população para onde o turista não possa enxergar e se esconde a verdadeira situação social que a cidade enfrenta. Barbosa (2001, p.91) observa que: “A revitalização não é simplesmente a reabilitação de uma área para torná-la mais atrativa para residentes mais ricos. A revitalização deveria melhorar as condições econômicas dos moradores e a reintegração dos bairros na economia de mercado”.

Dessa forma, o mercado turístico e as políticas públicas de desenvolvimento têm que procurar instituir projetos que levem em consideração a satisfação do turista e dos cidadãos residentes, e que respeite também a preservação dos bens naturais e culturais essenciais para os últimos.

Assim, o crescente debate a respeito da importância do patrimônio para a preservação da identidade trouxe (e deverá continuar trazendo) a consciência das pessoas à necessidade do conhecimento de si e em relação ao outro.

 

Educação patrimonial e o desenvolvimento do turismo em Porto Alegre

“Sinto uma dor infinita. Das ruas de Porto Alegre. Onde jamais passarei...”. (Mário Quintana).

A escolha do destino turístico é sempre muito particular.

Cada viajante tem suas próprias motivações ao escolher o local que deverá ser visitado, seja para uma viagem a lazer ou a trabalho sempre haverá alguns atributos específicos na hora da escolha.

Porém, com o surgimento do chamado turismo cultural, as cidades “sem potencial turístico” podem agora também integrar o roteiro turístico de um número cada vez maior de pessoas.

Nesse contexto, a cidade de Porto Alegre (RS) oferece aos turistas inúmeros bens culturais como atrativos, e mesmo não dispondo de símbolos de grande impacto de marketing poderá integrar a lista de roteiros turísticos de muitos viajantes.

Mas, para que isso ocorra, é preciso que haja um investimento financeiro do poder público e também o apoio da população local.

Somente assim, as relações turísticas poderão ser proveitosas para todos os setores da sociedade.

Levando em consideração que o turismo é uma atividade que gera fatores resultantes da interação entre a população local, turistas, empresários e políticos, pode-se considerar que é uma atividade complexa.

Sendo assim, a atratividade do centro urbano porto-alegrense precisa atender aos interesses desses diferentes grupos sociais.

Para isso, é preciso que haja um investimento na valorização dos espaços culturais da cidade para ser ofertada ao turista e à própria população e que, consequentemente, gerem lucros para a economia local.

Dessa forma, ter o cuidado de preservar os pólos culturais que a cidade já possui sem alterar o seu real significado para os moradores da região é fundamental.

 

Conforme Ribeiro (2000, p.125) destaca:

 

Observa-se, em muitos casos, a degradação de edificações consideradas de valor histórico e, mesmo, de conjuntos arquitetônicos de alta importância que ganham destinações de gosto duvidoso, como sediar comércio de ganho fácil ou com intervenções em sua parte frontal sem qualquer cuidado estético, em materiais que destoam da construção original.

 

A Secretaria Municipal da Cultura (SMC) de Porto Alegre possui algumas políticas de preservação patrimonial e também promove ações que poderiam possibilitar tal objetivo. Segundo a SMC, o Inventário do Patrimônio Cultural é “um trabalho de caráter permanente que mantém atualizado o conhecimento sobre os espaços e edificações com interesse para a preservação, bem como o perfil de cada bairro” (Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1971).

Porém, os recursos financeiros destinados para este fim ainda são muito limitados e, muitas vezes, os órgãos públicos acabam fazendo uso do capital privado através de parcerias.

Como é o caso do projeto “Tudo de Cor para Você” realizado pela empresa de tintas Coral em parceria com a prefeitura da cidade, que teve como objetivo a realização de um mutirão para pintar imóveis da Rua João Alfredo (localizado no bairro Cidade Baixa), como incentivo para que a população mantenha a cidade limpa e zele pela conservação dos bens arquitetônicos.3

Entretanto, ações como essa sem um acompanhamento técnico rigoroso podem ocasionar uma descaracterização arquitetônica dos imóveis pelas cores “vivas” que foram aplicadas, não respeitando assim o “perfil do bairro”, e a falta de orientação por parte de profissionais que poderiam ter ajudado na revitalização da área.

Percebendo a importância do tema para o investimento no setor turístico, outras ações de revitalização da cidade estão sendo aplicadas, como o projeto do Cais Mauá4, a restauração da Biblioteca Pública e etc.

Porém, o incentivo nas ações de Educação Patrimonial ainda é limitado.

Os recursos destinados para a manutenção dos projetos são escassos e a contratação de profissionais qualificados não é realizada.

Assim, a revitalização da cidade parece atender apenas aos interesses dos empresários e dos governantes.

A população está muito distante desses projetos.

Dessa forma, é necessário que se destine uma quantia maior para as atividades sociais na região, assim, os turistas terão uma oferta mais adequada e os porto-alegrenses também poderão usufruir dos projetos.

 

Nesse âmbito, Pelegrini (2009, p.41) aponta a importância da educação patrimonial como um meio de inclusão social e de desenvolvimento da região ao destacar que:

 

A educação patrimonial na contemporaneidade vem adquirindo proeminência e apontando possibilidades de inclusão do cidadão e do desenvolvimento de economias locais por meio do turismo cultural e do desenvolvimento sustentável, fortalecendo o sentimento de pertencimento e de fraternidade entre os membros de distintas comunidades.

 

Dessa maneira, a preocupação em preservar os bens culturais históricos da cidade deve estar introduzida na hora de se pensar onde serão aplicados os investimentos.

O bem-estar da população local precisa também fazer parte dos planos econômicos.

E a introdução do planejamento de preservação dos bens culturais deve ser feita por “um método pedagógico constante e regular, capaz de, por meio da fonte primária (ou seja, dos bens patrimoniais diversos), propiciar o desenvolvimento individual e coletivo” (PELEGRINI, 2009, p.117).

Sendo assim, a difusão da educação patrimonial só acontece a partir da relação entre a população e um planejamento sustentável.

Mas, para isso, a população precisa ter consciência de que seu bem-estar também é um direito que deve ser assegurado pelo Estado.

Sua participação nesse processo é extremamente importante, porque mesmo que a Lei de Tombamento (Lei Complementar 275/92) também proteja os bens patrimoniais culturais da cidade, o tombamento5 de espaços culturais no município pode ser solicitado por qualquer pessoa, e a comunidade muitas vezes nem sabe que é possuidora desse direito.

A educação patrimonial atuaria assim como difusora dessas idéias.

Levaria à comunidade um novo universo, onde os habitantes conheceriam a sua própria história e ajudariam talvez a escrever uma nova, onde não somente os bens patrimoniais arquitetônicos localizados no Centro da capital gaúcha6 (como a Casa de Cultura Mário Quintana7; o Mercado Público Central8, entre tantos outros) fossem conhecidos e os representassem, mas onde abrisse espaço para que novos patrimônios fossem descobertos.

Assim, o turista (e também a comunidade) além de conhecer as diversas obras arquitetônicas encontradas na Capital, o clima frio característico da parte sul do Brasil e as paisagens encontradas nessa região, poderia descobrir um universo cultural dentro de uma mesma cidade.

As especificidades encontradas na cidade de Porto Alegre servem como um grande atrativo turístico.

As características dos gaúchos já conhecidas no restante do Brasil através da mídia como o sotaque mais “grosso”; o costume de tomar o chimarrão (um mate bem quente); a celebração do dia 20 de setembro no Parque Farroupilha9; a receptividade do povo entre tantos outros costumes serve, com certeza, para que o turista, seja brasileiro ou estrangeiro, aprenda sobre a cultura gaúcha e possa através dela refletir sobre diversas questões, como a diversidade cultural encontrada no território nacional.

No entanto, além dessas tradições já um pouco conhecidas, o turista pode também conhecer características distintas destas.

Como, por exemplo, a história da colonização açoriana na região, pois o que é muito divulgado para o restante do Brasil é a colonização alemã e italiana na formação histórica e cultural do Estado (e muitas vezes, os próprios cidadãos porto-alegrenses não sabem disso, desconhecem a sua própria história).

Outro atrativo pouco conhecido é o carnaval de Porto Alegre, que se houver incentivo por parte do poder público poderá também ser explorado pelo turismo como acontece no Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Recife.

Além disso, Porto Alegre possui diversos espaços culturais agradáveis ao ar livre que proporcionam fácil interação social entre as pessoas.

Dessa forma, os bens culturais encontrados na cidade de Porto Alegre podem servir como difusor da Educação Patrimonial, tanto para os turistas quanto para a própria população.

Mesmo que o turismo seja considerado, segundo a Organização Mundial de Turismo (OMT), como o deslocamento de pessoas de seu domicilio por no mínimo 24 horas com a finalidade de retorno, o fato é que a população local também pode – e deve - fazer uso dos mesmos locais que os turistas.

Os espaços sociais e os monumentos arquitetônicos devem ser apropriados pela população.

A comunidade deve compreender os seus bens culturais como uma prática do cotidiano e não “um espetáculo que inicia quando o ônibus dos visitantes chega, mas uma atividade que a comunidade exerce rotineiramente” (GASTAL, 2000, p. 111).

 

E para que haja essa compreensão é preciso que a Educação Patrimonial alcance a todos. Conforme Pelegrini (2009, p.117) aponta:

 

Se as autoridades responsáveis e a população mundial se mobilizarem, a educação patrimonial no campo ambiental e cultural será de grande valia. Sobretudo porque tenderá a suscitar a integração individual e coletiva e, quiçá, uma consciência diferenciada a respeito do patrimônio. Talvez, a relação ensino-aprendizagem nessa área possa favorecer a convivência dos homens com a coletividade e com o meio em que vivem.

 

Sendo assim, cabe aos educadores a tarefa de conscientização da população em relação a isso.

Dessa maneira, os passeios turísticos pela cidade são de extrema importância para que o público (turista ou comunidade) entenda a história da cidade e o motivo pelo qual é importante preservar os bens culturais.

E, através desse diálogo, o educando contribui, e muito, para que a comunidade entenda a sua própria história e para que o turista entenda a história do outro.

Assim, a Educação Patrimonial entra com o intuito de se tornar uma ação educacional interativa, em que a visita turística torna a história da cidade mais tangível e faz com que a preservação dos bens patrimoniais seja compreensível através da sua importância e, consequentemente, seja realizada.

A Prefeitura Municipal de Porto Alegre tem elaborado algumas ações difusoras da metodologia de Educação Patrimonial em alguns pontos da cidade10, bem como está investindo também na infra-estrutura da cidade para a recepção dos turistas.

No entanto, pouca coisa foi feita também em relação, por exemplo, a contratação de profissionais qualificados, na medida em que boa parte das atividades está sendo exercida por estagiários, e os recursos financeiros, como já foram citados, também são escassos.

Dessa forma, cabe aos responsáveis pela gestão pública o investimento necessário para que os atrativos turísticos de Porto Alegre sejam cada vez mais dignos de visitação e de admiração por todos os tipos de públicos.

O investimento também deve abranger a diversos tipos de patrimônios que possam caracterizar a diversidade cultural encontrada na cidade, alcançando assim um espaço relativamente expressivo na lista dos locais mais visitados do Brasil.

 

Concluindo.

A partir da pesquisa realizada pude constatar que a preocupação e todo o debate envolvendo a Educação Patrimonial são muito recentes.

A problemática abordada em torno da preservação dos bens culturais estava muito centrada nos poderes públicos nacionais, não havia uma interação entre eles e a população para que se pudessem perceber os objetos de valores que realmente representassem a população ou uma comunidade específica.

Na esfera educacional essas questões eram mais distantes ainda, tentava-se acabar com as pichações realizadas pelos jovens nos prédios e monumentos das grandes cidades com leis e punições, mas a partir do momento em que se percebeu que era preciso haver ações preservacionistas é que algum resultado positivo pôde ser colhido.

Sabe-se, no entanto, que os resultados são pequenos, ainda falta um engajamento maior por parte dos poderes públicos e dos educadores.

Mas acredito que o primeiro passo já foi dado, e a partir disso podemos esperar por melhoras significativas.

O turismo, ao contrário do que muitas pessoas ainda pensam, entra em cena para melhorar esse quadro de ações destinadas à preservação dos bens culturais.

O temor do turismo em massa que pode causar males a população e a preservação da natureza pode ser contornado com um planejamento eficiente feito pelas autoridades locais.

Dessa maneira, a relação turista-população poderá ser cheia de experiências agradáveis para ambos os lados.  

 

Para saber mais sobre o assunto.

BARBOSA, Ycarim Melgaço. O Despertar do turismo: uma visão crítica dos não-lugares. São Paulo: Aleph, 2001.

BARRETO, Margarita. Cultura e turismo: discussões contemporâneas. Campinas: Papirus, 2007.

BUTLER, Richard W. Problemas e temas da integração do desenvolvimento do turismo. . In: BUTLER, Richard W. (org.). Desenvolvimento em turismo: temas contemporâneos. São Paulo: Contexto, 2002.

FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio histórico e cultural.    Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

FUNARI, Pedro Paulo; PINSKY, Jaime. Turismo e Patrimônio Cultural. São Paulo: Contexto, 2009.

GASTAL, Susana. Turismo, imagens e imaginários. São Paulo: Aleph, 2005.

GASTAL, Susana. Turismo & cultura: por uma relação sem diletantismos. In: GASTAL, Susana (org.). Turismo: 9 propostas para um saber fazer. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

MACHADO, Maria Beatriz Pinheiro. Educação Patrimonial: orientações para professores do ensino fundamental e médio. Caxias do Sul: Maneco Livr. & Ed., 2004.

NETO, Francisco Paulo de Melo. Evento: de ação, de entretenimento a agente de promoção do patrimônio histórico-cultural. In: FUNARI, Pedro Paulo; PINSKY, Jaime (orgs.). Turismo e Patrimônio Cultural. São Paulo: Contexto, 2009.

PELEGRINI, Sandra C. A. Patrimônio cultural: consciência e preservação. São Paulo: Brasiliense, 2009.

PELEGRINI, Sandra C. A; FUNARI, Pedro Paulo. O que é patrimônio cultural imaterial. São Paulo: Brasiliense, 2008.

PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Proposições para a Área Central de Porto Alegre. Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1971. Disponível em: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/vivaocentro/default.php?p_secao=41>. Acesso em: 15 abr. 2010.

RIBEIRO, Marcelo. A atratividade dos centros urbanos e o Turismo. In: GASTAL, Susana (org.). Turismo: 9 propostas para um saber fazer. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

SANTOS, Rafael José dos. Antropologia para quem não vai ser antropólogo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2005.

VERBEKE, Myriam Jansen; LIEVOIS, Els. Análise de recursos históricos para turismo urbano em cidades européias. In: Desenvolvimento em turismo: temas contemporâneos. São Paulo: Contexto, 2002.

 

Texto: Profa. Adriana Costa.
Licenciada em História pelo Centro Universitário Metodista do Sul - IPA.
Pós-Graduanda em História Africana e Afro-Brasileira pela Faculdade Porto-Alegrense (FAPA).
 
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1As teorias evolucionistas foram desenvolvidas de fato após 1800, ou seja, após a consolidação dos princípios liberais defendidos pela Revolução Francesa, contrários ao criacionismo conservador. Os principais pensadores foram Darwin e Lamarck, que vislumbravam a possibilidade de novas espécies surgirem a partir de adaptações ambientais (pescoço da girava, bipedismo do homem e etc.). Porém, Darwin dava ênfase às modificações causais, Lamarck, por sua vez, acreditava que as adaptações ao meio que provocavam as mudanças.
2Inicialmente a Usina do Gasômetro era utilizada para gerar energia elétrica à base de carvão mineral para a cidade de Porto Alegre. Em novembro de 2010, a Usina do Gasômetro completa 82 anos e se caracteriza como um dos principais centros culturais da Capital gaúcha. “A Usina forneceu energia elétrica à base de carvão mineral para Porto Alegre de 1928 a 1974, quando foi desativada. Sua importância histórica é inegável, sendo palco da industrialização ainda incipiente no Brasil. O projeto veio da Inglaterra, assim como todas as máquinas e materiais.” (SMC; In: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/smc/default.php?reg=7&p_secao=19)
3Ver mais em: http://www.defender.org.br/porto-alegrers-bairro-cidade-baixa-ganha-novas-cores/
4Pelo projeto, será concedida à iniciativa privada para revitalização do porto uma área de 181 mil metros quadrados com cerca de três quilômetros de extensão, entre a Usina do Gasômetro e a Estação Rodoviária. Disponível em: http://www.jornaldeturismo.com.br/noticias/rs/24193-poa-cais.html
5“Tombar é arrolar, inventariar, registrar os bens culturais, reconhecendo-os como patrimônio nacional, estadual ou municipal” (MACHADO, 2004, p.20).
6As pessoas nascidas no Estado do Rio Grande do Sul são chamadas de gaúchas. Porto Alegre por ser a Capital do Estado é conhecida como a capital dos gaúchos.
7Antigo Hotel Majestic, arrolado como patrimônio histórico em 1982. Foi o lar de um dos maiores poetas brasileiros, Mário Quintana, nascido em Alegrete, mas que adotou Porto Alegre como sua cidade. Ver mais em: http://www.ccmq.com.br/ccmq.php
8O Mercado Público faz parte das tradições da cidade. Existem aproximadamente 110 lojas, que vendem diversos produtos. Disponível em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/mercadopublico/default.php?p_secao=20
9Neste período, diversos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) são montados no Parque Maurício Sirotsky em comemoração a Revolução Farroupilha, que foi iniciada em 20 de setembro de 1835 em oposição aos altos impostos cobrados para pagar dívidas federais.
10Como o “Caminho dos Antiquários”, “Viva o Centro a Pé” e “Caminhos Rurais”. Ver mais em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/vivaocentro/default.php?p_secao=120